sábado, 25 de junho de 2011

Jorge de Sena

O corpo não espera
O corpo não espera. Não. Por nós
ou pelo amor. Este pousar de mãos,
tão reticente e que interroga a sós
a tépida secura acetinada,
a que palpita por adivinhada
em solitários movimentos vãos;
este pousar em que não estamos nós,
mas uma sêde, uma memória, tudo
o que sabemos de tocar desnudo
o corpo que não espera; este pousar
que não conhece, nada vê, nem nada
ousa temer no seu temor agudo...
 Tem tanta pressa o corpo! E já passou,
quando um de nós ou quando o amor chegou.

Muitos consideram-no um grande nome da literatura portuguesa e uma figura incontornável do século XX nacional, mas muitos nunca ouviram falar nele, ou não vêm qualquer justificação para o mencionar. Mais de trinta anos depois da sua morte (em Junho de 1978), Jorge de Sena continua a ser uma persona controversa no panorama português.
Professor universitário, dramaturgo, contista mas, acima de tudo, poeta, Sena encontrou no estrangeiro a liberdade que a ditadura salazarista não lhe concedia em território lusitano. Sem papas na língua e, segundo os que com ele conviveram frequentemente referem, intolerável á mediocridade, Jorge de Sena partiu para o Brasil em 1959 em busca de uma consideração e de um respeito que os eruditos portugueses não lhe atribuíam. Em "terras de Vera Cruz", embora de início tenha conseguido alcançar parte do seu objectivo, viu-se obrigado a procurar novo refúgio, longe de uma outra ditadura que lá grassava. 
Foi na Califórnia, nos Estados Unidos, que acabou por assentar, com a sua esposa Mécia e os seus nove filhos. Docente na Universidade de Santa Bárbara, onde leccionava a sua amada literatura em língua portuguesa, conseguiu, enfim, algum tempo para produzir os seus textos. Prolífico, deixou imensas páginas de crítica literária, traduções, contos, diários, ensaios, romances, correspondência e, claro, poesia.Num paralelismo imenso com outros dois enormes vultos da poesia portuguesa, Jorge de Sena debruçou-se no estudo e na criação poética em torno de Camões e Pessoa. Inspirações, almas gémeas, antepassados, Sena procurou recriar esses mundos líricos, mas sempre sem abdicar da sua verdade. De legado ficam Sinais de Fogo (romance publicado postumamente), O Físico Prodigioso (novela, 1977), Andanças do Demónio (colectânea de contos, 1960), O Indesejado (teatro, 1951), Uma Canção de Camões (ensaio, 1966) e Metamorfoses (poesia, 1963) e tantos outros.
Fica a sua missão, nas suas próprias palavras: "um desejo de exprimir o que entendo ser a dignidade humana: uma fidelidade integral á responsabilidade de estarmos no mundo, mesmo quando tudo nos queira demonstrar que
Jorge de Senaestamos a mais... ou a menos."
Sinais de Fogo
O Verão de 1936 ficaria marcado pelo eclodir da Guerra Civil Espanhola. Na Figueira da Foz, que era amplamente frequentada por turistas espanhóis, o impacto desse trágico momento foi profundo.
A cidade, as praias e aqueles que todos os anos escolhiam a Figueira como destino de férias, a guerra apanhou todos desprevenidos e a adaptação a essa realidade não seria fácil, num país em que a ditadura salazarista grassava.Jorge foi para a casa dos tios aproveitar o tempo livre de aulas e reencontrar os seus amigos de todos os verões, numa atmosfera separada da Lisboa que deixava para trás. Nos cafés da cidade explodem discussões entre franquistas e radicalistas espanhóis, o tio mantém dois clandestinos em casa e as amizades estão diferentes. Rodrigues, Ramos, Macedo e a bela Mercedes já não são os mesmos do ano anterior. Ou será Jorge que está a mudar? Entre a descoberta da sexualidade e a entrada na idade adulta, num território que sente próxima a guerra que decorre além fronteira, os episódios são-nos narrados pelo jovem lisboeta, na primeira pessoa, numa auto-descoberta por vezes cruel.
Esta obra é parte do grande projecto de ficção (Monte Cativo) que Jorge de Sena nunca chegou a acabar, e mesmo a sua publicação foi póstuma. As cenas descritas, as palavras usadas, as dúvidas presentes ainda hoje provocam reacções apaixonadas e, ao longo da leitura, surge sempre uma comparação entre o escritor e aquele (também) Jorge que, entre fogos acesos, se descobre poeta.

Sem comentários:

Enviar um comentário