sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Apeteceu-me escrever Sexta-feira à noite...porque noutros tempos ia para a noite onde se encontravam todas as certezas.

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Quando regressares estarei mais velho depois de tantos caminhos ter percorrido sem me encontrar neste deserto onde não há guarida, nem um sítio abrigado para descansar os cansaços.
Perdi o sono nesta sexta-feira à noite e tu repousas nos abraços doutras terras, doutros sítios…e repetes de novo as frases que mil vezes te ouvi e que eu um dia acreditei que eram únicas e intemporais.
Sempre que regressas já não me encontras…pois tremendamente envelheço sempre…cada vez mais…em cada partida…quase na razão directa do quadrado dos tempos.
Acho que capitulei…hoje, sexta-feira à noite.
E perdi a batalha onde pelejei para que a Terra continuasse a girar à volta do Sol…
Capitulamos Galileu…hoje sexta-feira à noite…e o coro dos gloriosos, triunfantes, juram que o Sol, todos os dias, nasce perto da sua casa e caminha sem pressa para um poente luminoso sem magoas, nem tristezas…
…Eles é que têm razão Galileu Galilei…
E eu juro que já não tenho forças para abraçar as causas!
O conhecimento traiu o Filósofo quase à beira do primeiro porquê.
E eu também capitulei…hoje sexta-feira à noite…e senti uma vontade imensa de seguir o sol que nasce na minha casa e meigamente se põe na Senhora da Serra e ficar embalando a Terra que há milhões de anos repousa serenamente, sem se mexer, no mesmo lugar.
E quase todas as mulheres e homens da minha aldeia sabem isso…e acho que são felizes…
…erramos Galileu!
Por isso, tenho vontade de comprar lombadas de livros e enfeitar as estantes…e ser feliz à beira da ignorância mais tranquila…
Ouvi dizer que pensar incomoda como andar à chuva…por isso sinto os ossos a doer…mas quase feliz por ter capitulado…sexta-feira à noite.
Verdadeiramente capitulei…e na verdade estava quase à beira do conhecimento.
Sinto que o anjo de todas as partidas e das breves chegadas anda por perto.
Já ouço os silêncios e o regresso dos que partiram para casa do infinito…
Quando ouvimos os silêncios é porque as vozes se calaram e os sorrisos se perderam no horizonte onde se inventavam searas…e frutos maduros prenhes de sol.
Sexta-feira 03.45 quando virá o sol…e será Sábado…
Mas acho que o Sábado também é uma invenção para afrontar a Sexta-Feira onde morremos todas as semanas, mais um pouco…antes de regressar à casa onde se repousa de todos os cansaços.


Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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