sexta-feira, 15 de maio de 2015

A Arte de Compor "o Tempo" - Sr. João Sousa

Foto: AP
Por: Ana Preto

Pode não chegar a desaparecer a arte de consertar relógios, num mundo do usa e deita fora. Contudo, aqueles que a conhecem, em todo o pormenor, podem tornar-se mais difíceis de encontrar, em todos os lugares
Num país onde todos os relógios de uso pessoal, até ao dia de hoje, são importados, existe quem conhece as técnicas de compor o mais caro e precioso objecto de medir o tempo, como o mais barato, deixando tudo, verdadeiramente, a funcionar como “um relógio”.
Dos relógios de sol, ao relógio atómico, medir o tempo sempre foi uma das grandes preocupações da humanidade. Além de medir o tempo, o relógio é ainda um dos modos de “medição” do status social de determinada pessoa. Até há algumas décadas atrás, ter um relógio significava também atingir a idade adulta. Normalmente os jovens compravam um relógio quando iam para a tropa e, se não tivessem muitas posses, esse acompanhá-los-ia vários anos, com necessárias reparações, pelas mãos de relojoeiros que aprendiam a arte de pequenos, mal terminada a escola primária.
Em Bragança João Sousa, o fundador e proprietário de uma das mais antigas relojoarias/ourivesarias da cidade, acompanhou esta “mudança” dos tempos ou, mais precisamente, estas mais recentes mudanças dos instrumento usado para medir o tempo. Explica-nos, porque é muito exigente na precisão, que há outras ourivesarias mais antigas. A dele é a mais antiga é a única que há 47 anos se mantém gerida pelo mesmo dono e fundador. Desde essa altura, “muitas coisas mudaram no trabalho profissional, como eu faço, como relojoeiro, porque a relojoaria mudou, está diferente do que era antigamente. Antigamente era só o relógio mecânico. Depois, apareceu o relógio eléctrico, depois o relógio de quartzo e hoje são mais os relógios de quartzo do que mecânicos”, conta-nos, referindo que 90 a 95 por cento dos relógios que conserta são de quartzo.
No entanto, há ainda pessoas que, por razões de gosto pessoal, para coleccionar, compram relógios mecânicos que, por norma são mais caros. Já os relógios de quartzo há para todos os preços. Os mais baratos, de criança podem custar apenas cinco ou sete euros.
João Sousa tem um especial apreço pelos relógios mecânicos. “O mecânico é o autêntico relógio. O de quartzo é um indicador de horas. Chame-se relógio por ter o feitio de um relógio”. Embora existam substâncias diferenças de qualidade entre os vários relógios, quer mecânicos, quer de quartzo, actualmente o relojoeiro refere que o que as pessoas valorizam é o modelo, a estética, e não avaliam as peças “pelo calibre”. “É mais um modelo, é mais um relógio... Hoje há pessoas que têm 10 e 12 relógios e antigamente uma pessoas só tinha um relógio. Quando o comprava já tinha idade para comprar um relógio. É uma coisa que só compravam quando iam à tropa. Nenhuma criança tinha, nenhum adolescente tinha. Hoje qualquer criança tem dois ou três relógios, de quartzo”, salienta.
Pedimos-lhe que nos explique afinal o que é o calibre e João faz uma comparação entre relógios e automóveis, para exemplificar. “O calibre é como um motor de um automóvel. Pode ser 1300, ser 1400, ser 1600, 2 mil e tal... É isso. Em relógios diz-se calibre”.
O especialista sublinhou que são, exactamente, os suíços os que melhor aperfeiçoaram a arte, quer na construção de relógios mecânicos, quer de quartzo. “Independentemente das marcas, algumas já acabaram, outras mantém-se mas têm relógio de quartzo (lá vão tendo um relógio mecânico, quando é um aniversário da marca, fabricam uma série numerada), mas memo no de quartzo a qualidade é boa”. Quanto ao relógios de parede, “o melhor é o alemão”. A França também tem fabrico e “agora há o relógio japonês, que é bonzinho”. Quanto aos relógios chineses não hesita em dizer que são só “imitação de marcas, não sei como é que conseguem isso”, questiona.
Em Portugal nunca ninguém fez um único relógio de uso pessoal, de pulso ou de bolso, que se saiba. Só houve, em tempos, relojoaria grossa, de parede e de torre, que já não existe.
As pessoas ainda mandam consertar relógios:
