sábado, 4 de fevereiro de 2012

Um inverno - Bragança


Chegadas a Bragança, perguntei à minha tia onde é que íamos ficar. Na altura ainda não tínhamos casa na cidade. "Vamos ficar em casa do Óscar. É ali no Toural." 
Pareceu-me algo estranho que o Óscar vivesse num lugar chamado Toural já que a palavra não tinha, para mim, uma conotação nada agradável. Se ainda ali havia touros,  eu não ficaria ali.  
Falei dessa minha preocupação e ela riu-se da minha ignorância. "Não te preocupes que os touros desapareceram há muito. O Toural é um bairro perto do cemitério." Confiei. Tudo era novo para mim e algo estranho. A pequenez da cidade, as pessoas, os modos de vida, a maneira de falar, o frio...
Estacionámos o carro junto ao cemitério, atravessámos a rua e tocámos à campainha. À porta apareceu uma rapariga muito magra e não muito bonita com o cabelo penteado de uma forma estranha. "Olá, Isaura, entra." 
Entrámos, apareceu o Óscar, ainda com cara de sono, em pijama.  Estavam todos a levantar-se e já era quase hora de almoço. Reparei que viviam ali alguns jovens, rapazes e raparigas. "Enquanto vos arranjais, eu e a minha sobrinha vamos às compras."
Saímos para o frio. Apertei o casaco, calcei as luvas e seguimos até à avenida da Estação. Ainda havia comboio em Bragança e era interessante ver o quão pequena era a gare. Não parámos. Segui a minha tia que parecia cheia de pressa.
A primeira impressão não foi boa nem má. Não houvera tempo para pensar. Entrámos no Ponto de Encontro e pedimos café. Soube-me bem. Aos poucos fui-me habituando ao frio. Não nevava para minha desilusão.
Entrámos numa loja de roupa que ali havia e fui obrigada a comprar um casaco "decente", já que o que eu trazia não tinha esse epíteto na opinião da minha acompanhante e mentora.  
Mais algumas peças de roupa para prover à minha apresentação social e me manter quente, outras botas... estava pronta para o inverno e para a minha nova vida.
Voltámos a casa do Óscar e, ato contínuo, saímos para ir almoçar ao Ponto de Encontro, claro está.  
Olhares curiosos perseguiam-me, mais ou menos descaradamente.  Perguntas sobre o Brasil para me ouvirem falar... achavam engraçado. "Que giro!"
Também não sabia o que queria dizer a expressão e a única associação que me vinha à cabeça eram as "Pombas Giras", figuras mais ou menos inofensivas da macumba brasileira de que tivera conhecimento pouco antes de empreender esta aventura atlântica, através da minha melhor amiga de então, cujo pai cumpria as funções de "Pai de Santo" e de professor de matemática numa escola onde ambas havíamos estudado.  
Tudo isto para dizer que eu estava admiradíssima com as diferenças existentes entre o português brasileiro e o que se falava aqui. Confesso que muitas vezes não conseguia entender o que me diziam pois, além de falarem depressa demais, o léxico era muito diferente.  
Levei algum tempo, ainda, a habituar-me à maneira de falar portuguesa, mas nunca me habituei à curiosidade que despertava. Passei da impessoalidade quase absoluta para a curiosidade descarada de todos. Sentia-me como um animal num jardim zoológico. Não foram fáceis os primeiros tempos... 
Depois do almoço seguimos até à Praça da Sé. Começava a gostar do que via e apreciava, sobretudo, a tranquilidade com que se vivia. Avistei o Castelo e delirei. Amei Bragança nesse momento.  
A minha tia conhecia muitíssima gente. Apresentou-me a muitas pessoas e foi-me ensinado regras de convivência social, próprias de uma cidade pequena de há vinte e cinco anos atrás. Pequenas nuances a que eu não daria importância nenhuma se fosse em São Paulo.  
Considerava-me uma pessoa bem educada, atenciosa e discreta. Não tinha a espampanância de algumas mulheres brasileiras. Tenho o sorriso fácil, felizmente, considero-me simpática... senti-me observada por todos, homens e mulheres. Fui-me abstraído e entrei no meu mundo, um mundo à minha medida que me cabia gerir.  
Recebi muitos conselhos da minha tia, algumas reprimendas por ser algo expansiva quando ela considerava que não podia ser...
Depressa intui os novos costumes e regras. Não foi difícil fazê-lo. Reservei-me. Escrevi muito. Conheci pessoas interessantes. Participei em tertúlias intelectuais. Conversei com seriedade sobre homens e mulheres de cultura.  Cheguei à conclusão que, sem querer ser pretensiosa ou convencida, a minha cultura geral estava acima da média da generalidade das pessoas com quem passei a conviver socialmente. Descobri outras que me fascinaram pela sua sabedoria e sentido de humor.  
Conheci uma vida totalmente nova. Saídas à noite com a minha tia e o seu grupo, deitar-me às cinco ou seis da manhã o que nunca havia feito... íamos à discoteca para dançar, gosto muito de dançar. 
Os amigos não eram meus. Fechei-me e escrevi. Continuei, aparentemente, igual mas tanta coisa havia mudado neste meu primeiro inverno transmontano!  
Quarta-feira. Eram horas de dormir. Deram-nos uma cama num dos quartos onde era suposto dormirem as raparigas.  Estava habituada a dormir sozinha. Não dormi. Cedo, muito cedo ainda, já eu estava acordada a ouvir o silêncio. Sentia saudades e as lágrimas quentes aqueciam-me o rosto.  Não tive outro remédio senão esperar que se fizesse dia.  
Lentamente a casa acordou. Um banho rápido. Roupa quente que a geada fora grande. A minha tia acordou cheia de energia e que fazeres. Despedimo-nos dos outros e saímos em passos largos.  
Metemo-nos no carro e fomos às compras, desta vez para a passagem de ano,  Ano Novo e para a matança do porco.  Bem abastecidas, tomámos o pequeno-almoço no Café Flórida onde comprámos o bolo-rei.
31 de dezembro, estava prestes a começar o primeiro ano do resto da minha vida.


Por: Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.com

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