terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Um Inverno, quase Bragança

Foto: Eduardo
Manhã cedo, sono leve, salto da cama mais habituada às baixas temperaturas que se fazem sentir durante a noite/madrugada. Visto-me, vou à casa de banho onde me lavo, mal, com a água quase congelada do cântaro que ali havia deixado com esse propósito.
Fui para a cozinha onde ainda não estava ninguém. O lume estava apagado e não havia lenha para o acender, não que eu o soubesse fazer mas, se a houvesse, podia sempre tentar, quem sabe…
Sentei-me, enrolada numa manta que estava sobre o escano e aguardei, impaciente, que alguém se fizesse sentir.
Algum tempo depois, meia hora talvez, surge o meu avô. “Ó rapariga, que é que estás a fazer a pé tão cedo com este frio?” “A tia disse que vamos para Bragança.” “Isso sei-o eu, mas a tua tia gosta mais de dormir do que tu. Ainda vais ter de esperar um bocado. Deixa-me acender o lume que deves estar gelada.” Era verdade! Estava realmente com frio e tinha os pés e as mãos nada quentes.
O meu avô abriu a porta e eu fui atrás dele. Estava farta de estar ali sentada sem fazer nada. Podia ser que me ajudasse a aquecer. Estava tudo completamente branco de geada. Dos beirais das casas penduravam-se belos pingentes de gelo. A água do tanque tipo por cima uma grossa camada de gelo que eu tentei partir com uma pedra que ali havia. Esforço infrutífero. Não consegui fazer a mais pequena mossa naquele bloco. Olhei para as minhas mãos e vi que estavam vermelhas, muito vermelhas. Não me importei. Parecia uma criança à descoberta de tesouros únicos.
Junto à parede exterior da casa virada para o tanque existia uma enorme e antiga roseira, agora completamente despida de folhas mas cheia de flores brilhantes de cristalino gelo. No adro da igreja, as oliveiras da Senhora, pareciam princesas enfeitadas para o seu casamento. Tantos pingentes a reluzir no alvorecer da manhã!
Olhei em volta e apaixonei-me, perdidamente, como no poema de Florbela Espanca. A paisagem que circundava a, agora, minha aldeia, era deslumbrante, inopinadamente, descobri que era ali que eu me encontraria sempre que fosse necessário encontrar-me…
Ouvi, como num sonho, chamar por mim. Lentamente regressei ao frio. Virei-me para a casa com algum vigor e escorreguei. Não sei como, agarrei-me ao rebordo do tanque e, muito a custo, consegui equilibrar-me. Vi o meu avô, à porta, a mandar-me entrar. Encaminhei-me para casa não sem alguma dificuldade de que só agora me apercebera.
Subi as escadas e senti o bafo quente do lume aceso. O cheiro da lenha entranhava-se-me nas narinas sem que o conseguisse reconhecer. Acordava, finalmente, para a minha nova realidade de que ainda nada conhecia. O dia prometia ser longo de emoções e descobertas. O tempo tinha parado na inexistência de mim, ali, livro aberto, ávido de novos saberes.
“És bem maluquinha, filha! Com o frio que faz lá fora, tão mal agasalhada…” “Ó avô, é tudo tão lindo!” “Esta agora! Esta rapariga não é bem certa da cabeça…” O meu avô ria-se.
“Deixa-me ver as tuas mãos. Pois, estão frias como gelo. Espero que não te constipes. Aquece-te! Vamos lá fazer café.”
Foi até ao louceiro e trouxe o pote que normalmente se usava para fazer o café. Encheu-o de água e pousou no lar. Mandou-me baixar a mesa e por a toalha. Foi buscar o pão, o queijo, o presunto, uma chouriça e, claro, a chicha gorda, sua preferida. Trouxe, ainda, mel das suas colmeias. Dentro do frasco estava um favo. Abriu-o e, com a sua palaçoulo, cortou um pedacinho do favo e passou-mo para a mão em cima de uma pequena fatia de pão. “Experimenta!” Ordenou.
Assim fiz. Só quem já chupou um favo de mel pode entender aquela sensação. Lambuzamo-nos todos, sentimos na boca o mel de sabor incomparável e o sabor a cera no final. É uma experiência diferente, agradável, cada vez mais rara. Lavei as pontas dos dedos na água do lato que já aquecia ao lume. Limpei-os a um pano que por ali se encontrava.
Estava, finalmente, quente, reconfortada… A minha avó apareceu vinda do nada. Deu os bons dias. Dei-lhe um beijo. Sentou-se num tripé quase em cima das brasas. Tinha frio.
O café estava pronto, comíamos os três em silêncio, eu, apreciando os novos sabores, eles, silenciosamente sábios, dos muitos anos já vividos, observavam.
Lá fora brilhava o sol coberto de inverno, lindo!
“Bom dia! Isso é que foi madrugar!”
Bragança distava uns escassos quarenta quilómetros dali. Algumas peças de roupa numa pequena mala. O Joli a ladrar alegremente. A gata a miar aninhada junto à lareira…
“Vamos embora. Até amanhã.” “Tchau avô, tchau avó!” O pequeno e valente carro verde, retirado da garagem, responde à primeira. Patina ligeiramente. O choro dos pingentes de gelo é preguiçoso.       


Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.com

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