quarta-feira, 17 de junho de 2015

2. A CAMINHO DA CRIAÇÃO DA DIOCESE DE BRAGANÇA (1770)

...continuação
Datam do período de governo de D. José I e do seu ministro o Marquês de Pombal (1750-1777), medidas que irão afectar profundamente, para o futuro, a antiga Diocese de Miranda. Tais medidas, que se articulam com condicionalismos e problemáticas locais próprias, não deixarão de se integrar no plano e programa mais vasto de reformas e reorganização diocesana, levados a cabo pela governação josefinopombalina, que se aplicarão também noutros territórios metropolitanos, envolvendo como foi o caso, a reorganização do território das dioceses, com a criação de novos bispados. Com efeito, sobre essas medidas de reorganização diocesana, paira um programa geral, dito Regalista e Episcopalista, de intervenção política directa do Poder Real, pelo qual a ordem régia entende envolver-se mais activamente na reforma e reorientações das doutrinas teológicas e das práticas pastorais e até espirituais da Igreja e dos seus Bispos, em prol da elevação religiosa e social da conduta dos povos, em benefício da Igreja e da Monarquia.

Tal programa que faz parte da definição e exercício Absolutista ou mesmo Despótica do Poder Real, do tempo, chamou à colaboração com o poder e programa régio, instituições e poderes que com ele aceitaram colaborar, mas também levou ao afastamento e ao apagamento daquelas instituições e poderes que por razões de diversa ordem, a esse programa se opuseram. Como foi o caso da Companhia de Jesus e de alguns Bispos que tiveram que pagar com a expulsão, a prisão ou a demissão tal oposição e defesa da separação dos poderes e autonomias dos Corpos e Religiões.

O projecto e programa pombalino teria também como consequência essencial, a constituição de uma nova diocese e bispado, para a área do território transmontano oriental com sede em Bragança, e que seria instituída a partir da divisão da diocese de Miranda. Estava aqui em causa também a aplicação do programa político-religioso no território da diocese mirandesa. Tal processo de criação da nova diocese inicia-se com a transferência, em 1764, da sede da Diocese de Miranda para Bragança e seria consumado, a 10 de Julho de 1770, com a criação da Diocese de Bragança, com sede naquela cidade.

Entre 1770 e 1780 coexistiram para aquela área do território, até aí ocupado por Miranda, duas dioceses e duas autoridades Ordinárias, a do Bispo de Bragança e a do Bispo de Miranda.

Então, o território da Diocese de Miranda, virá a ficar constituído por dois arciprestados, o do território de Miranda e de Mirandela, com 116 paróquias. O seu primeiro Bispo nomeado por D. José I, foi D. Manuel de Vasconcelos Pereira. O Bispado de Bragança, ocuparia o restante território e teve como primeiro bispo D. Fr. Aleixo de Miranda Henriques, 23.º Bispo na série dos bispos mirandeses que foi, sem dúvida, o agente e promotor essencial dos projectos pombalinos para a Reforma diocesana, que aqui em Bragança-Miranda continuaria a missão que em Braga realizara como Governador, sede vacante, e depois continuaria na diocese do Porto.
A Historiografia local vem essencialmente sublinhando nas origens desta divisão, posterior e definitiva transplantação da sede da Diocese de Miranda para Bragança, a longa rivalidade e concorrência da cidade de Bragança a Miranda, a decadência e subalternização de Miranda face a Bragança e em geral no território, expressa sobretudo na longa decadência económica e militar da praça. E não deixa de destacar e sublinhar o decisivo e determinante papel do Bispo Miranda Henriques. Estas são razões efectivamente determinantes, que a nosso ver devem ser integradas em movimentos e desenvolvimentos de tendências mais envolventes e de longo prazo, designadamente a reorganização do espaço político e religioso do território nacional sob a égide da construção do Estado Central e Absoluto do Iluminismo e Despotismo Eclarecido.
MonjaO crescimento da posição cada vez mais central e desenvolvida de Bragança, relativamente a Miranda é um facto incontroverso. Ao longo do século XVIII a posição e o papel de Miranda decaíra ao ritmo da diminuição da sua importância estratégica e militar face a Castela: desde 1710-11, com a sua conquista e aniquilamento, e finalmente em 1762, com os episódios finais da Guerra de Sucessão, a praça apresentava-se absolutamente decadente e vulnerável. Por outro lado do ponto de vista económico e de alimentos, sem qualquer possibilidade de autonomia local, tão dependente dos fornecimentos internos, como dos externos, ilegal e de contrabando de Espanha, que tornava a praça tão ou mais dependente dos fornecimentos de Espanha como de Portugal, o que não abonavam as condições da sua defesa e primazia.
Em correlação com estes factos, correm os testemunhos sobre a decadência e o marasmo políticoadministrativo do governo e administração municipal de Miranda que não concorre para o desenvolvimento da terra. Numa queixa de 1762 refere-se que por má administração da camara, a cidade vive há 40 anos com falta de água, por incapacidade de acorrer às captações necessárias e à condução e distribuição de água à cidade.

