sábado, 23 de maio de 2015

As Pontes da Terra Fria Transmontana

Ponte dos Mineiros: Paulo Rodrigues
Sobre as pontes da Terra Fria, as notícias conhecidas são avaras na disponibilização de informação. E, como nem tudo o que luz é ouro, ou seja, sob pena de muito errar, o estudioso não deve ser apressado na catalogação estilística. 
Onde não as havia e a passagem convinha, as barcas prestavam serviços inestimáveis. Para facilitar o caminho entre Miranda e o ancoradouro da barca, mandou D. Toríbio Lopes, o primeiro bispo da diocese, fazer a calçada entre esta cidade e o Douro. Esta atitude pautava-se ainda pela crença de que os contributos para os melhoramentos das acessibilidades eram obras de piedade. Vem por isso a propósito a recordação de práticas medievais contidas em testamentos que dispunham certos legados para a construção de pontes, nomeadamente para as de Chaves e do rio Mente. Apesar do rio Rabaçal ser distinto do rio Mente, a discussão relativa à possibilidade da ponte do Mente, a que certos documentos aludem mesmo quando os horizontes já são modernos, corresponder à de Vale de Telhas, no Rabaçal, não é despiciente.
De tempos a tempos, as águas revoltosas incapacitavam as pontes e, outras vezes, quase eliminavam os seus vestígios. Quando assim era, apesar de haver populações isentas de contribuições para estes trabalhos, novamente o poder das necessidades exigia mais sacrifícios aos homens que, teimosamente, iniciavam nova reconstrução. Invariavelmente, procedimentos sucessivamente repetidos e que fundavam raízes em técnicas medievais guiavam os práticos. 
Para a catalogação das pontes, o conhecimento das técnicas e das potencialidades dos materiais é fundamental. Um exemplo: com a romanização difundiu-se a prática de consolidação da alvenaria dos pilares e do volume interior com materiais de origem piroclástica, a pozolana. Mas nas pontes construídas no período renascentista esta técnica deu lugar ao uso generalizado de cal hidráulica como ligante principal. Acrescente-se ainda que com este processo se obtinham estruturas demasiado rígidas, razão que determinava o aparecimento de problemas mecânicos, mormente quando os lumes eram formados por arcos apontados. Consequentemente, a necessidade de se anularem as descontinuidades inerentes a este tipo de arcos, fez com que o arco de meio ponto voltasse a merecer a preferência tanto dos construtores como das entidades promotoras da obra.
Rio Sabor-Ponte de Parada/Grijó: Paulo Rodrigues
Diversos factores caracterizam-se pelo desgaste que constantemente provocam nas pontes. Outros, só esporadicamente manifestam a violência das suas capacidades agressivas. Assim sendo, a estas construções associa-se quase sempre o problema da durabilidade. Em 1758, Francisco de Morais Sarmento, abade de Vinhais, referia-se à Ponte Nova, obra feita de pedra miúda e, provavelmente, de novo. O facto de, relativamente à vila, a situar a meia légua de distância faz-nos olhar para as margens do rio Tuela. Poderia ser a ponte da Arranca, equipada com cinco arcos de vão desigual, embora, não muito longe, se conheçam testemunhos da ponte de Cabrões, e, a jusante, a de Cidões continue a desempenhar o seu papel. Na mesma altura, o Abade de S. João Baptista, em Bragança, enumerava as pontes de pedra existentes junto à cidade, no Fervença, e ainda a de Castro de Avelãs. Igualmente nas redondezas desta urbe, mas no rio Sabor, apenas dava conta de «huma ponte de pedra sem ser de quantaria».
Esta passagem pode retirar antiguidade à Ponte Velha, principalmente aos observadores com tendência para, no afã de valorizarem excessivamente a ancestralidade de certas diacronias, esquecerem que a vida das sociedades é marcada por mutabilidades.
Em 1699, arrematava-se a ponte de Gralhós, no designado rio Zebres. Nela lançou Martinho da Veiga, que apresentou um projecto com apenas um arco. No entanto, em sinal de obra arrematada, entregar-se-ia o ramo, a António Dantas, de Brunhozinho, que propunha uma ponte com dois arcos, de pedra e cal.
