quarta-feira, 20 de julho de 2011

Floresta - Porque arde Portugal?

O Verão de 2010 fez justiça ao provérbio: «o Inferno depois do Inverno». A Autoridade Florestal Nacional (ANF) revelou que a área ardida no país até 30 de Setembro do ano passado superou os 125 mil hectares. Apesar de a área consumida pelos fogos de 2010 ser inferior à de 2000, 2003 e 2005, os especialistas alertam para a ausência de uma estratégia para a floresta portuguesa. O Ministério da Agricultura, nessa altura liderado por António Serrano, negou.
Que estratégias e medidas de prevenção foram tomadas nos últimos anos para a floresta portuguesa? Por que razão a nossa floresta não é competitiva? Como mudar as consciências para evitar a habitual catástrofe dos incêndios a cada verão? Com um 2010 pintado a cinza na paisagem portuguesa, o Café Portugal foi à procura de respostas para as perguntas que, ano após ano, se tornaram uma quase inevitabilidade.
Ricardo Jacinto, Presidente da Direcção do Fórum Florestal, começa por dizer que os incêndios deste ano são apenas a confirmação que «sem gestão florestal activa, sempre que ocorrem condições meteorológicas de risco, existem incêndios florestais». E relembra que por mais que se invista em combate, «nunca se conseguirá resolver este problema». O factor decisivo é investir na gestão da floresta.
Um investimento que o presidente da Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente (ANEFA), Pedro Serra Ramos, vê como inviável no actual cenário. A maioria dos proprietários não tem capacidade para investir, embora haja vontade de o fazer. Pedro Serra Ramos defende que medidas de aproveitamento económico dos territórios e valorização ambiental «poderiam dinamizar e servir como principal ‘meio de combate’ aos incêndios florestais, pois haveria uma gestão activa do espaço florestal».
Referindo-se ainda ao financiamento para a gestão florestal, o presidente da ANEFA refere o «Fundo Florestal Permanente» que deveria ser «gerado através de um imposto aplicado aos combustíveis e pago por todos os contribuintes. No entanto, este não está a ser directamente aplicado na floresta, nomeadamente, nas questões associadas à sua arborização e manutenção».
«Os cerca de 150 milhões de euros já ‘arrecadados’, apenas têm servido para apoio ao planeamento, criação e manutenção de estruturas organizativas ligadas à produção, arranjo de caminhos e estradas e limpeza de faixas adjacentes. Feitas as contas, o valor indicado daria para arborizar mais de 100 mil hectares ou para limpar cerca de 200 mil hectares. Na prática, até hoje, não foi plantada uma única árvore com este dinheiro», conclui.
Por seu turno, o responsável do Fórum Florestal, Ricardo Jacinto, considera que «tem sido feito bastante» no que respeita à prevenção. «Se olharmos para a realidade de 2003 [ano em que arderam mais de 400 mil hectares] a diferença para melhor é notória. Sobretudo na primeira intervenção». Ricardo Jacinto sublinha que não há qualquer tipo de estratégia em marcha. «As tentativas para as criar morrem ao fim de um a dois anos. Este é o verdadeiro problema. Qualquer estratégia para a floresta portuguesa tem de ter um horizonte, no mínimo, a 30 ou 40 anos», assegura, lembrando que o problema dos incêndios está directamente relacionado com a má gestão do território e com o despovoamento.
Neste ponto, Pedro Serra Ramos, da ANEFA, foca a necessidade da gestão activa e investimento no espaço florestal, assim como estratégias de ordenamento. «A limpeza de mato, ou a gestão de combustíveis, é sem dúvida importante para a redução de material lenhoso e eliminação dos chamados ‘combustíveis finos’, mais propensos à ignição, mas é igualmente relevante referir que para além do resultado das operações em si, o facto de se efectuar estas acções implica que as matas estejam permanentemente vigiadas pelos prestadores de serviços que executam estes trabalhos e que tão bem conhecem o terreno, funcionando como primeira intervenção na prevenção dos incêndios florestais».
À falta de investimento na floresta, e consequente ausência de gestão e ordenamento do território, Pedro Serra Ramos refere igualmente o êxodo rural como um rastilho dos incêndios nacionais. «A verdade é que se houvesse um maior investimento no desenvolvimento rural e nos espaços florestais e fossem criadas condições para a fixação da população em zonas rurais, haveriam proprietários florestais menos absentistas e mais envolvidos na correcta gestão florestal», afirma.
O êxodo acentuou-se de ano para ano. O país tornou-se urbano acompanhando, aliás, uma tendência global. Um processo de abandono do meio rural iniciado nas décadas de 50 e 60 do século XX que contou, ainda, com fortes fluxos migratórios além-fronteiras. Para trás ficou uma paisagem rural ao abandono, com floresta a crescer descontroladamente.
Na década de 1960 ardiam em média cinco mil hectares por ano, um número que, em duas décadas, passou para os 90 mil hectares. Desde 1990 ocorrem anualmente, em média, mais de 25 mil incêndios por ano. De salientar, que perto de 98% destas ocorrências têm causas humanas sobretudo devido a negligência ou acidente em situações como fogos de artifício, queimadas, lançamento de pontas de cigarro.
O desafio, como sustenta Ricardo Jacinto, «é tornar rentável ao proprietário a actividade florestal, colocar pessoas onde hoje apenas existe mato». E, para isso, considera que Ministério da Agricultura, Ministério da Economia e representantes dos proprietários florestais têm de dialogar.
Sobre os apoios do Estado à floresta, Ricardo Jacinto diz que aqueles foram constantes até 2007, «apesar de já nessa altura ficarmos longe do que poderíamos ter utilizado, por ineficácia do Estado. Mas, até à data, a eficácia é tão má que, só agora, começam no terreno e de forma muito tímida as primeiras acções financiadas pelo PRODER», salienta.
E acrescenta: «a eficácia do Estado na utilização dos fundos comunitários, em vez de aumentar com a experiência diminui drasticamente. As minhas perspectivas para o futuro, a não haver alterações de fundo, são péssimas».