A cidade e município mirandês sofreria mesmo a concorrência comercial de outros centros próximos tal como era o caso de Sendim, cuja feira, desde 1748, concorrenciava e diminuía os direitos alfandegários de Miranda. A estes factos acrescentavam-se mais as dificuldades de comunicação e circulação para o vasto território do Bispado que tornava a sua posição ainda mais excêntrica.

Estes eram aliás os termos mais explícitos que emergem do texto da representação do Bispo de Miranda dirigida ao Monarca a pedir a mudança da sede para Bragança, em que se diz textualmente: «Por achar-se a sua Igreja Cathedral na mais remotta e ultima povoação do Bispado, que hé a cidade de Miranda (hoje quaze toda destruída e pela sua situação indigna de reedificar-se) tendo o mesmo Bispado de extensão vinte e duas legoas, padecem os vassalos de V. Magestade custozos e contínuos detrimentos assim de fazenda, como de vida, além de ficar a mesma Miranda quaze impervia pelo fragozo das estradas, ser todo o seu termo infrutífero, a athé aos mesmos olhos áspera, agreste, medonha e não tendo em si acomodação algua para os pobres recorrentes, porque os seus habitantes se sustentam de alimentos conduzidos de Castella (…)».
Tal crescimento e papel central de Bragança, correlativo ao abatimento e secundarização políticomilitar e regional mirandesa, haveria de vir a convergir no que diz respeito a Bragança, com a política de centralização do Estado Pombalino, valorizando e concentrando o poder político nos pólos estrategicamente mais importantes. Esvaziado do seu conteúdo e papel político-militar, Miranda cederia progressivamente ao longo do século XVIII agora em absoluto a Bragança, no que diz respeito ao seu desenvolvimento e papel na construção de novas centralidades do novo poder regional em Portugal, de que a instituição e cabeça da Diocese era elemento importante.
Gif de sacerdoteMas a transferência da Diocese para Bragança e a construção de uma nova diocese, é uma estratégia que define e enquadra, em pleno, nos caminhos da política pombalina, no que diz respeito à construção do poder regalista do Estado, com base no apoio e conformação dos Bispos à sua política ou na sua secundarização e abatimento daqueles que se lhe opõem. Nestes casos, o caminho era a expulsão dos Bispos, a diminuição do seu poder, passando também pela diminuição das suas jurisdições e território.
Foi no essencial o que se passou aqui com Miranda, como aconteceu em outras dioceses, Porto, Coimbra, Évora.
Não se reduza porém esta acção pombalina ao campo político da afirmação do Poder Real, conjugando aí ambos os braços ou espadas do Poder, designadamente o temporal e o espiritual. Está presente também uma clara vontade de reforma moral e espiritual dos povos, inclusive uma ajuda do braço temporal ao eclesiástico e bispos para levar avante as reformas que a Coroa agora exigia.

Como é sabido o Pombalismo está claramente envolvido e apostado numa reforma da Igreja e das práticas do Catolicismo, particularmente daquelas instituições (sobretudo regulares) e daquelas práticas de piedade (sobretudo a popular e barroca) pouco consentâneas com as novas correntes reformistas de bases rigorístico/ascéticas e jansénicas que a Coroa propõe para a Igreja.

