sábado, 16 de maio de 2015

Albardeiro – Uma Profissão em Extinção

Foto: Carla A. Gonçalves
Na sua oficina Carlos Almeida leva já 35 anos de trabalho como albardeiro, mas foi a construção, com um colega, da maior sela do mundo que o tornou conhecido em todo o país e divulgou uma arte regional em vias de desaparecer
Na vila da Torre de D. Chama não há quem não conheça o “albardeiro” Carlos Almeida. Juntamente com outro colega de profissão, Carlos fez a maior sela do mundo, respondendo assim a um desafio da presidente da Junta de Freguesia. É, por isso, com facilidade que damos com a sua casa, situada numa rua chamada Alegria. A perspectiva de vir a ser reconhecido, com o colega, em todo o mundo não parece ter mudado a vida do “albardeiro” que tanta atenção tem despertado junto dos media regionais e nacionais. Em mais um dia como os outros, fomos encontrar Carlos Almeida na sua “oficina”, com as portas abertas, para deixar entrar o sol, sentado num pequeno banco de madeira, a finalizar uma nova albarda, uma “encomenda especial”, diferente das típicas albardas, que será revendida num outro local qualquer. Há 35 anos que a vida de Carlos Almeida é levada a fazer albardas, molidas, selas e tudo aquilo que é feito em couro e que serve para os animais de trabalho.
A arte, hoje em vias de extinção, aprendeu-a com um “mestre” ainda era criança, nas férias do Verão. “Fiz a quarta classe e os meus pais mandaram-me para um artesão, aqui na Torre. Estive lá nos três meses de férias e iniciei logo a arte. Depois do quinto ano comecei a trabalhar até aos dias de hoje”, recorda. Na altura, ser albardeiro era ter uma profissão de futuro. Os agricultores procuravam estes “mestres” para assim “equiparem” os animais.
As albardas eram usadas para as pessoas se deslocarem aos terrenos, para carregar lenha, levar cargas, permitindo que as pessoas fossem instaladas de modo mais confortável. As selas eram “uma peça mais cara” que as pessoas usavam “só para montar a cavalo”. “A albarda era usado no trabalho agrícola.
A sela era usada, por exemplo, pelos padres para se deslocarem às aldeias a cavalo”, explicou o artesão. Depois havia ainda os arreios, colares ou as molidas para bois. Num canto da oficina, Carlos mostra uma molida. “Está aí há quase quatro anos e já deve ficar toda a vida porque não há quem procure um par de molidas para os bois”, lamenta. As molidas eram usadas para os bois trabalharem na lavoura. “Os bois eram jungidos com um jugo de madeira e as molidas eram usadas para que a madeira não ficasse assente sobre o animal. Agora não se vende porque não há quem trabalhe com animais na terra”.
A mecanização da agricultura veio praticamente acabar com a profissão. “Agora estou a fazer uma albarda e durante o ano faço cerca de cem. Mas cem albardas, há 20 anos, vendiam-se numa feira”, aponta. Apesar de ainda ter algumas encomendas, como aquela em que se encontra a trabalhar, explica que são peças para revenda, “nem sei onde são comercializadas”, confessa.
Memórias de outros tempos:
Remexendo nas memórias, Carlos recorda um tempo em que a vila da Torre de D. Chama, que foi concelho até 1855, era como que um “centro” económico do distrito, rica em agricultura e em mestres artesãos que abasteciam as aldeias de Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Vinhais. Quando Carlos Almeida se estabeleceu por conta própria, “há 23 anos atrás”, havia seis albardeiros com casa aberta, que faziam concorrência entre si. “Eram muitos. Se um vendia por dez, outro vendia por sete e outro por seis para assim vender mais que os outros”. Mas nesses tempos, em que a agricultura ainda era das principais actividades económicas do distrito, os “albardeiros” corriam a região de Trás-os-Montes e Alto Douro para vender as peças nas principais feiras. Carlos chegou mesmo a vender na feira de Mirandela, na de Bragança, na principal feira de Chaves, a 31 de Outubro, na de Vila Real, a 13 de Junho, “uma feira com muita fama e vendia-se muito”. Hoje em dia, é com tristeza que o artesão confessa já só fazer duas feiras, a da aldeia de Rebordelo, em Vinhais, e a de Podence, em Macedo de Cavaleiros. “Em Podence ainda se vai vendendo mas nada daquilo que era para antigamente”.
Maior sela do mundo foi "a maior complicação":
Torre de D. Chama (Mirandela)
tem a maior sela/albarda do mundo
 Ainda assim, Carlos vai resistindo e embora já só ele e outro colega se dediquem à profissão, continua a investir e a comprar a pele que dá ser às albardas e outros utensílios agrícolas. Na sua oficina tudo é feito à mão. “Para mim não é complicado porque são muitos anos, mas para quem queira fazer assim à primeira vista é muito complicado”. Além da pele de vaca que compra a viajantes que vêm do Porto ou de Guimarães, para que as albardas sejam feitas nos “conformes”, o artesão tem de cultivar palha centeia que depois sega à mão. “Tenho que ser eu a semear e a segar à mão porque a palha segada com a máquina não serve, tem de ser palha inteira. Dá trabalho, mas tem que ser”. Depois de cortar o pano e de lhe “dar o talho que lhe pertence”, a albarda é forrada com a palha. É um trabalho em que o artesão tem de coser à máquina e à mão, com agulhas que obrigam a usar uma espécie de luva de cabedal e ferro. Mas se para uma albarda normal o processo é “simples”, para a maior sela do mundo, o trabalho que Carlos Almeida elege como o mais importante de toda a vida, foi também a “maior complicação”. Contabilizadas 50 horas para cada um dos artesãos, Carlos lembra que tiveram que trabalhar às noites, com ferramentas que não eram próprias. “A agulha com que se trabalha para uma albarda normal tem cerca de 18 centímetros.
Para a maior sela do mundo tivemos que inventar uma agulha três vezes maior”. Depois encher a sela com a palha foi a “maior complicação”. “Uma albarda tem cerca de 80 centímetros. A sela tinha três metros de comprimento”, apontou. Ao fim de “muitas noites sem dormir e muitas dores de cabeça”, o artesão considera que valeu a pena.
A profissão voltou a ser recordada por muitos que julgavam talvez nem existir. Mas mesmo assim, isso só por si não chega.
Carlos recorda que hoje em dia as albardas que fabrica para revenda são pagas a preços que não compensam o trabalho e que depois chegam às mãos do lavrador a preços exorbitantes. “Nós é que temos o trabalho todo e acabamos por não ganhar a jeira”, aponta, esclarecendo que há albardas e molidas que são vendidas a 25 euros. “Os revendedores habituaram-se a este sistema de compra aqui na Torre. Se um vende por um preço, o outro faz mais barato. Só somos dois e podíamos vender melhor”. Motivos que levam o “albardeiro”, o único que na sua família seguiu a profissão, a encarar o futuro com pessimismo. A profissão, na sua perspectiva, terá mesmo tendência para acabar, “é uma pena mas isto não dá saída e não é futuro nenhum continuar”.

Por: Carla A. Gonçalves

1 comentário:

  1. Boas Noites

    Gostaria de ter o contacto deste Sr pois estou interessado em adquirir diversas albardas e arreios.

    mt ob

    luismartins85@hotmail.com

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