sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O SR. MONTEIRO


Apesar da grandiosidade semântica, a palavra Augusto será considerada banal no conclave dos nomes atribuíveis aos humanos. Um qualquer Bernardo possui outro pedigree.
Se o venerável Augustus, Augusto, nos dias de hoje, não suscita entusiasmo nos corredores dos registos civis, o imperial César também pouca atenção merece aos progenitores do momento. E, no entanto, Augusto e César são nomes tremendos, poderosos, sinónimos de força, vitória, riqueza, mando e de poder: poderem mudar a história ao sabor de um capricho, desejo e ambição.
Ora, o Sr. Monteiro também era Augusto César.
Apesar de o ser, jamais andou ao sabor dos desejos, nunca ambicionou poder, nem desejou ficar perpetuado em nenhuma história, mesmo pequenina ou alegre. Mas ficou.
Na história risonha, garrida e desenfafada de Bragança.
Eu morava bem próximo da casa dele.
Na minha primeira adolescência iniciava o dia deslocando-me à Igreja da Sé, a fim de participar em actos religiosos. Fazia parte de um grupo iniciado na catequese, debaixo da batuta do então Padre Ruivo.
O Sr. Augusto César gostava de nos ver no Templo, dizia-nos palavras amáveis, secas, apressadas. De resto, não me lembro de o ver em passo repassado e cauteloso, mesmo quando o vento o apanhava na Rua da República e lhe lançava na cara chuva forte e torvelinhos de folhas vindas do jardim do republicano António José.
O Sr. Monteiro possuía um comércio de tudo, sendo muito requesitado pela freguesia e pedintes. 
Ora, num dia de aperto, surge no estabelecimento um beberrão a rogar contributo ao atarefado comerciante. O “abolo” destinava-se a comprar vinho. O Sr. Monteiro negou o pedido, tendo recomendado ao adorador de Baco outra bebida. Uma mistela fedorenta. Ele também a bebia.
A nova espalhou-se num ápice. Toda a cidade entoava: “bebe merda que o Monteiro também a bebe”.
Homem pio, quando viajava não desperdiçava nenhuma oportunidade para visitar e orar em Igrejas, capelas, ermidas e nichos.
Uma viagem rápida de Bragança a Lisboa durava no mínimo uns três dias, para exaspero dos acompanhantes.
No auge da telenovela “Gabriela”, convidou alguns familiares a acompanhá-lo a Zamora, a fim de comprarem primícias alimentares. 
Os convidados colocaram uma condição: “ Sim, vamos a Zamora, caso o regresso se verifique a tempo de vermos a Gabriela”. 
Prometeu chegar a horas de todos verem o folhetim que fazia interromper as reuniões governamentais.
Mas uma coisa foi prometer, outra foi cumprir. Isto, porque o Sr. Monteiro cedo começou o ciclo do pára-anda-pára da devoção.
No regresso de Zamora todos se retorciam nos assentos do automóvel devido ao adiantado da hora. Impávido e sereno, Augusto-venerando, zupa que zupa, continuou a peregrinar sem atender a rogos ou pedidos.
Perdia a oportunidade de ver as peripécias de “seu” Tonico Bastos, de contemplar o farfalhudo bigode de “seu” Nacib e o sorriso esplendoro de Sónia Braga, a prima Julieta não resistiu à tentação de rogar ao primo César: “Já agora, reze um padre-nosso pela Gabriela”!

in:Figuras notáveis e notórias bragançanas
Textos: Armando Fernandes
Aguarelas: Manuel Ferreira

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