O Bispo D. Frei Aleixo de Miranda Henriques foi seguramente o «fac totum» mais talhado para esta tarefa na área do Bispado de Miranda. Com efeito, coubera-lhe já, em período de Sé Vacante, em Braga, entre 1754-1756 como Governador e Comissário de Pombal, aplicar aí na cidade dos Arcebispos, os novos instrumentos da intervenção pombalina na cidade, em especial o decreto da expulsão dos Jesuítas, que ele cumprirá e aplicará com todo o vigor e determinação, num meio profundamente hostil ao poder regalista, cioso das liberdades episcopais diocesanas e até citadinas.
Nomeado Bispo de Miranda, em 1759, logo publicará duas pastorais contra os Jesuítas (16 Fevereiro e 15 Dezembro de 1759). Por ele correrá o processo da entrega dos bens e rendas do Colégio do Santo Nome de Jesus, dos Jesuítas de Bragança, à Universidade. Ficou livre a Igreja cujo destino será o de acolher a sede da Sé Catedral da (nova) diocese, que ele certamente programava. Dir-se-ia que tudo foi conduzido desde 1759: chamada de Fr. Aleixo de Miranda, expulsão dos Jesuítas da cidade, libertação da Igreja, para nela vir a assentar o poder do Bispo e a sua Sé. De facto, como é corrente, o poder e a afirmação da jurisdição dos bispos regalistas, pró-pombalinos, corre de perto, por todo o lado, com o afastamento do poder e jurisdição dos Jesuítas seus concorrentes e dos Bispos seus opositores.

Assim aconteceu em Braga e noutras dioceses do País, assim viria a acontecer em Miranda.

Tal não quer dizer que não haja também da parte do poder real pombalino e dos bispos a ele fervorosamente aderentes, como é certamente o caso de Fr. Aleixo, a vontade da melhoria da administração religiosa, zelo pastoral e cristianização das populações, que era uma determinação efectiva.
E de facto, em abono do pouco zelo do Bispo de Miranda, em exercício ao tempo da reforma, refere-se expressamente, em 1761, que haveria «sette para outo annos que o Prelado de Miranda não tem vizitado o seu Bispado, que compreende quaze toda esta mesma comarca». Por outro lado vai expresso em alguns testemunhos, o fraco acatamento na Diocese de Miranda das ordens régias no passado, que na conjuntura e nova ordem Josefino-Pombalina são inaceitáveis, vindos de diversas partes, e em particular da ordem eclesiástica, regular e Ordinária (do Bispo). Em Miranda, pelos vistos, a emergência de litígios mais claros entre o poder e a ordem eclesiástico-diocesana e o poder real e dos seus magistrados régios territoriais, vem pelo menos de 1755. Desse ano é um testemunho de acusação feito pelo mais alto magistrado régio no território, o corregedor de Miranda António Luís Pargana, a propósito da protecção eclesiástica numa busca a um domicílio, de obstáculos à acção régia: «daqui colherá V. Magestade quam pouco respeito e attensão tem o Eclesiástico deste Bispado à jurisdição real, cujos desprezos tenho exposto a V. Magestade e viriam vezes sem resolução. E por isso cada vez mais absolutas no seu obrar.
Tal como o não fazerem caso dos Editaes que V. Magestade me mandou» (IAN/TT, 1755.03.13).
religiososA Diocese de Miranda era, pois, território a precisar de profundas reformas e redução à obediência.
Aliás contra Miranda militaria também o facto de não ter tido capacidade para instalar com o adequado desenvolvimento o Seminário, instituição essencial no quadro Moderno (pós-Tridentino) para dar corpo e instalar completamente uma Diocese.
Tal projecto pombalino teve certamente no Arcebispo nomeado em 1757, D. Frei Aleixo, o homem certo para tal tarefa. Ele viria, com efeito, a promover uma profunda a mudança da Diocese, iniciando uma acção eclesiástica e pastoral própria de um Bispo imbuído de um profundo espírito renovador e reformador, com a publicação de importantes pastorais, promovendo a publicação de um Regimento de Visitadores e ele próprio iniciando visitas pastorais que tinham caído em desuso ou no esquecimento. Por tal desempenho e acção política, viria certamente logo de seguida a ser elevado à dignidade de Bispo do Porto (1770).
São conhecidos os obstáculos colocados por Miranda a esta deslocação da sua Sé para Bragança.
Mas a vontade do Bispo e o apoio régio tornavam tal inevitável. Aliás algumas dignidades do Cabido de Miranda estavam profundamente condicionadas para qualquer oposição que pretendessem fazer forte, dada a dependência das principais dignidades, pelos seus benefícios, ao poder real. Lembre-se que à Coroa cabe pronunciar-se e dar seu consentimento à nomeação de Deão, do Chantre (que governa o Coro como regalia) e do Mestre-Escola e também de dois Magistrais e dois Doutorais (Memória Paroquial de Miranda).


continua...
in:repositorium.sdum.uminho.pt

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