sábado, 13 de junho de 2015

O "MANUEL BRASILEIRO"


Nas cidades pululam pessoas estranhas, simples, de todos os géneros e condições, simpáticas e especiais.
A taxionomia explicativa da estrutura social das cidades não é para aqui chamada; no entanto, lembro a importância de um grupo existente em Bragança, onde pontificava o Carlos Silva.
Um humor exacerbado, uma contínua girândola de ditos espirituosos, um permanente esvoaçar risonho sobre as trevas da vida, um exercício praticante no domínio das vitualhas sólidas e líquidas, um certo manter o tom e o som na neve, na chuva, na tempestade, na bonança, caracterizavam o leitmotiv do grupo.
Na cave do Flórida, na precária instalação do “Bolha”, nos espaços onde se podia jogar um sintético, nas chamadas voltas ao Distrito, o núcleo duro do grupo resplandecia na sua coesão e apuro de língua. Um calafrio para os incautos.
Pois foi no seio do grupo que tive o ensejo de conhecer o especial “Manuel Brasileiro”.
Lembro-me de ter visto e observado um homem franzino, refugiado num sorriso ladino, de olhar vivo e atento. Na cabeça, um chapéu conhecedor de melhores dias, um colete aconchegava a camisa desbotada. Sempre o vi naquele preparo, umas vezes muito loquaz, outras, pura e simplesmente, atento ouvinte.
No grupo discutia-se apaixonadamente tudo, mesmo jazz. Em termos jazzísticos, o mentor do grupo dava-se ao luxo de imitar a Ella, no seu celebérrimo “summertime”, transformado livremente em “Senhor Martinho”.
O astuto “Manuel Brasileiro”, não desmontava dos seus interesses; e quando menos se esperava, refulgiam as suas fantásticas e famosas ousadias cinegéticas, os milagres da multiplicação das peças abatidas, as saídas pela porta grande, para aborrecimento dos sandeus.
O nosso homem seria mecânico nas horas vagas, nas horas cheias; nas horas possíveis era sempre caçador e pescador.
Ao que sei, os seus companheiros de actividades na busca de caçados, o Arquitecto Manuel Ferreira, o Manuel Pires, o Sá Morais, o Fernando Pires e o inevitável Carlos Silva, não perdiam oportunidade, para glória deles, em o espicaçarem, em o obrigarem a desfiar toda a sorte de probabilidades, na ânsia de demonstrar e provar as suas capacidades, da sua numerosa prole e, em especial, do seu platonicamente estimado cão. O bicho, num movimento cansado, obedecia à voz de comando, mas nunca por nunca teve a sorte de tentar ganhar a alvoraçada aposta feita pelo seu dono quando disse: “Aposto que o meu cão é capaz de comer todo o caldo que couber no tanque de São Vicente”. A aposta não foi levada a sério, para desconforto e desgosto do animal.
O “Manuel Brasileiro”, tocava guitarra. Não tenho percepção da sua destreza no exercício musical; ao invés, não resisto a gargalhar quando o arquitecto, autor das ilustrações dos meus textos, principia a adnumerar as façanhas do celebrado “Brasileiro”
Uma dessas extraordinárias façanhas prende-se com o facto de o anti-herói “Brasileiro”, após ter carregado uns cartuchos, resolveu ir caçar. Porque lhe faltavam os chumbos, cada cartucho só levava dezassete bagos.
No vai e vem do terreno, surgiu-lhe um bando de estorninhos. Disparou um cartucho. Resultado do disparo: dezanove estorninhos mortos. É incrível? Para ele era verdade. Podem acreditar.

PS. Aos “proprietários” das muitas facécias, ditos, histórias e graciosidades de “Manuel Brasileiro”, lanço o desafio de escrevermos um livro acerca dele. O mesmo em relação à influência do renomeado grupo. Vale?

in:Figuras notáveis e notórias bragançanas
Texto: Armando Fernandes
Aguarelas: Manuel Ferreira

1 comentário:

  1. Boa. A tua descrição fez-me relembrar o meu grupo, do qual fiz parte nas grandes tertúlias do Flórida. O Manuel Brasileiro tinha grandes histórias. Certa noite, em Gimonde, parte do grupo que descreveste, acompanhado do Manuel, falta-me agora o apelido,mas conhecido pelo Soqueiro, espreravamos o Brasileiro que tardava em chegar. Lá apareceu e disparou: Manuel matei hoje um porco que nem imaginas o tamanho dele... o outro Manuel, não dava resposta e ele insistia Fazes ideia....... Até que, após algumas insistências o interrogado disparou, Faço!!!!, resposta imediata, olha!!!!! era o dobro disso......

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