quinta-feira, 28 de maio de 2015

Gaita transmontana

A gaita-de-fole transmontana (também conhecida como gaita trasmontana e gaita mirandesa, ou simplesmente por gaita-de-fole, gaita de foles ou ainda gaita) está entre os modelos mais intrigantes de gaitas-de-fole conhecidas, no que se refere a sua afinação e trajectória.
Terminologia
Muitos defendem que o termo gaita mirandesa seja um tanto impreciso, visto que a cidade de Miranda do Douro é apenas uma pequena região do território tido como Trás-os-montes, por onde o instrumento está tradicionalmente disseminado, sobretudo nas comarcas de Vinhais, Bragança, Miranda e Mogadouro. Daí que talvez o mais correcto seja chamá-la de "gaita-de-fole transmontana" ou só "gaita-de-fole", como é sempre chamada pelos gaiteiros mais velhos. O nome "transmontana" serve apenas para distingui-la de outras gaitas ibéricas, como a galega e a asturiana, por exemplo.
História
Os registros mais antigos sobre o instrumento datam já do século XVIII, em sua ampla maioria escritos. A sua cultura vinha a ser passada,  até meados do século XX oralmente, de pai para filho, com diferenças subtis entre cada aldeia e região. É possível encontrar manifestações tradicionais entre populações rurais mais ao sul de Trás-os-montes, como em regiões dos distritos da Guarda e de Castelo Branco, mas já no Algarve os populares referem-se ao gaiteiro como músico do Norte.
Morfologia
A gaita transmontana compartilha diversos aspectos estruturais com gaitas de regiões vizinhas: a gaita sanabresa, a gaita zamorana e a gaita alistana. Muito se discute se realmente é válida a distinção entre elas, tamanhas são as suas semelhanças, mas há que lembrar que um objeto não se define apenas pela sua estrutura, mas sim pelo seu contexto, a sua tradição, as suas técnicas e so eu repertório, formando um significado específico para determinada população.
Constituída sempre por apenas um bordão baixo com palhão (duas oitavas abaixo) e uma cantadeira cónica com palheta dupla, ao passo que a sua bolsa também possui um desenho característico, a usar o couro inteiro do bode.
Essa gaita é mais comumente construída em madeira de buxo e com anéis de corno, sendo frequente uma rica adornação das suas peças com motivos pastoris geométricos. Ainda hoje há poucos fabricantes deste modelo de gaita, sendo geralmente construído de forma artesanal pelos próprios instrumentistas em populações pastoris do nordeste de Portugal. Contudo, cada vez mais artesãos dedicados à construção de instrumentos musicais voltam-se para esta gaita, não apenas em Portugal mas noutros países também, sobretudo Galiza e Brasil.
Palheta dupla de cantadeira transmontana.A veste da bolsa costuma trazer padrões coloridos, além de adornos pendurados nos bordões e franjas típicas, como na maioria das gaitas ibéricas.
Essa rica, porém frágil tradição, correu sério risco de extinção já a partir de 1960, quando o antropólogo português Ernesto Veiga de Oliveira passou a fazer recolhas pelo país e a alertar para o risco da perda de tão singular manifestação cultural. Os motivos para tal queda de popularidade são os mais variados: desde os tradicionalmente ligados a qualquer gaita-de-fole – como a concorrência com outros instrumentos, feito o violão, o órgão e o acordeão – até o éxodo das populações jovens para áreas urbanas ou mesmo a emigração (especialmente Brasil e França), rompendo com as tradições pastoris das  suas origens. Uma das consequências mais notórias da obliteração do instrumento é o limitado repertório tradicional hoje conhecido, variando pouco de região para região. Muitas músicas, transmitidas apenas oralmente, eram conhecidas, à época das recolhas de Oliveira, ainda por poucos músicos, considerados como a última geração de gaiteiros tradicionais, da qual ainda restam alguns poucos.
Lentamente, ao longo das últimas duas décadas, trabalhos de resgate vêm sendo promovidos por diversos grupos por todo Portugal, a reinserir o instrumento na cultura lusitana. Grande parte do repertório remanescente e imagens de diferentes instrumentistas e as suas gaitas transmontanas estão compilados em alguns acervos, como os de Veiga de Oliveira, Sons da Terra e da Associação Gaita-de-Fole.
Também, uma série de novos instrumentistas solo e grupos musicais vêm surgindo, como os Galandum Galundaina, Lenga Lenga - Gaiteiros de Sendim e Trasga grupos das terras de Miranda,Gaiteiros de Lisboa e Gaitafolia, os quais vêm produzindo muito material novo para a gaita transmontana. Não obstante, vem sendo promovido com regularidade o Festival Anual de Gaitas-de-Fole, a reunir inúmeros instrumentistas.
Detalhes de algumas peças, de cima para baixo: Primeira ou Ombreira (encaixada na buxa), Entremeia, Copa, Ponteira e Assoprete. Note-se a cor escura do Enguelgue envelhecido e os entalhes decorativos, feitos à mão.
Afinação e digitação
É na afinação que se encontra a maior peculiaridade da gaita transmontana. Ao passo que a sua nota fundamental pode ser em Si, Sib ou Lá, com a subtónica (não-sensível) um tom abaixo, em modo eólio torna a sua escala distinta, parecendo, a alguns, um instrumento oriental. É discutível se este modo é plenamente eólio, dado a típica disposiçāo nāo temperada do ponteiro das gaitas conservadas, mas é no padrão eólio que resulta mais fácil encaixá-las. O seu isolamento entre as montanhas portuguesas conservou-a à parte das tendências musicais que o Ocidente passou a estabelecer a partir do Barroco, como a predileção pelo modo jônio e um aumento do timbre. No entanto, a terceira menor na escala base do ponteiro aparece às vezes em instrumentos concretos na Sanábria, Astúrias e Galiza. A palheta da sua cantadeira é robusta e forte, com um volume bem audível, típico de um instrumento de ar-livre. A sua digitação é aberta e soa uma oitava não-cromática. O seu único bordão baixo soa na tónica duas oitavas abaixo da cantadeira.

in:gaitadefoles.net

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