segunda-feira, 20 de junho de 2011

Memórias de tempos de escravidão

Joaquim Vieira recorda os 20 anos difíceis que viveu nas Minas de Ferro de Torre de Moncorvo e tem dúvidas quanto à retoma da exploração de minério
Joaquim Vieira recua ao período entre 1965 e 1986 para recordar os tempos difíceis que viveu nas Minas de Ferro de Torre de Moncorvo.
Numa altura em que a empresa MTI - Mining Technology Investments está a levar a cabo prospecções na serra do Reboredo, com vista à exploração de minério naquela zona, o ex-trabalhador das minas recorda o trabalho árduo nas minas e afirma que tem algumas reservas relativamente à retoma da laboração nas jazidas de ferro de Moncorvo.
Os 20 anos que Joaquim Vieira viveu nas minas foram divididos entre o posto médico, os escritórios, as oficinas, o desmonte e o transbordo do minério no Pocinho. Aos 65 anos, este habitante na aldeia do Carvalhal, de onde olha com regularidade para os vestígios completamente destruídos das minas, lembra que tinha 10 anos quando começou a exercer funções como ajudante no posto médico das minas. Nessa altura, trabalhavam naquela exploração cerca de 1800 pessoas, que não recebiam salário. A recompensa pelo trabalho era o levantamento de géneros alimentícios mediante uma senha.
Joaquim Vieira perdeu a conta às vezes que subiu e desceu a serra do Reboredo e guarda recordações dessas viagens de criança em que aproveitava para matar a fome. “Quando tinha os meus 12 ou 13 anos descia a serra para vir buscar os almoços dos capatazes, dos engenheiros e dos maquinistas. A fome era tanta que a meio do caminho abria os cabazes para comer qualquer coisa sem que eles dessem por ela”, recorda o ex-trabalhador das minas.
A experiência nos diferentes sectores, deu-lhe uma visão mais alargada do trabalho na exploração do minério, mas também lhe permitiu ficar mais resguardado do pó que matava lentamente os mineiros. Mesmo assim, os 20 anos que Joaquim Vieira passou nas minas deixaram marcas para toda a vida. “Poucas pessoas passavam dos 60 anos, como era o caso dos marteleiros, que viviam com o pó desde manhã à noite. Eu tive sorte e ainda estou aqui, apesar de todas as radiografias acusarem problemas pulmonares”, desabafa. Construção da Siderurgia Nacional no Seixal ditou o fracasso do projecto mineiro de Moncorvo
Joaquim Vieira é peremptório ao afirmar que o trabalho nas minas era uma autêntica escravidão. “Era um tempo de miséria, de fome, de escravatura, mas era uma alegria subir e descer aquela serra, porque íamos lá buscar o pão do dia-a-dia”, acrescenta o ex-mineiro.
Hoje é com tristeza que olha para a destruição das infra-estruturas que antigamente serviam de apoio às minas. “Fiz uma casa ali à beira e todos os dias vejo tudo destruído. O próprio símbolo da Ferrominas, que era uma máquina escavadora, até isso foi roubado. São coisas de interesse que deviam estar na memória de toda a gente e foi tudo vandalizado”, lamenta.
Na óptica de Joaquim Vieira, o fracasso do projecto, em 1986, altura em que os cerca de 40 trabalhadores foram indemnizados e foi obrigado a emigrar, deveu-se ao erro estratégico de se ter construído a Siderurgia Nacional no Seixal em vez de ter sido construída no Carvalhal. “Os custos de transporte eram muito elevados e a meu ver foi isso que condenou o projecto”, avança.
Quanto à possibilidade da MTI reactivar as Minas de Ferro de Torre de Moncorvo, o ex-mineiro considera que seria um impulso significativo para a economia local, mas depois de tantas prospecções naquelas jazidas, que acabaram por ser abandonadas, Joaquim Vieira teme que estas prospecções também estejam condenadas ao fracasso.
No entanto, a MTI considera viável voltar a explorar ferro em Moncorvo, numa altura em que as cotações do ferro no mercado estão em alta e o avanço da tecnologia permite eliminar o excesso de fósforo no minério a custos reduzidos.
Se os processos burocráticos correram dentro dos prazos previstos, a MTI poderá vir a explorar ferro em Moncorvo já em 2014.


Por: Teresa Batista
in:jornalnordeste.com

1 comentário:

  1. Conheço bem este trabalho nas minas, não por experiência própria mas por observação. Nas diversas deslocações que fiz a estas minas, ben como a Argoselo, França, Parâmio e minas da Ribeira, a ausência em quase todas elas de meios mecânicos para transportar o minério até à superfície era feito com enorme esforço.
    Alguns homens com a força fdos seus braços empurravam uma "Vagonete", desde as rofundezas da mina até verem a luz do dia.
    Para além de todo o trabalho árduo, a ausência de condições de trabalho, nomeadamente ventilação e monotorização do ambiente eram autênticas armadilhas.
    A acrescer a isto, e principalmente nas Minas de França, a silicose acabava por se instalar nos pulmões, daqueles que totalmente desprotegidos absorviam a sílica.

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