Não sente que haja uma redução dos pedidos de conserto de relógios, mas também não aceita todos os trabalhos, porque já tem 81 anos e não pode, por razões de saúde, dedicar tanto tempo a uma arte que exige concentração e uma postura de costas que já não pode manter durante longos períodos, como antes fazia. “É preciso contar com as idades e embora eu esteja bem, vejo bem, simplesmente não posso estar tanto tempo à banca, tanto tempo cabisbaixo, e temos que olhar pela saúde”.
O trabalho exige muita minúcia, muita paciência e muito saber. “Não sabendo só se faz asneira. É preciso ter conhecimento técnico, a sério, para se fazer os trabalhos”. A técnica para compor relógios mecânicos e de quartzo é diferente, mas conhecendo a técnica, “para o relojoeiro não faz diferença”. No entanto, referiu que a arte de consertar relógios mecânicos é mais difícil de aprender.
Relativamente ao futuro da relojoaria, João Sousa referiu que realmente já não há muitos relojoeiros. “No entanto a parte de quartzo não é preciso ser grande técnico. Basta aprender a mudar uns módulos, umas coisinhas, porque o relógio de quartzo mudam-se os módulos e está a trabalhar outra vez. O relógio mecânico não”. Além disso, “hoje já não se trabalha como antigamente. Antigamente torneavam-se peças, metiam-se dentes nas rodas, porque não havia acessórios, como há hoje, tínhamos que fazer as peças”. Para este relojoeiro, que aprendeu a trabalhar com o pai a partir dos onze anos, ou seja há 70 anos, para atingir a perfeição é preciso aprender desde muito cedo, sobretudo quando se trata de compor qualquer tipo de relógio.
“Hoje é um bocado difícil, porque para aprender tem que ser de garoto. Tem que ser a partir dos 11 anos, sair da escola, começar a aprender e para aprender estava dois ou três anos que não recebia nada”. Actualmente isso seria considerado trabalho infantil, não permitido por lei. Além da prática, o relojoeiro recomenda também o estudo e um curso que permita obter conhecimentos na área comercial. Foi esse o seu percurso. “Se estudar algumas coisas tanto melhor, porque há livros de relojoaria, mesmo para aprendizagem”.
João tirou um curso comercial à noite, pois nunca deixou de trabalhar, que lhe permitiu obter conhecimentos para gerir o negócio. Hoje, parte desses conhecimentos não são tão necessários, pois a contabilidade, desde há uns anos, é feita por empresa externa. No início não era assim.
Chegou a Bragança porque queria conhecer Portugal:
João Sousa não nasceu em Bragança. Esta é a sua segunda terra, aquela em que vive desde os 22 anos, e que o acolheu “muito bem”. A sua primeira terra é Idanha-a-Nova, concelho de Castelo Branco. Foi nessa terra que aprendeu com o pai, que tinha também uma ourivesaria, os segredo da arte de compor relógios, além de peças de joalharia.
Veio a Bragança numa das suas muitas viagens para conhecer o mundo. Começou por conhecer o país inteiro e só lhe faltava este cantinho do Nordeste Transmontano. Aos 22 anos ficou a residir nesta cidade. Foi convidado pela ourivesaria Alcino e Pinto, que já não existe, para trabalhar. Aí esteve 13 anos e meio, até se estabelecer por conta própria.
O gosto pelo conhecimento do mundo inteiro, nunca o perdeu e, apesar de fixado aqui, continua a viajar, sempre que pode. “Hoje conheço tudo. Conheço Portugal inteiro e o estrangeiro”. Desde que vive nesta cidade, Bragança mudou muito, como de resto todas as terras do país. “Bragança mudou muito e cresceu, como qualquer localidade em Portugal. Houve um desenvolvimento muito grande das cidades, das vilas e das aldeias. Muitas cidades tornaram-se industrias. Bragança tem pouca indústria. Tem mais comercio, mas cá vai indo”.
Sente que bem as alturas em que a cidade está mais movimentada, em que os muitos migrantes, emigrantes e eventuais turistas enchem um pouco mais as ruas, como acontece no Natal, na Páscoa e, sobretudo, no mês de Agosto. “Quando estamos sujeitos à população de Bragança, já se sabe que é pequena... Agora quando há uma população flutuante nos meses de Verão, sempre se vendem objectos. Há clientes que aparecem aqui de Lisboa, sem falar nos emigrantes! Nota-se muita diferença”. Sobre a crise, João Sousa refere que realmente sentiu uma diminuição das vendas, no último ano, porque “não há dinheiro”.

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