quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Bacalhau - À conversa para conhecer o Gadus Morhua



Nasce nas águas frias e longínquas dos grandes bancos do Atlântico Norte e é rei na mesa dos portugueses. De Norte a Sul do país o adorado bacalhau torna-se verdadeiro soberano pelo Natal com o consumo a subir quase 30%. Mesa farta para as bacalhoeiras, guardiãs da tradição de venda do bom bacalhau. Fomos ao encontro de algumas na baixa pombalina de Lisboa.
Na Praça da Figueira, Fernando Nunes espreita o movimento da rua num momento de descanso. A «Antiga Casa do Bacalhau», com mais de 150 anos, é a sua paixão há cerca de 25 anos. «Quando o senhor que cá estava empregado se reformou vim aqui para a Praça da Figueira substituí-lo», conta.
O quarto de século ligado ao Gadus Morhua, nome científico a que responde o bacalhau, deu a Nunes sabedoria na hora de aconselhar o cliente. «O bacalhau tem de ter uma cor amarelada, ‘loiro’ da cor do grão», comenta, enquanto fatia mais umas postas. Por dia a casa do bacalhau chega a vender 500 quilos do «fiel amigo», como o proprietário gosta de o tratar.
A casa enche-se e saímos com a promessa de voltar mais tarde. Caminhamos pela simetria das ruas da Baixa de Lisboa em direcção à Rua do Arsenal. No século XIX nesta artéria da cidade já fervilhava o comércio de bacalhau. Vem de longe a tradição bacalhoeira em Portugal com a pesca a apontar para as frias águas do Atlântico Norte, lar do «verdadeiro» bacalhau, o Gadus Morhua.
Uma pesca que, em parte, vai alimentar uma indústria que em Portugal encontra longa tradição. É na região de Aveiro que ainda se encontram as maiores indústrias de cura e transformação deste produto. O país tem mesmo um processo de cura característico. Entende-se por «Bacalhau de Cura Tradicional Portuguesa», o bacalhau bem salgado e seco que foi previamente submetido a um processo de salga livre, seguido de um processo de maturação próprio e específico, segundo o site Produtos Tradicionais de Qualidade na Região Centro, do Ministério da Agricultura.
Estamos à porta d´«O Rei dos Bacalhaus» na Rua do Arsenal. O nome chama a atenção. O cheiro intenso não engana. Fernando Dias é bacalhoeiro há tanto tempo quanto o nosso anterior interlocutor. A escolha de uma profissão na juventude não foi difícil: «O que me levou há 25 anos a abraçar esta actividade foi o facto de ser um negócio de família», diz.
A bacalhoeira emprega duas pessoas, mas a concorrência dos grandes supermercados dificulta a sobrevivência. O segredo está em ter o cliente como um amigo, conquistando a sua fidelidade. Fernando Dias conta: «Este tipo de comércio tem outra atenção para com o cliente. A determinada altura já não é cliente mas sim um amigo. Há uma fidelidade».
O proprietário d´ «O Rei dos Bacalhaus» dá exemplo desta ligação entre comerciante e cliente: «Vem muita gente procurar saber como se cozinha. O ano passado tivemos alguns livros de receitas que dávamos a alguns estrangeiros, temos o cuidado de informar».
A lista de clientes é diversificada, aparecem mesmo alguns jovens, mas Fernando Dias acredita que não são mais porque «não sabem cozinhar e porque o bacalhau para sair bem requer algum tempo».
A ligação de Portugal ao bacalhau tornou-se tão forte ao longo dos séculos que até mesmo na linguagem recorremos ao bacalhau para passar mensagens. Os ditados e expressões populares recorrendo ao peixe são recorrentes. Recordemos que quando se quer afirmar que há imensas alternativas para resolver um problema se diz: «Há trezentas maneiras de fazer o bacalhau»; para descrever uma pessoa magra dizemos: «Está seco que nem um bacalhau» e, entre outras, para identificar um odor intenso a maresia comentamos: «Cheira a bacalhau».
Encontramo-nos novamente na Praça da Figueira, a «Antiga Casa do Bacalhau» de Fernando Nunes continua de portas abertas. Além do bacalhau, a posta, a cara, a língua e o bucho desta iguaria, Fernando Nunes vende também alguns acompanhamentos como o feijão e o grão.
O bacalhoeiro da Praça da Figueira comenta que «quando o bacalhau cá chega tem uma duração média de um ano, sendo conservado em câmaras frigoríficas, entre dois a sete graus». Fernando Nunes confessa que os anos nesta actividade não lhe retiraram a vontade de comer e diz mesmo: «Como bacalhau o mais possível isto é uma paixão».
Aproveitamos a confissão para pedir alguns conselhos sobre a confecção. «A preparação depende da espessura do bacalhau. Um bacalhau, um pouco mais grosso, deve estar de molho pelo menos 24 horas. A água deve ser mudada umas quatro vezes. Os bacalhaus maiores devem estar de molho pelo menos dois a três dias», afirma.
Depois deste processo de dessalga, muitas são as formas de apresentar o bacalhau. A imaginação nacional serve-o cozido, frito, desfiado à Brás e com natas. Existem ainda os pastéis de bacalhau e as pataniscas com o mesmo nome. Para rematar, Fernando Nunes sugere para acompanhar «um bom vinho tinto leve».
Notoriamente contente por partilhar o seu saber, Fernando Nunes remata a conversa com um lamento: «A juventude não gosta muito de bacalhau e as casas deste género têm tendência a acabar porque as pessoas não querem trabalhar neste tipo de loja, onde a roupa fica a cheirar a peixe todos os dias. Depois, temos os problemas das grandes superfícies que vendem mais barato mas não tem qualidade».


in:cafeportugal.net

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