domingo, 8 de setembro de 2019

A NOSSA Escola Era Fria no Inverno...Mas Tinha o SEU Calor.

Escola das Beatas - Eu e a Estagiária Justina Carvalho,
irmã da minha Professora
da 1ª à 4ª Classe, Profª Lurdes Carvalho
A nossa escola era fria no Inverno.
Os Invernos eram rigorosos em Bragança.
A escola tinha uma lareira lá bem pertinho da secretária da Professora. Era território proibido para os alunos. Quando chegava o tractor com a lenha servíamos de carregadores mas nunca usufruímos do calor da lenha a arder. Existia um aquecedor eléctrico com uma vareta que aquecia as pernas da professora a tempo inteiro e que era por vezes, a prenda para quem se "portava bem" em determinado momento….
- Podes vir 5 minutos para junto do aquecedor por teres acertado a conta. Os outros roíam-se de inveja e no recreio vingavam-se das maneiras mais duras ou mais subtis.
Não podíamos usar luvas dentro da sala de aulas… não era fácil escrever mesmo com a ajuda do nosso bafo a tentar aquecer as mãos.
Os que tinham mais dificuldade na aprendizagem nunca souberam o que era aquecer as mãos num aquecedor eléctrico.
A vida não era só escola e os invernos proporcionavam-nos espaços que ombreavam com as melhores estâncias turísticas de Inverno do mundo.

Eu sou o último do lado direito da foto.

Uma pista de neve, sem obstáculos físicos nem carros, desde o Trinta (onde era o quartel da tropa e é agora a sede do Município), até à agora avenida Abade de Baçal, era uma dádiva dos céus. -Todos em linhaaaaa- e dentro das caixas que transportavam as sardinhas para o mercado. – Partidaaaaaa - gritavam as mais velhas, que eram as nossas irmãs. E lá ia a garotada enfiada nas caixas de madeira das sardinhas, ribanceira abaixo a ver qual era o que batia primeiro com as fuças no chão. A neve não era preocupação, era alegria e divertimento. Não era necessário limpa-neve. Não havia pressa para chegar a algum lado. O tempo era de graça…
Os dias na escola, começavam invariavelmente com a entrada da professora. Ai daquele que não estivesse ao lado da respectiva "carteira" e perfilado para o “Bom dia Senhora Professora”.
Ninguém se sentava, a seguir cantava-se o Hino Nacional, a Portuguesa. Só depois tínhamos permissão para nos sentarmos e abrirmos os livros.
As aulas seguiam, paulatinamente, o seu percurso. Matemática, Português, Geografia, História…
Mas o melhor era sem sombra de dúvidas o intervalo.
Um dia, no intervalo, passou uma avioneta por cima da escola….será que vai aterrar no campo de aviação? Irá? Não irá?. Nada como ir tirar dúvidas. E lá fomos a correr como loucos. Eu, O Tocá e o Tozé. O campo de aviação era longe e não fomos de carro. Corremos e corremos, transpirámos, mas quando chegámos, a frustração foi enorme. Nada de avioneta. Só então começamos a pensar nas repercussões da nossa atitude. E agora?
Com o dobro de velocidade imprimida na primeira etapa, lá regressámos à escola a bufar e onde os outros já estavam quase a sair para ir almoçar ou comer a merenda…que bem sabiam as sandes de marmelada que um colega meu trazia com pão caseiro. Trocávamos muitas vezes o lanche na altura em que apareceu o tulicreme. A Mãe dele fazia marmelada e eu às vezes tinha tulicreme.
Não nos livrámos de 50 reguadas em cada mão apesar de terem sido dadas com algum carinho porque afinal, nós os três até éramos bons alunos, não ficámos com as mãos negras mais sim adormecidas. A Santa Luzia (a régua de madeira com os buraquinhos para “respirar”, afinal era pesada e cumpria na perfeição a sua missão). Mas a intenção era servir de exemplo. Fiquei sem grande apetência por avionetas.
Éramos os donos de todo o território aqui à volta. Só havia montes e espaço que considerávamos nosso. E era.
Nenhum rei tinha tanta terra como nós. De vez em quando para imitarmos o egoísmo dos adultos criávamos territórios independentes. Fazíamos uma espécie de castelos. Demorávamos dias e dias a construir as muralhas, pedra após pedra. Quando o nosso castelo já estava a tomar forma e a ser o mais bonito de todos, numa qualquer madrugada deparávamos com a triste realidade de termos sido atacados durante a noite por vândalos invejosos…e, começávamos tudo de novo.
Não estávamos na cama a apodrecer. Tínhamos ânsia em viver muitas horas com luz. Também não estávamos até de manhã nos chats, não havia computadores, nem a ver televisão a que poucos tinham acesso. O nosso desiderato era mesmo defender e reconstruir o nosso território no qual éramos mesmo os absolutos donos. Havia castelos em praticamente todos os reinos vizinhos e era um grave problema descobrir quem tinha, com inveja, destruído pela calada da noite, o nosso.
Reunidos os cavaleiros da nossa Távola Redonda, as alternativas eram sempre duas. Ou recomeçar a construir o nosso castelo vigiando melhor a nossa fortaleza. Ou, num gesto de vingança e durante a calada da noite também, arrasarmos os castelos da vizinhança sem poupar os inocentes.
As nossas espingardas feitas em madeira surtiam um efeito dissuasor aos nossos inimigos.
Os mais que muitos contratempos, levaram-nos a optar por reforçar os nossos territórios mais próximos de casa.

