Foto: Carla A. Gonçalves |
“Quando tem água bebe vinho, quando não tem água bebe água”.
Assim se contava antigamente da profissão de moleiro, dito justificado no leito de água que fazia o moinho trabalhar, que quando secava não permitia que o grão passasse a pó e deixava o moleiro sem rendimento. Os moinhos, engenhos hídricos introduzidos por romanos e árabes em diferentes períodos na Península Ibérica, proliferaram em Trás-os-Montes, utilizados na moagem do cereal. Actualmente, as pequenas construções do nordeste transmontano encontram-se maioritariamente em ruínas, sendo escassos os que ainda funcionam, de que é exemplo o moinho de rodízio, na aldeia de Frieira, concelho de Bragança.
Inicialmente propriedade de famílias de Frieira, Sanceriz e Izeda, denominados de “herdeiros”, a partir da década de 60 passa a “moinho do povo” e ainda hoje alguns populares utilizam o engenho para moagem de cereais, principalmente para alimentar os animais que criam. Situado à beira da ribeira Vale de Moinhos, assim denominada devido ao número de construções que existia na aldeia, com a ponte medieval no horizonte, o moinho de Frieira emerge de cara lavada, pois o antigo edifício foi objecto de recuperação em 2005. A acompanhar, um e outro habitante que vai usufruindo dos primeiros raios de sol de Março. “Antigamente vinha muita gente aqui moer, de Izeda e assim, os herdeiros. Vinham com carradas de sacos e traziam os criados. Estavam aqui aos dois dias seguidos a moer. E, às vezes, os de Morais estavam cá às semanas, porque moíam para todo o ano. E não dava muito trabalho, porque é só botar a pedra a andar e ela roda e mói. A água é que faz tudo”, lembra Ana Maria Branco, que vai conversando com as vizinhas que acenam que sim, que dantes era outro movimento numa terra que “quase não vê ninguém e só tem meia dúzia de velhos”.
Maria de Jesus Martins vai contando que “o moinho estava sempre aberto, pois tinha sempre gente. Muitos faziam fogueiras, levavam merendas e vinho e dormiam lá toda a noite. Nunca parava e eram uns atrás dos outros. Faziam farinha para todo o ano, que depois guardavam em arcas de madeira e iam cozendo conforme precisassem”. Apesar de o rodízio (roda de madeira com as palhetas em forma de concha que se movimenta com a força da água, fazendo rodar as pedras que moem) hoje em dia rodar pouco, ainda há quem utilize o engenho para moer o cereal, seja por hábitos antigos, por gosto ou seja por questões economicistas, uma vez que, como explicou Maria Augusta, “o pão do padeiro é caro”. Com um olhar azul profundo, orgulha-se de ainda fazer o pão à moda antiga: “eu ainda cozo o meu pão. Sai moreno, mas sabe bem, pois é sumento. O meu pão dura uma semana e nem seca nem apodrece. O do padeiro põe-se logo duro e áspero. Moer, moo pouco, pois não tenho que moer, mas ainda há quem moa para as galinhas e animais”.
Ao lado, Maria do Céu Rodrigues corrobora e sublinha que “o pão à moda antiga é muito melhor. Mesmo comprando a farinha. E rende mais um pão que nós cozemos do que três dos comprados. Esses, em tirando duas ou três torradas vai-se embora”. Acrescenta, satisfeita, que “agora a gente com as arcas mete-os lá, congela e depois vai comendo. Tenho um filho em Torres Novas que quando cá vem cozo-lhe uma fornada de pão para levar, que ele não compra pão. Até porque o pão comprado leva muito fermento”. Na mesa de granito à sombra, Cândido Ramos elogia o pão das senhoras, adiantando ser o único que consome: “eu só como o pão cozido pelas mulheres daqui e não do padeiro. Mas a maioria já compra a farinha e não mói, porque fica mais barato e não dá trabalho. Agora o pão é melhor e dura mais e não é como o do padeiro que vai embora de repente”.
(Rodízio de Moinho de Água)
Desde que apareceram as indústrias das moagens, os moinhos movidos a água quase deixaram de funcionar. E também não há pessoas suficientes para dar uso aos moinhos”, concluiu, com saudades do moinho dos avós e pais, “o dos Américos”, como era conhecido. De regresso aos bancos de granito junto à ribeira, as mulheres continuam sentadas, partilhando histórias e memórias. Lamentam não haver moinho, mas sobretudo a falta de “gente que animava a terra, que era tanta que marcava vaga e dormia por aqui”.
Por: Aida Sofia Lima
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