sexta-feira, 5 de junho de 2015

O SR. QUEIRÓZ


Lamecense pelo nascimento, bragançano pelo coração, conhecido pelo seu fino gosto, figura imponente, acendrado portista, são palavras pobres e pálidas para apresentar uma das personalidades mais fascinantes da cidade nos últimos cinquenta anos, que foi Humberto da Silva Queiróz.
Porque me deu a possibilidade de ser seu amigo, tenho dificuldade em sobre ele escrever sem emoção e, a emoção, é má conselheira em matéria de escrita.
Aí pelos meus doze anos, um senhor impecavelmente penteado em risca ao meio, exibindo alva camisa branca de meia manga, na qual drapejava uma gravata azul e nela reluzia um brilhante a chispar cores, avança na minha direcção e grita: “Dr. Sá Alves, Dr. Sá Alves”. Afasto-me, levando nos ouvidos o ressoar do pesado grito.
Passados dias, a medo, acerco-me do Parreira, seu diligente empregado, e pergunto-lhe a razão do apodo. O Parreira tirou os óculos (em forma de fundo de garrafa) os seus olhos míopes fitam-me e diz. “Ele chama-te assim porque trazes as calças pelo tornozelo”. Entendi. O meu crescimento não estava a ser acompanhado por adequadas calças novas.
Pelos meus vinte anos transformei-me em seu cliente, ao comprar um casaco de veludo preto engalanado por muitos botões metálicos. Na altura de pagar, o esperado transformou-se em inesperado. Recusou receber a totalidade do custo do casaco. Na sua opinião, eu necessitava de trazer dinheiro comigo. Sentenciou: “Na Casa Queiróz pagas como puderes, como quiseres e quando entenderes”. Fiquei sensibilizado pela prova de confiança e tive receio de não conseguir arcar com tamanha responsabilidade. Mas consegui, durante muitos anos, sempre.
Exímio na escolha dos tecidos e roupas, as decoradoras da moda e do momento muito ganhariam se tivessem a possibilidade de vislumbrar as montras por ele concebidas, pois conseguia colocar grácil e harmoniosamente múltiplas manifestações de roupas e adereços em exíguos espaços.
Era também um consumado e irónico cavalheiro a atender as perliquitetes da cidade e redondezas.
Confesso apaixonado pela arte de pespegar partidas a amigos e conhecidos, dava a ideia de ser mágico ou ilusionista no acto de criar e praticar tantas e tão grandes façanhas.
Os manos Cazão mantiveram com ele um enorme deve e haver nessa matéria.
O Sr. Zé Leão também entrou na referida contabilidade mais o enorme benfiquista Álvaro, fundador do Café Flórida.
Em 1964, encontro-o na Póvoa de Varzim. Está acompanhado pelo seu querido sobrinho Fernando Tozé. Levou-nos ao casino. Nessa magnífica noite selou a gratificante amizade entre mim e o Fernando.
Ao longo dos anos, sempre que ia a Bragança, nunca me esqueci de o visitar.
Numa noite de invernal nevoeiro convidou-me a acompanhá-lo ao Flórida. Envergava um casacão estilo anorak.
Entramos, pediu duas bebidas, relanceou os olhos pelo repleto café, disse algumas palavras de circunstância, depois verificou se eu já tinha consumido a bebida, piscou-me o olho e avançou em direcção à saída. Mal começou uma chinfrineira de espirros, abriu a porta e “zarpámos”. Tinha espalhado pimenta moída de maneira subtil.
Nos últimos anos da sua vida, debilitado, recebia os amigos em casa. Obsequiava-nos com os melhores “escoceses”. Nalgumas tardes, as garrafas colocadas por cima do cofre não tinham sossego.
Aproveitava todos os tempos e momentos para narrar aventuras, episódios e facécias. De quando em vez, surgia a mulher, e zelava por nós e por ele.
O Sr. Queiróz muito amou a sua mulher, para nós a Dona Mariazinha.
Ainda nos anos quarenta, mal tinha acabado de chegar a Bragança, já se interessava pelo seu conforto e bem-estar. 
Por seu turno, a sua Mariazinha idolatrava-o. Era o anjo da guarda do seu menino. Afagava-o, ralhava-lhe suavemente, tornava-lhe a vida mais fácil, menos complicada, mimava-o. Ele assim o entendia e, menino irrequieto, adorava fazer-lhe travessuras.
Numa ida ao Porto, na companhia de um casal amigo e vizinho, o travesso entendeu convidar o vizinho para irem a uma bôite. 
A Dona Mariazinha manifestou oposição à sugestão de as senhoras irem para o hotel e os homens demandarem a noite. Consagrado à sua ideia, o irreverente “menino” aproximou-se de dois polícias e ordenou-lhes: “Prendam-me aquela mulher”. Um deles, atónito, perguntou-lhe: “Porquê?”. “Porque não me deixa ir à bôite”. Estrepitosas gargalhadas soaram na rua!

in:Figuras notáveis e notórias bragançanas
Texto: Armando Fernandes
Aguarelas: Manuel Ferreira

2 comentários:

  1. Não sendo de Bragança,fui aí criada.Anos 60/70.Amo essa cidade.O SR. Queiroz,conhecia esta lisboeta e "amparava" as suas ideias.Assim fez-me umas quantas "toillets"para os bailes do 1º de Dezembro.Por vezes as ideias eram um bocado "loucas" mas,ele dava sempre um geito.Um bom amigo e sempre que ia a Bragança era vizita obrigatória.

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  2. Tinha eu os meus 12 anos quando fui recebido pelo senhor Queirós para me oferecer o meu primeiro emprego, na alturao funcionário mais velho era o senhor Parreira e ás quintas feiras uma menina que não recordo o nome(talves Irene) ia concertar as meias de vidro que as senhoras usavam na altura, uma das suas predileções era ir lanchar à senhora Camila gostava do convivio, pois era aí que gostava de fazer as suas traquinisses, recordo como um bom homem

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