Em Bragança e suas imediações, uma cheia ocorrida na primeira década do século XIX provocou grandes estragos em todas as pontes. Uma delas, a do Jorge, parece ter sido edificada no século XVI por Pero La Faya, mestre que trabalhou em Bragança na construção do mosteiro de freiras Claras, depois entregue aos Jesuítas, e, em Miranda, nas fundações da Sé. Uma outra, à vista do antigo mosteiro beneditino de Castro de Avelãs, a ponte de Ariães, com características para poder ser enquadrada numa tipologia românica, foi arrematada em 1701 por Bento de Morais.
Além das referidas, em 1758, havia ainda no rio Sabor uma «ponte de pao» no termo de Rabal, outra de pedra e madeira, no termo de Meixedo, outra «ponte de pau», em Gimonde, outra no termo de Parada, de alvenaria. e, perto das Quintas de Milhão, a ponte de Valbom. Nesta altura, nehuma informação refere a ponte de Palhares, que, em 1804, a enxurrada do Fervença também danificou.
Em data incerta, construir-se-ia na ribeira de Vila Nova, quase no seu encontro com o Sabor, uma ponte de pedra que servia as aldeias da margem do Sabor e, cruzando o pontão do Moínho dos Padres, cuja construção foi licenciada pela Câmara, a aldeia de Baçal.
A interessante povoação de Gimonde orgulha-se da monumentalidade da sua ponte de pedra a que a pátina da alvenaria empresta um certo ar vetusto. No entanto, no século XIX, em consequência da intervenção protagonizada por Francisco Pires, mestre Pedreiro de Conlelas, sofreu obras de alguma projecção. 
Na mesma centúria, em Setembro de 1830, a Câmara de Bragança levaria à praça pública a arrematação da ponte de Valbom, lançando, para este efeito, o imposto de um real sobre o arrátel de carne e o quartilho de vinho.
Empreendimentos de menor envergadura, também intervencionados no mesmo século, eram, nos arrabaldes de Bragança, a fonte e ponte de Vale d'Álvaro que a Câmara também justou e a ponte sobre o rio Contense, provavelmente de madeira, na estrada da Lombada.
Quando os percursos não tinham a categoria de estradas militares, a madeira era usada com frequência para vencerem os vãos, mais ou menos profundos, das linhas de água. Mais dois exemplos: em Miranda do Douro, no acesso principal à cidade, na zona da ponte, no século XVIII havia uma ponte de madeira; em Caçarelhos, a toponímia conservou o sítio da Ponte de Pau, respeitante à ribeira das Quintanas. Sendo certo que a madeira foi substituída pela pedra na construção destes pontões, um dos quais resiste a ser sufocado pelo cimento, continuam a dar serventia ao bairro e às hortas onde cegonhos, artefactos usadas desde o período neolítico, continuam, aqui e ali, a prestar bons serviços na rega.
Socorrendo-nos das palavras de clérigo Baltazar Ochoa, encomendado na matriz de Vimioso, em 1758, no termo desta vila existiam no rio Maçãs três pontes de cantaria: uma entre Pineoa e Argozelo, outra entre Vimioso e Carção e outra entre Algoso e Junqueira. Os moradores desta povoação, provavelmente, contribuíam com metade do necessário para as obras da ponte.
Nesta altura, a ponte de Sanjoanico estava afectada porque se numa parte se conservava a estrutura de cantaria na outra metade tinha-se recorrido ao emprego de madeira. A passagem era de «grande necessidade da republica» já que servia os destacamentos militares que se deslocavam de Bragança para Miranda. Das palavras de Baltazar Ochoa conclui-se ainda da presença de outra ponte sobre o rio Angueira e assinalada entre Vimioso e Caçarelhos, na «estrada rial»e de muita conveniência para todo o bispado e também para a tropa. Porém, uma tormenta ocorrida pelos anos de 1740 destruiu esta construção ao ponto de não deixar qualquer vestígio material. 
