terça-feira, 16 de junho de 2015

O "TROULA"

José Manuel, de seu nome. Natural de Vila Nova, hoje a paredes-meias com a cidade.
Recordo-o. Alto, para o seco ou delgado, pés enfiados nuns socos estrepitosos, escorregadios quando os paralelos ficavam cobertos de gelo acetinado. O seu olhar doce, desprovido de malícia, desarmava o mais temível e feroz dos homens. 
Vestia pobremente, roupas provindas da caridade, no fio, à volta do esgargalado pescoço duas ou três gravatas rançosas, cujas pontas esvoaçavam conforme a vontade do vento. Uma gabardina surrada tapava os risos alarves das outras peças do seu vestuário.
Enquanto andava, os braços balouçavam a modos de baquetas a baterem num tambor.
Numa das mãos um realejo, talvez da marca honner, na outra, um cigarro semi-apagado, o que lhe dava muito trabalho a acender.
Vinha com frequência a Bragança. A pé, Nem de outra forma poderia ser, dada a penúria em que vivia. A rapaziada, quando o via surgir ao longe, junto às oficinas da Junta Autónoma das Estradas, passava a palavra:
- Lá vem o José Manuel!
O “Troula”? – Perguntava um deles.
- Sim, o “Troula”!
O “Troula”, entrava na taberna do Sr. António Júlio. Durante alguns momentos nem bulia uma mosca. Depois, entre ditos e gracejos, o “Troula”, pedia cigarros. Recolhia alguns, não sem antes ter de roufenhar no realejo.
A descida da Avenida João da Cruz era feita sacrificando o realejo e a solicitar cigarros. A colheita atingia boa expressão, especialmente nos dias de feira. No entanto, de quando em vez, recolhia a Vila Nova, com reduzido pecúlio cigarral. Por isso, acontecia-lhe chegar à aldeia a soprar uma última beata.
Como um autómato, retrocedia em direcção a Bragança. Para pedir mais cigarros. Nada mais.

in: Figuras notáveis e notórias bragançanas
Textos: Armando Fernandes
Aguarelas: Manuel Ferreira

5 comentários:

  1. uma descriçao completa e certissima acerca do Zé Manel,,gostei

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  2. Amiga Augusta.
    É um enorme prazer vê-la neste espaço.
    Bem-vinda.

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  3. Recordo "o Troula" com muito carinho! "Lavrava um campo" junto à escola de Vila Nova, onde fiz a 1ª classe! Recordo-o, também, a dar à bomba para encher o tanque em casa dos meus avós! Sempre com o realejo! Esta homenagem é bem merecida! Parabéns!

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  4. Imaginar tambores!!!!Sempre tão tradicional em mentes realmente nobres e africanas de Portugal... Como é bom sonhar com um mundo que não existe!!!!Em delírios como esse, tão tipicamente carcamano - lusitanos, nos deparamos sempre com nossa verdaira origem projetada em pessoas que são mais importantes que nós...

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  5. Um blog bem estruturado. O texto que li e gostei da homenagem a um homem do mundo ( ser humano). Parabéns

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