Tudo na mesma
Pedro Almeida Vieira, especialista em incêndios, realça que em Portugal continuamos dependentes das condições meteorológicas do período estival. Recorda que desde os anos negros de 2003 e 2005, «nada se mudou substancialmente em termos de gestão florestal» e garante que as Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) quase não saíram do papel. «Não há estratégia de ordenamento territorial e o sistema de combate continua desadequado em relação às áreas de maior risco», critica.
Sobre os dados provisórios até à data, Pedro Almeida Vieira afirma que o sistema europeu indica que a área ardida supera os 125 mil hectares em fogos com mais de 20 hectares, o que significa que se terá ultrapassado os 140 mil hectares se contabilizar todos os incêndios. «Ou seja, é o terceiro pior ano da década, mantendo-se a tendência de termos uma média de área ardida superior a 100 mil hectares, o que se torna insustentável», salienta.
E relembra que teríamos de descer para valores na ordem dos 40 mil hectares, no máximo, para conseguirmos alguma sustentabilidade económica da floresta. «E, sobretudo, evitar que os incêndios atinjam grandes dimensões. Este ano tivemos mais de 50 incêndios com área superior a 500 hectares e cinco deles com área superior a 5000 hectares».
Relativamente à importância económica da floresta, Pedro Serra Ramos da ANEFA explica: «em Portugal continental, a floresta representa cerca de 38% do território, gerando no seu conjunto aproximadamente 3,2% do PIB, abrangendo mais de 400 mil proprietários e 250 mil trabalhadores nos diversos agentes da fileira. Estes números reflectem a sua importância económica, ambiental mas também social, conferindo ao sector florestal um relevo essencial para o desenvolvimento do nosso país».
Apesar de o Governo sublinhar amiúde que o país tem uma estratégia para a floresta, o também Engenheiro Biofísico, Pedro Almeida Vieira, frisa que os resultados são desastrosos. «A protecção florestal não pode estar dissociada de uma estratégia de gestão e ordenamento territorial. A protecção florestal começa (ou devia começar) pela forma como se escolhem as espécies florestais, com a forma como se evita que haja grandes extensões de material combustível que propiciam fogos, também eles, de grandes dimensões. Mas como a agricultura (que funcionava como “tampão”) foi sendo abandonada, os fogos progridem facilmente», explica.
O engenheiro sublinha que não bastam campanhas televisivas de visão «urbana» a propalar que a floresta é de todos e considera que a prevenção tem de ser feita a nível local, «com sensibilização mas também com repressão. Os actos de negligência têm de ser fiscalizados e punidos com mão de ferro evitando, assim, que haja facilitismos. Há que acabar com a “diabolização” dos incendiários: se é certo que há intencionalidade em muitas ignições, uma parte muito substancial deve-se a actos de negligência», alerta.
Almeida Vieira não tem dúvidas: «o despovoamento do interior e sobretudo do meio rural implicou o crescimento de manchas em contínuo de combustível». No caso do litoral, o crescimento das zonas urbanas para dentro da floresta levou a um aumento do risco de incêndios, sobretudo por não serem feitas limpezas frequentes das orlas. «A existência de uma dispersão de casas entre os espaços florestais, também faz com que, aquando dos incêndios, o combate seja orientado para a protecção das casas em vez da floresta», sustenta.
Para Pedro Almeida Vieira, o cenário é bastante negro. «Nas actuais circunstâncias, não temos capacidade para manter florestas de pinheiro e de eucalipto, que se estão a transformar em barris de pólvora, agravado pelo abandono das zonas agrícolas».
Por essa razão, advoga que se deveria substituir algumas manchas actualmente ocupadas por pinheiro e eucalipto por montados de sobro, sobretudo na parte sul da região Centro, «até pelos cenários apontados pelas alterações climáticas». E, sobretudo, fazer «descontinuidades» nos espaços florestais, «optando por uma floresta natural menos susceptíveis aos incêndios». Porém, frisa que isso apenas se pode fazer com fortes apoios e «o Estado tem mostrado que prefere gastar dinheiro no combate: 100 milhões de euros gastos este ano apenas no combate, mostra o absurdo da política florestal do país».
Pedro Serra Ramos defende que uma economia rentável necessita de espaço para espécies de conservação, mas igualmente de produção. «Não podemos ignorar que cerca de 400 mil proprietários tenham rendimentos que advêm do capital investido em floresta. Se considerarmos uma média de três pessoas por agregado familiar, significa que mais de 12% da população portuguesa vive do sector florestal», diz.
O presidente da ANEFA sublinha, ainda, que «temos de encarar as espécies economicamente rentáveis como uma oportunidade de investimento no sector, um motor que permite inclusivamente dinamizar e preservar outras áreas de carácter mais conservacionista, algo só possível se a vertente económica do sector for também explorada».
A floresta deve ser adequada aos objectivos propostos. «Se pensarmos em floresta para produção de biomassa ou para protecção de sistemas dunares, estaremos certamente a falar de diferentes espécies, no entanto ambas têm a sua importância e funcionalidade», acrescenta.
O nosso interlocutor considera que «a associação que muitas vezes aparece entre as espécies de crescimento rápido e os incêndios, não se prende com a morfologia da espécie, nem com o modelo de silvicultura dessas áreas. Este fenómeno está essencialmente associado ao facto de existirem grandes áreas de monocultura, sendo que não havendo uma compartimentação da paisagem, o risco associado é maior».
O fortalecimento da floresta através de cultura diversificada é uma prática defendida, agora, por um estudo da Universidade de Vila Real, onde se verificou que várias espécies de árvores a coexistirem num mesmo território possuem maior capacidade de reagir a alterações climáticas e a incêndios florestais.
Pedro Serra Ramos defende «a interligação económica e ambiental da floresta, tendo as espécies autóctones um papel relevante na prevenção de incêndios e controlo de pragas e doenças».
Ainda sobre o papel do Estado na preservação, prevenção e estratégia da floresta portuguesa, Pedro Almeida Vieira realça que este apenas se lembra da floresta quando começa o Verão e «canaliza rios de dinheiro para proteger casas na época dos incêndios. No resto do ano acho que “reza” para que chova no Verão seguinte…».

