sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Morais - Macedo de Cavaleiros - O “umbigo” do mundo

“Diques”, junto ao rio Azibo, são o “código de barras” que comprovam a presença de crosta oceânica Na pequena aldeia de Morais é possível identificar testemunhos da colisão entre dois antigos supercontinentes e do oceano Rheic, o “pai do Atlântico”.
Foto: Carla A. Gonçalves
 Chamar à pequena aldeia de Morais, no concelho de Macedo de Cavaleiros, o “umbigo do mundo”, poderá soar como algo disparatado, no mínimo, ficção cientifica. Mas, por muito estranho e difícil que seja de compreender, a expressão tenta transmitir, de uma forma simples, um processo de colisão de massas que originou uma cadeia de montanhas, conhecida no mundo da ciência como sutura do Orógeno Varisco. Para compreender esta verdadeira revolta das entranhas da Terra é necessário recuar cerca de 400 milhões de anos atrás e ter em conta que o planeta era um lugar bem diferente daquele que actualmente conhecemos. Existiam apenas dois supercontinentes, Laurússia e Gondwana, e um oceano, o Rheic, conhecido entre os geólogos como “o pai do oceano Atlântico”. O supercontinente Gondwana compreendia então a América do Sul, África, Madagáscar, Índia, Austrália e Antárctida, enquanto que a Laurússia correspondia à América do Norte, Europa e Ásia do Norte. O único oceano que cobria o planeta azul era o Rheic. O choque entre esses dois continentes levou ao fecho do oceano Rheic e a uma nova reorganização dos continentes que não a que hoje conhecemos, pois, como um “puzzle”, sempre se separaram e juntaram por diversas vezes ao longo da história. Este episódio geológico, com milhões de anos, ficaria marcado para sempre nas rochas e pode “ler-se” ao longo do maciço de Morais, em Macedo de Cavaleiros. No entanto, para compreender essa “história” foram precisos muitos anos de trabalho, pesquisa e investigação. A conclusão a que os geólogos chegaram é que a pequena aldeia de Morais e a cadeia de montanhas que se estende até ao concelho de Vimioso e Mogadouro é o que, de uma forma metafórica, se pode chamar como “umbigo do mundo”. E se aos olhos dos leigos a paisagem nada mais é do que monte e rochas, já aos olhos dos cientistas observar o maciço de Morais é ver algo que dificilmente se encontra no mundo inteiro.
Viagem às profundezas do oceano.
“Mas quem esteve lá para ver e agora contar tudo isto?”. A esta questão encontrou o Mensageiro resposta aquando da participação na actividade “Geologia no Verão – Maciço de Morais”, promovida pela Câmara de Macedo de Cavaleiros e pelo Centro de Ciência Viva. Às oito da manhã, no dia 23 de Agosto, junto ao centro cultural da cidade, cerca de 20 pessoas, vindas de diversos pontos do país, de diferentes idades e com diferentes percursos académicos, aguardavam a chegada dos responsáveis da acção para obter uma resposta à pergunta anteriormente formulada. Os geólogos, Eurico Pereira e António Pinto, e o biólogo Pedro Teiga deram as boas-vindas e, enquanto iam avançando com as explicações teóricas, deu-se início à viagem de autocarro. Uma primeira paragem para conhecer melhor os elementos em causa e, depois, uma outra junto ao santuário de S. Ambrósio. Em diversas paragens, os cientistas vão apontando elementos que comprovam a existência de dois antigos continentes e de um oceano. Algumas das rochas observadas, que à primeira vista parecem xisto, são na verdade rochas vulcânicas xistificadas, que passaram por um processo metamórfico encontrando-se completamente deformadas. Para melhor compreendermos, os especialistas compararam este processo ao do fabrico de massa folhada. Ou seja, “apertou, esticou, foi ao forno e expandiu”, tal como as rochas. Entre a aldeia de Junqueira e Talhas, por exemplo, a presença de rochas basálticas não deixa margens para dúvidas: é um sinal de ruptura com a crosta oceânica. E são sinais de que o continente está em permanente ruptura, permitindo a subida à superfície de elementos que se encontravam a grande profundidade. Santulhão, no concelho de Vimioso, seria a margem do supercontinente Godwana. Daqui para a frente a viagem é como um “mergulho no oceano”.
Estes processos de movimentação, colisão e ruptura ficam marcados nas rochas em linhas e marcas que permitem ver direcções de transporte. “Há aqui materiais que vieram a navegar de locais que ficam a mais de 200 quilómetros”, vão confirmando os cientistas. E se as rochas permitem leituras que não deixam marcas para dúvidas, também a nível biológico há provas bem marcadas de todo este processo. A presença de materiais com excedentes de níquel, ferro e crómio, gera solos inóspitos. As plantas que rareiam indicam isso mesmo e ajudam os geólogos a compreender melhor a “história” deste episódio.