Era o tempo dos clubes no quintal...



HM

3 comentários:

  1. ... Tal e qual... como mme lembro kkkkk
    obrigada Henrique por retratares tão bem e a minha infância e a de tantos outro
    adorei


    ai ai
    "Ai daquele que não estivesse ao lado da respectiva secretária e perfilado para o “Bom dia Senhora Professora”.
    Ninguém se sentava, a seguir cantava-se o Hino Nacional, a Portuguesa. Só depois tínhamos permissão para nos sentarmos e abrirmos os livros."
    abraço transmontano
    Zira

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  2. O meu filho mais velho, também andou nesta escola.
    Que tempos...

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  3. Aqui em Terra Brasilis, à época,o costume era bem parecido. à partir de 1950 foi proibido o uso da "palmatória", uma espécie de raquete de tênis, feita em madeira,pesada;com que batiam nas mãos dos alunos que extrapolavam às ações admitidas em classe. Felizmente,à época em que ingressei na escola (1952), a tal palmatória não mais existia; ou melhor, não era permitida seu uso.
    Também na escola rural em que estudei, havia as mesmas obrigações,aqui contadas pelo otável articulista Henrique martins. Até um campo de pouso de aviões (teco-teco), de um só motor, desciam às vezes por lá, muitas das vezes era por necessidade e falta de combustível. Certa vez pousou um "planador", daqueles aviões usados na Segunda guerra mundial; sem motor. Quando pousou um desses, até a professora andou a distância de um quilômetro, para ver o tal planador. Praticamente passamos o dia em volta do avião e do piloto; que tentava falar pelo rádio,pedindo ajuda. Por fim, o administrador da fazenda que sediava o campo de pouso fez o contato por telefone e veio a ajuda, da distante cidade de Ribeirão Preto. E vimos, extasiados, o teco-teco puxar o planador através de uma correia de quinhentos metros de comprimento. Foi emocionante! Os dois pilotos em suas cabines, o povo aplaudindo ao lado e ao largo. O motor do teco-teco foi ligado, taxiou na pista e partiu! Depois de alguns segundos a correia estava distendida e o planador alçou voo, mesmo antes do rebocador (teco-teco). Ainda deram uma volta por cima da pista de terra, para nos saudar, enquanto,já lá nas alturas, o piloto do planador soltou a correia que o prendia ao rebocador. foi um dia inesquecível, que agora,com o texto do prezado Henrique Martins, me fez voltar à mente e poder contar a vocês.
    Henrique, grato por alimentar meu cérebro com as boas lembranças da infância.
    Salve as crianças, do Brasil, de Portugal e do mundo!

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