quinta-feira, 21 de maio de 2015

O "Último Alfaiate"

António Francisco Pires na sua alfaiataria, “O Jaleco” António Francisco Pires foi iniciado nas artes da alfaiataria quando tinha apenas 12 anos.
Foto: Ana Preto
Há alguns anos atrás havia alfaiates em diversas ruas da cidade de Bragança. Eram muitos, dizem-nos os que ainda lembram esses tempos em que a roupa que cada um vestia era mandada fazer numa destas lojas de corte e costura. 
Hoje, António Francisco Pires é um dos poucos alfaiates a trabalhar a tempo inteiro na arte que começou a aprender aos 12 anos. “Havia o Senhor Álvaro, o Laurindo, o Fonseca, que também era dos bons, o Canta, o Senhor Barros, o Senhor Paulino, o Senhor Amadeu, éramos muitos”, explicou o alfaiate. 
Actualmente, “no activo, em termos de Segurança Social, sou o único, porque os outros já são aposentados”. No início da década de 80, quando António Pires e um outro alfaiate se estabeleceram por conta própria, depois de anos de aprendizagem e trabalho numa alfaiataria da cidade, tinham ainda muito trabalho. Actualmente, António trabalha sozinho e, dado não ter muita concorrência, não se queixa da falta de afazeres, mas os tempos já não são como eram.
“Hoje os afazeres são muito menores, apesar de eu ainda ter algumas coisas. Há alturas fracas, mas neste momento, até tenho aí dois fatos quase prontos, outro ali começado, estou a fazer este colete e vou fazer mais dois”, explicou-nos, sem perder tempo, ou interromper o trabalho. 
Agora os clientes vão aparecendo, conforme as necessidades de cada um. Antes, na Páscoa, concentrava-se grande parte do trabalho. “A altura pior para o alfaiate, desde que me conheço, era sempre o Carnaval e a altura das vindimas, (Setembro, Outubro, Novembro). As melhor fase, noutros tempos, era sempre a Páscoa. Passávamos semanas inteirinhas só a passar fatos a ferro. Agora é quando as pessoas necessitam ou quando querem”. Antes faziam fatos para todas as pessoas, porque havia essa tradição de usar fato, nas festas e ao Domingo, incluindo as rapazes mais novos. Actualmente o fato é ainda obrigatório, em certas profissões, mas tirando isso, a maioria das pessoas não usa fato. “Antigamente ao Domingo na cidade e nas aldeias, era um dia de festa e vestia-se o fatinho.
Pessoas, de qualquer classe social, andavam com o fato ao Domingo. Hoje não, anda-se como em qualquer dia”. 
Entre os que são obrigados a usar fato no trabalho e os que o usam em ocasiões especiais, como o casamento, há muitos que optam pelo pronto-a-vestir. Se o traje ficou mais barato, talvez não se evite a passagem pelo alfaiate, para arranjos de “última hora”. “A pessoa que sabe o que é um fato feito por medida, sabe da qualidade e da relação preço qualidade, vem ao alfaiate”. 
A diferença de preço pode ser enorme, havendo fatos no pronto-a-vestir muito mais baratos do que um fato de alfaiate, mas também os há a preços muito superiores, no caso dos fatos de marca. António contou-nos que faz fatos à “maneira antiga”, que duram uma vida. “Eu faço um fato à maneira antiga, com as entretelas, as bandas chumaçadas à mão...” As técnicas do pronto-a-vestir também podem usadas numa alfaiataria, o que baixa a qualidade do produto final. 
Uma dessas técnicas é o uso de uma cola (ou tela colante) para aplicação da entretela. A cola, mais tarde ou mais cedo, começa a deslocar e aprecem uma “bolinhas” no fato. “Estes fatos assim, a preços módicos, meia dúzia de euros, vão a lavar uma vez ou duas e adeus fato. Este pode-o lavar e dura 20, 30 anos, ou mais. Conheço clientes que lhe faço fatos há 20 anos e me dizem que ainda os têm todos, impecáveis”.
Os clientes de António são, na sua maioria, clientes habituais, com ficha na casa, há muitos anos. Nem todos os clientes são homens, porque, apesar de não fazer vestidos, o alfaiate também faz fatos para senhora, com saia e casaco, coletes e outras peças próprias da alfaiataria tradicional. “Já fiz togas para advogados, capotes à alentejana, samarras, quase tudo, menos vestidos. Vestidos não faço”. A casa de António fica no Loreto e chama-se “O Jaleco”, sinónimo de colete. “Tão simples como isto. Jaleco, ou jaleca, é um colete.”
Um conhecimento que se perde:
António já teve aprendizes, mas nenhum seguiu a profissão. Por isso teme que este conhecimento detalhado das costuras se perca, irremediavelmente. “Tenho imensa pena. Isto vai acabar, obviamente. Não há aprendizagem para alfaiataria pelo menos no mundo desenvolvido. Há nos países mais pobres, que se vão dedicando ainda a trabalhar coisas à mão, mas no mundo desenvolvido só há alta-costura e a costura do dia-a-dia do alfaiate acaba e é uma pena porque vai fazer sempre falta. 