A mesma cheia «levou a metade (da) de Sam Joanico». Em consequência, acrescentava o clérigo informador, sofriam-se graves detrimentos, sendo, "serviço de Deus reedificar a do Angueira e reparar a de Sanjoanico que, actualmente, parece possuir muita antiguidade". Mais moderna, a do Angueira pauta-se pelo figurino da de Carção, de um só arco a arrancar à flor da água.
Com a ponte de Parada, a de Izeda/Santulhão era, em fins do século XVIII, considerada de elevado interesse táctico pelos militares na consideração das possibilidades que se ofereciam ao inimigo de progredir em direcção a Bragança. Nesta perspectiva, também a ponte do Penacal tem hoje saudades do protagonismo perdido. Havendo referências a esta passagem, datadas do século XVI, esteve activa até aos começos do século XX.
Pelo teor de algumas notícias, facilmente se conclui que o estudo aprofundado destas construções deve, sempre que possível, conjugar-se com a rede viária. Como sempre, a insuficiência de cabedais levava os homens da governança a alargar à área da comarca as possibilidades de cobrança dos quantitativos necessários. 
Das respostas de algumas vilas, ficamos a saber que as pontes de Vimioso e Sanjoanico, apesar de serem estratégicamente importantes, se encontravam «com amiaços de evidente ruina». Afectada pela cheia, a de Sanjoanico seria destruída na «maior parte della dos arcos para sima», razão que levou a ««justiça» a convocar os homens de várias povoações para a repararem «so com pedra e barro, sem assistencia de mestres por não haver posses para se refazer». Em 1774, a ruína da ponte de Sanjoanico continuava a dificultar o trânsito. Só depois de vários requerimentos é que se obteve licença para se arrematar a sua reedificação em praça pública. Por ter efectuado o lanço mais baixo, a obra foi entregue a José Gonçalves, mestre canteiro de Santa Maria de Âncora, igualmente responsável por muitas remodelações efectuadas nas igrejas paroquiais do bispado. 
No entanto, neste empreendimento, José Gonçalves seria unicamente a cabeça de uma sociedade em que também participavam os mestres João Fernandes e José Lourenço de Matos. Dificuldades várias condicionaram o início dos trabalhos, pelo que se dilataram até aos finais da década.
Em 1768, davam-se passos para a reedificação da ponte no rio Baceiro, em Castrelos, perto de Bragança. A sua importância advinha do facto de ser necessária à «estrada publica» para Chaves e outros lugares de Trás-os-Montes, Porto e Minho. Quanto ao seu estado de conservação, referia-se: «está ameaçando total ruina e já incapaz de se passar por ella sem goardas e sem arcos de maneira que para se poder passar foi precizo (...) por lhe huas traves e sobre ellas armalla de madeira cujo arteficio allem do perigo aos viandantes não he segura pellas enchentes do rio».
As informações conhecidas apresentam as razões de outras povoações cuja retórica quase sempre almejava a isenção de qualquer contribuição destinada à ponte de Castrelos. Se Algoso afirmava «haver quatro na circunferencia desta villa», algumas das quais precisavam de reforma, os representantes de Sanceriz declaravam que as duas pontes da ribeira desta vila se estavam «reteficando». 
Já no rio de Frieira, a ponte de pedra com cinco olhais era sustentada pelos habitantes desta localidade. Por sua vez, a Câmara de Vilar Seco de Lomba apesar de valorizar a importância da ponte de Castrelos sublinhava que o seu território ficava entre dois rios caudalosos e que havia necessidade de conservar quatro pontes, todas de madeira, as quais obrigavam a permanentes trabalhos e avultados gastos a cargo dos moradores do concelho. Por outro lado, a via de comunicação mais importante para Vilar Seco de Lomba, reclamava atenção especial à ponte do rio Mente, por passar aí a estrada que vinha de Chaves, e à ponte do rio Rabaçal, que dava continuidade para Bragança.
Convém acrescentar que, em Março de 1757, dois mestres pedreiros, Roque de Monte Agudo e Domingos de Olavo, vistoriavam a ponte de Castrelos para avaliarem o custo da empreitada «desde os aleseses athe o alto das guardas com dois arcos de camtaria hum maior outro mais pequeno». Posteriormente, Manuel Lourenço de Matos, conceituado mestre canteiro de Vila Real e que viria a desempenhar o papel de arquitecto oficial da diocese, candidatar-se-ia à execução desta obra. Actualmente, restam alguns vestígios dos arranques dos arcos.
