quinta-feira, 11 de novembro de 2021

O SR. VELOSO

O Sr. Veloso, também conhecido pelas alcunhas de “Cachimbo” e “Cabeça-de-Pau”, entra de pleno direito no fole dos meus reconhecimentos e referências de pessoas de bem que, ao longo dos anos, conheci na cidade do Braganção.
O Sr. Veloso tinha o seu talho integrado naquele edifício com arcos em forma de ferradura, denominado “Talho Municipal”, cuja fachada em boa hora foi preservada, e que pode ser observada no novel espaço da Praça Camões.
A Área era ampla, paredes altas; prendidas em ganchos, viam-se peças de carne mais ou menos ensanguentadas. Os cabritos, convenientemente esfolados, escarolados, exibiam a ponta do rabo tal como era, a fim de distintamente o cliente perceber que não comprava gato por lebre.
Emanava ali um ar refrescante, apesar dos múltiplos cheiros provindos de um mercado ululante de produtos, e às vezes acantonados uns em cima dos outros, devido à acanhada superfície do dito mercado. Naquele talho, naquele “atelier”, o Sr. Veloso destacava-se desde logo por se apresentar convenientemente ataviado, e porque a alva brancura das suas roupas faziam lembrar um cirurgião a tombos com complicada operação.
A imagem do cirurgião era reforçada no momento em que o Sr. Veloso transformava a peça de vitela em bifes mais ou menos grossos ou mais ou menos finos, conforme a vontade do freguês.
Preciso no corte, o seu olho clínico quase sempre acertava no peso previamente decidido pelo comprador.
O Sr. Veloso possuía as necessárias qualidades para o bom desempenho da sua função, ou ele não tivesse a soberana intuição da importância na correcta utilização do cutelo, do facalhão, das facas e outros utensílios inerentes ao seu ofício.
Reinadio, amigo de pregar partidas a amigos e conhecidos, pagava por isso, a toda a hora e minuto, mormente no primeiro dia do mês de Abril.
Apesar das preocupações que tomava, num momento de distracção suportava o custo da factura de um ano inteiro a desatar às gargalhadas pela imprevidência dos outros.
O Sr. Veloso também empregava esforços no sentido de ser bem sucedido nas artes cinegéticas. O ilustrador destas crónicas recuperou do caixotão da memória um episódio protagonizado pelo Sr. Veloso, paradigma do seu peculiar humor. 
Tal episódio tem origem na azarada caçada do Sr. Veloso, que se saldou numa irritante grade. De modo a compensar o nulo obtido, quando se dirigia para a taberna do povoado, onde se encontravam os dois, entendeu atirar sobre um galo.
Abatido o galináceo, colocou-o à cintura. Assim entrou na taberna.
De imediato a proprietária da locanda disse ser o galo propriedade dela. O Sr. Veloso nem pestanejou: comprou o galo.
Depois, enquanto refrescava o palato, lobrigou um bando, que não vara, de porquinhos. Também pertenciam à taberneira. Passaram a ser dele, porque lhos pagou.
Feitas aquelas aquisições, vira-se para o arquitecto e diz-lhe: “Arquitecto, bem vistas as coisas, fiz uma boa caçada. Pode acreditar. Uma das melhores caçadas da minha vida.”

Figuras notáveis e notórias bragançanas
Texto: Armando Fernandes
Aguarela: Manuel Ferreira

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