É um conhecimento que se perde”. Este é um conhecimento feito de experiência, mas não só. “É preciso prática, mas também é preciso saber. Não basta a prática, porque surge uma situação diferente e é preciso ter a capacidade de a resolver. 
Às vezes não se tem imaginação: ah, o que é que vou fazer aqui? Nada! Mas, com um bocadinho de imaginação e jeito conseguimos fazer muitos milagres, como eu digo que faço”. Os “milagres” são resolver costuras mal feitas e aparentemente irremediáveis. António aconselha a profissão a quem tenha vocação e gosto. “Apesar de ter diminuído, e de eu dizer há muito tempo que esta arte é mal paga, mas havendo que fazer continuamente sobrevivesse bem, vive-se normal... Ninguém enriquece a trabalhar à mão, nem nunca vi nenhum alfaiate rico, mas vive-se, havendo trabalho”.
A criação de um alfaiate Após terminada a escola primária, António teve que arranjar um ofício. 
A primeira coisa que lhe ocorreu foi ser carpinteiro, mas os pais aconselharam-no a seguir outra arte, devido ao físico franzino que tinha então. “Não me aconselharam a ir para carpinteiro e disseram-me: olha porque não vais para alfaiate, tu tens jeitinho para tudo, vai para alfaiate que é mais acolhedor”. O rapaz aceitou os bons conselhos paternos e no dia a 21 de Dezembro de 1965 entrou como aprendiz na oficina do Senhor Garrido, “que era a alfaiataria mais famosa da cidade, na altura”. Vinha todos os dias da sua aldeia, a pé, com um conjunto de outros jovens da terra (alguns também vinham trabalhar e outros estudar) para Bragança. 
Na oficina do Senhor Garrido permaneceu durante 17 anos e, em 1982, justamente com um sócio, estabeleceu-se com alfaiataria própria. Entretanto havia aprendido uma arte acerca da qual não tinha nenhum conhecimento anterior. “Quando fui a aprender era novato e na altura tinha que se começar do nada.
A primeira coisa que fiz foi andar com o dedo preso ( porque o nosso dedal é furado, o das costureiras não) cerca de meio ano e aprender a dar pontinhos à mão, num pano, para adedalar”. Só depois passou a fazer “casinhas” com uma linha num pano. A seguir aprendeu a trabalhar à máquina, ainda sem linha. Antes de coser, o aprendiz de costura teve que aprender a dar ao pedal, o que não é tão simples como pode parecer a quem nunca experimentou. A máquina tem que andar sempre para a frente, e quem não sabe, dá ao pedal para um lado e o outro e a máquina anda para a frente e para trás.
Hoje as máquinas de costura são eléctricas, o que, segundo António, requer também uma adaptação, nem sempre fácil. “A primeira semana foi muito difícil, a mais pequena linha que picasse ali por baixo já encravava e eu dizia mal da máquina e da minha vida. Mas depois fui-me adaptando e desde então nunca mais trabalhei nas manuais.
 Estão ali duas, funcionam, só que eu sozinho chega-me esta”, explicou, acrescentado que a máquina eléctrica, na altura, em 1990, custou-lhe 230 contos, “um dinheirão”. Muito antes de aprender a coser na máquina eléctrica, antes de terminar a década de 60, aprendeu a coser direito, sobre um papel com linha riscada a esferográfica. 
Depois começou por ser ajudante de calças. “Ajudava a abrir as costuras, a virar os passadores, marcar os bolsos, etc”. 
A seguir passou a fazer calças e só depois de muita prática é que passou para os casacos e coletes, as peças mais difíceis, sobretudo a parte da gola e das mangas. Começou por fazer as entretelas, os peitos, fechar os bolsos e só mais tarde para o trabalho completo, que hoje realiza com arte e muito esmero, para que dure e sobreviva, talvez, ao conhecimento que o tornou possível.

Por: Ana Preto

1 comentário:

  1. Na rua direita,em 1945,ficava a alfaiataria do sr carolino. Nessa epoca com 10 anos de idade e durante mais 2, aprendi a enxuliar, pregar botoes, bainhas das calças até faze-las. Isto passados oitentas, tenho comigo dedal, e outros... Faço as bainhas às calças,prego botões,etc. Lembro-me certa vez, de manha cedo, à porta da alfaiataria, ao acender o ferro de engomar, (na altura ferro de passar) andando umas carvoeiras com os burricos carregados com sacos de carvão para venda, ao serem assediadas por um rapazola, bem posto ( nesse tempo, todo o homem usava fato e gravata),respingaram- lhe: MISERAVEL... EMPREGADO... (O trabalhador por conta de outrem ou funcionario publico, nessa altura eram pouco considerados.E, era assim...

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