segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Aqui Começa Portugal

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Aqui começa Portugal que resistiu à fome e ao estigma humilhante do repartir uma sardinha em tempos de escravatura e servidão. Aqui começa Portugal que convive amistosamente com os espanhóis, mas bateu-se estoicamente em Aljubarrota e na penosa Guerra do Mirandum. Aqui começa Portugal que se levanta cedo e obriga a terra a parir frutos, azeite e mel em tempos de secura estival. Aqui começa Portugal de Bragança que se revê no seu passado e na imponência do seu castelo, sem contudo comprometer o futuro; de Alfandega da Fé, doce como as cerejas vermelhas em prenúncio de Verão; de Carrazeda de Ansiães que se faz vinho fino e marca presença em todo o mundo; de Macedo de Cavaleiros que se espelha no Azibo num anúncio perene de riqueza agrícola; de Mirandela em namoro romântico com o Tua na exuberância dos produtos da Terra Quente; de Torre de Moncorvo que do mel, da cera e das amêndoas faz riqueza e nome; de Vila Flor sempre florida e na paixão de Dom Dinis é um autêntico poema de harmonia e beleza; de Vinhais que na conjugação mais que perfeita de saberes e sabores oferece ao Mundo um fumeiro ímpar e de referência; de Vimioso que tão bem soube acolher os judeus e do negócio do almocreve andante prosperou e se fez mito nos amores duma Severa e dum Conde amante da sua terra e do imaginário do fado Português; de Miranda do Douro que soube conjugar a atractividade da sua Catedral e do Menino Jesus da Cartolinha, com o fascínio do Douro, com as suas arribas e magníficas embarcações ecológicas; de Mogadouro que num conto de Trindade Coelho nos fala da valentia e do carácter das suas gentes; de Freixo de Espada à Cinta que das alturas do Penedo Durão espreita a “sombra dos abutres” e se faz laranja e beleza no esplendor da Conjida.

Por tudo isto e pelo que não se disse, poderemos afirmar que aqui, no Distrito de Bragança começa verdadeiramente Portugal.
Um Portugal que teimosamente resiste ao isolamento, à desertificação, à morte anunciada de muitas aldeias pela escassez da natalidade, mas não sai à rua carpindo lágrimas e fazendo a figura ridícula dos coitadinhos, mas procura soluções, articula estratégias, rompe com o fatalismo da História e afirma-se como Povo e como Região ímpar.
O ciclo repete-se muitas vezes. Os Castros morreram deixando trágicas marcas ombreando os montes. Das ruínas dos Castros nasceram as aldeias. Os reis publicaram leis obrigando os filhos e netos de agricultores a regressarem ao arado. Bragança teve uma indústria próspera no século XVIII e contudo nos inícios do século vinte, os porcos e as galinhas passeavam-se ostensivamente na Praça da Sé.
Mas, verdadeiramente acreditamos que embora as carências desta região periférica sejam imensas, estamos a dar a volta por cima, rompendo com a ignorância, fazendo educação de jovens e adultos, modernizando as aldeias, vilas e cidades, garantindo o mínimo de conforto e habitabilidade para todos os cidadãos, reduzindo praticamente a zero o drama da fome que em tempos bem próximos, era um assombramento para a grande maioria das famílias que trabalhavam de sol a sol.
Muito há para fazer. A desertificação dói. Mas uma imigração selectiva há-de trazer gente, culturas, saberes e novas oportunidades para a nossa Terra. A nossa Região é o diamante por lapidar que os turistas espreitam. Muita gente virá à procura dos nossos silêncios, no encantamento da nossa paisagem, na singularidade da nossa gastronomia e as nossas aldeias de novo se animarão.
Os nossos antepassados resistiram. Nós vamos resistir porque aqui, verdadeiramente, começa Portugal.

Fernando Calado
nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

1 comentário:

  1. Se Portugal começa aí, permita-me que lhe faça uma pergunta. Onde se encontra o MARCO N°1? Gostaria de ver uma foto desse MARCO. Obrigado.

    ResponderEliminar