Os critérios de identificação podem ser microscópicos, mas estão lá. Outro dos critérios que permite aferir e confirmar estas afirmações assenta na comparação com outros locais do mundo. E é através destas que os especialistas afirmam que, no mundo inteiro, existiram apenas uns cinco ou seis locais idênticos a este.
Morais, o “epicentro” da colisão.
Morais, pequena aldeia de gente trabalhadora, poderá ser chamada o “epicentro” de todo o processo. Assente sobre a falha que dividiu o maciço em dois, aqui é possível observar, a norte, a parca vegetação, o “monte maldito”, sinais que indicam que estamos na presença de crosta oceânica. Já a sul, é visualmente evidente que estamos na presença de um outro continente, extremamente produtivo, com uma vegetação rica, solos férteis, típicos do mediterrânico. A todos estes indícios juntam-se outros, no decorrer da viagem, que confirmam a veracidade da história geológica, por muito difícil que seja, aos olhos de um leigo, imaginar que aquela paisagem tenha sido diferente.
Prosseguindo até Balsamão, junto ao rio Azibo, por caminhos difíceis e sinuosos, é possível encontrar o que os geólogos chamam de “Bilhete de Identidade da crosta oceânica”, ou seja, o complexo de diques. Um dique é uma intrusão segundo uma fractura penetrante que atravessa camadas ou corpos rochosos pré-existentes, provocando uma deformação de origem tectónica. Inclusivamente, pode até haver rotação dos estratos atravessados pelo dique, de tal forma que estes podem tornar-se horizontais, como nas margens do rio Azibo (fotografia acima). Segundo os geólogos, “podemos ter todos os sinais indicadores da presença de crosta oceânica, mas sem a presença de diques não há certezas. O complexo de diques é o código de barras que indica claramente a presença de crosta oceânica”.
Viagem ao “centro” da Terra.
Do rio Azibo até às margens da ribeira do Sabor, seca por esta altura do ano, encontramos uma das rochas mais bonitas do país, na opinião do geólogo Eurico Pereira. Ambos os especialistas contam com anos de experiência na área, em diversos locais do mundo, e confirmam que difícil será encontrar uma paisagem tão bela e tão rica, ao nível geológico e biológico. Num ponto alto podemos observar os testemunhos dos dois continentes e do oceano, ao mesmo tempo que uma panóplia de cheiros nos invade os sentidos, como se estivéssemos num “paraíso botânico”. Natural da região, Eurico Pereira, o mentor da carta geológica do concelho, não resiste a desfiar das memórias antigas recordações de criança. “Quando era criança e vínhamos até à ribeira, parava aqui a olhar maravilhado esta rocha”. A tal rocha, de um branco imponente, é um granito praticamente impenetrável que poderá ter estado a mais de 60 quilómetros de profundidade e que poderá ter cerca de 1100 milhões de anos, tendo em conta que apenas se conhecem cerca de 13 quilómetros da superfície terrestre, 60 quilómetros é uma distância quase astronómica. É notório o quão pouco sabemos sobre o que acontece debaixo dos nossos pés e isso poderá dever-se também à forma subalternizada como a Geologia é “tratada”, ou maltratada, em Portugal, perante outras ciências. Para os geólogos chegarem à conclusão que o maciço de Morais pode ser considerado uma “raridade geológica”, foram precisos anos e anos de muitos estudos. No entanto, o esforço não foi em vão.

Por: Carla A. Gonçalves

4 comentários:

  1. Puxa vida... tenho muito orgulho de ter nascido no UMBIGO DO MUNDO, Morais Macado de Cavaleiros

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  2. Meu nome é Teresa de Jesus Nunes, moro no Brasil a 57 anos, mas, não esqueço a terra em que nasci, Morais, e tenho muito orgulho disso, abraços

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  3. Nasci no umbigo do mundo e sinto que fui privilegiada com o facto de ter nascido e ter sido criada nessa aldeia de Morais onde pude contactar com a natureza, conhecer plantas e animais, ter corrido pelos montes e subido às amoreiras. Não vou lá tantas vezes como gostaria, mas será sempre a minha terra e onde tenho as minhas raízes...

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  4. Hà 20 anos atras conheci um rapaz de Morais que se chama Jorge, na época ele foi para França e nao tive mais novidades dele, gostava de falar com ele, se auguem me puder dar informacoes agradeço, o meu nome é Zeza e o meu Facebook é Andre Ryan Serra

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