«Ausência de gestão na floresta privada é problema estrutural»
Posto isto, e questionado pelo Café Portugal sobre o drama recorrente dos incêndios, fonte da Secretaria de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural. (SEFDR), considera que a gestão florestal activa e profissional é decisiva para uma protecção mais eficaz dos recursos florestal.
«Ciente que a ausência de gestão na floresta privada é um dos problemas estruturais da floresta portuguesa, o Governo criou, em 2005, o mecanismo legal para a constituição de Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), as quais têm como objectivo principal potenciar a gestão integrada dos espaços florestais, nomeadamente nos terrenos de minifúndio do Norte e Centro do país».
O MADRP recorda que actualmente estão constituídas 128 ZIF, que reúnem cerca de 589.000 hectares de espaços florestais e que «constituem um ponto de partida significativo da importância desta solução».
«Encontram-se em fase de constituição mais 50 ZIF que perfazem perto de 320 mil hectares», adianta a mesma fonte. «Apesar da área ardida em povoamentos florestais compreender apenas 35% do total [126 mil hectares], trata-se de um registo que merece a preocupação do Ministério da Agricultura. Foi com essa preocupação que foram dadas orientações para a Autoridade Florestal Nacional proceder à abertura do concurso público para a avaliação externa do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios», explica o Ministério de António Serrano.
A tutela nega, também, que não haja uma estratégia para a protecção da floresta em Portugal. «Há um plano de acção e este encontra-se inscrito na Estratégia Nacional para as Florestas e é concretizada no Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios».
Para o ministério de António Serrano, o principal desafio que se coloca à floresta portuguesa é assegurar a sua sustentabilidade no médio/longo prazo. «O despovoamento e envelhecimento do interior é uma realidade incontornável. Num contexto em que Portugal é o país da UE onde a floresta privada tem maior expressão - 93% da floresta, as ZIF poderão ser uma solução para a promoção da gestão com escala da pequena floresta privada», acrescenta a mesma fonte.

Boas práticas
O presidente da ANEFA defende que as boas práticas na floresta «são comuns e prendem-se essencialmente com a prevenção de riscos profissionais, onde a formação e a consciencialização das normas de Saúde, Higiene e Segurança no trabalho são fundamentais».
«Depois em termos de operações florestais é também importante que se tenha presente a conservação do solo, sendo importante um conhecimento das técnicas de mobilização mínima, bem como a escolha de plantas ou sementes de qualidade, com vista a um crescimento mais regular, conduzindo a uma maior produção».
O responsável conclui que a «adubação e correcta fertilização, gestão da vegetação espontânea, planeamento efectivo das operações de exploração florestal e eliminação dos sobrantes florestais, são alguns pontos que figuram no código de boas práticas».


Ana Clara e Sara Pelicano
in:cafeportugal.net

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