domingo, 25 de setembro de 2011

Al Berto

 dizem que a paixão o conheceu 
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros 
senta-se no estremecer da noite enumera 
o que lhe sobejou do adolescente rosto 
turvo pela ligeira náusea da velhice 


conhece a solidão de quem permanece acordado 
quase sempre estendido ao lado do sono 
pressente o suave esvoaçar da idade 
ergue-se para o espelho 
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo 


dizem que vive na transparência do sonho 
à beira-mar envelheceu vagarosamente 
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria 
nenhum ofício cantante 
o tenha convencido a permanecer entre os vivos
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e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão 
deixas viver sobre a pele uma criança de lume 
e na fria lava da noite ensinas ao corpo 
a paciência o amor o abandono das palavras 
o silêncio 
e a difícil arte da melancolia
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há-de flutuar uma cidade no crepúscolo da vida 
pensava eu... como seriam felizes as mulheres 
à beira mar debruçadas para a luz caiada 
remendando o pano das velas espiando o mar 
e a longitude do amor embarcado 


por vezes 
uma gaivota pousava nas águas 
outras era o sol que cegava 
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite 
os dias lentíssimos... sem ninguém 


e nunca me disseram o nome daquele oceano 
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas 
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua 
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar 
se espantasse com a minha solidão 


(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve 
que nunca mais avistei cidades crepusculares 
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta 
inclino-me de novo para o pano deste século 
recomeço a bordar ou a dormir 
tanto faz 
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade 
in:astormentas.com

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