No concelho de Vinhais, as pontes de Soeira, da Gestosa e, embora com menor balanço, a ponte de Pedra de Moimenta, são exemplares de uma arquitectura pujante. Todavia, outros espécimes, com voo mais raso, como a ponte de D. Marinha entre Vila Verde e Quintela, merecem constar no rol das obras importantes da região.
Na segunda metade do século XIX, como reflexo da política desencadeada pelo regenerador Fontes Pereira de Melo, abertura de novas estradas e o caminho de ferro alteraram a face material do país, modernizando-o. Modificações duradouras que distanciaram Portugal da moldura medieval em que ainda vivia mergulhado. Ora, a melhoria das vias de comunicação não podia deixar de implicar a construção de novas pontes. 
Das plataformas lançadas entre Outeiro e Pinelo (1860), em Bragada e Rossas (1867), em Castrelos (1880), percorreu-se um longo caminho que teria continuidade na obra da ponte de Rebordelo, destruída por uma cheia do Rabaçal quando ainda tomava corpo ou pelos propósitos que o acordo luso-espanhol para a construção (1903) da Ponte Internacional na fronteira de Quintanilha, concluída em 1908, enunciava. Acrescente-se, todavia, que a tormenta geratriz da cheia do Rabaçal, ocorrida em 21 de Janeiro de 1906, provocou igualmente o desmoronamento (para a rua Debaixo) da velha casa da abadia de Vinhais, edificada no largo do Arrabalde. Em 1909, outra cheia derrubava a ponte de Vale de Armeiro, cortando as comunicações entre Vinhais e Chaves.
Como curiosidade inclua-se no vasto rol das ocorrências negativas que, nesta ocasião, muito prejudicaram algumas regiões de Trás-os-Montes, os abalos sofridos pela ponte de Mirandela. Diga-se também que a primeira máquina automóvel chegou a Bragança em Novembro de 1902. Em passeio pela cidade, em «velocidade extraordinária», causou grande alvoroço na mocidade e entusiasmou os mais velhos. Mas, em termos formais, as propostas das novas construções poucas novidades transportavam. Nesta matéria seria necessário esperar pela generalização das armaduras de betão para assistirmos ao lançamento do tabuleiro sobre o rio Rabaçal e das propostas consagradas nas grandes adjudicações dos nossos dias.
Em Novembro de 1902, altura em que se adjudicava a Ponte do Pocinho, o governo e João Lopes da Cruz, assinavam o contrato para que a máquina a vapor pudesse chegar a Bragança. Dois anos depois, o engenheiro Costa Serrão vistoriava os trabalhos da ponte de ferro da Coxa e da construção da Estação de Bragança que alguns reputavam de «uma perfeita belleza». Numa altura em que a linha férrea foi desactivada, a ponte do Penacal que, entre outros atributos, alardeia elegante porte, tem lugar cativo no rol do património artístico bragançano. Por isso, eventuais intenções da sua desmontagem deverão ser contrariadas.
Em 1906, pela primeira vez, os silvos estridentes da máquina a vapor saudavam os bragançanos que festejavam o acontecimento. Em Março de 1909 o projecto da via férrea entre o Pocinho e Moncorvo ganhava ânimo e, em Outubro, consolidava-se a pretensão, só parcialmente concretizada, de se prolongar a linha até Miranda do Douro.
Fosse nas novas pontes ou nos edifícios de habitação e de serviços, vinham-se desenhando no país novas tendências arquitectónicas que privilegiavam a aplicação do ferro e as possibilidades de se desenvolverem esquemas padronizados. Embora com limitado significado, por se cingir essencialmente aos edifícios e equipamentos ferroviários, divulgava-se, assim, na Terra Fria Transmontana uma nova estética caracterizada por preocupações de funcionalidade, pela valorização da capacidade expressiva da linha e pela alteração do conceito de superfície. Desta forma, instauravam-se novos entendimentos plásticos.

in:rotaterrafria.com

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