quarta-feira, 17 de junho de 2015

2. HIDROGRAFIA. CURSOS DE ÁGUA. PONTES E MOINHOS

...continuação
2.1. Principais rios

O Inquérito dedica um dos seus três conjuntos de itens à descrição e conhecimento dos rios. São 20 questões pelas quais se procura saber o essencial sobre os rios que interessa então à composição do conhecimento das terras. Para além da identificação do rio, seu perfil e regime de águas, condições de navegação, atravessamentos, propriedades e equipamentos, entre outras questões, pretende saber dos usos e acessos do seu usufruto, perspectivado sem dúvida numa óptica de avaliação da sua importância para a economia e desenvolvimento dos povos e comunidades e regiões que agora se quer conhecer de modo mais completo e integrado.

No seu conjunto as respostas fornecem informações únicas para um conhecimento mais aprofundado da estrutura social e económica dos lugares e comunidades, ultrapassando a descrição sumária «esquelética» do passado. Por eles é possível conhecer os diversos níveis de utilização, acesso e repartição dos seus recursos, as pescas, os equipamentos instalados – moendas, pesqueiras – força motriz, direitos e barcos de passagem. Neles se estruturam em muitos casos direitos e receitas absolutamente estratégicas à realização dos ingressos e composição dos poderes e jurisdições particulares, senhoriais, mas também colectivos e comunitários (pelos direitos de pesca, de passagem). E eles são absolutamente essenciais à sustentabilidade e viabilidade destas economias e comunidades, designadamente pelo que diz respeito a dois domínios absolutamente vitais: a rega dos campos para pastos e cultivos, a alimentação do sistema moageiro. E naturalmente também ao seu contributo para o abastecimento alimentar das populações pela pesca que em alguns rios ganha um certo desenvolvimento autónomo. Bem como ao seu lugar na construção (ou bloqueio) à instalação da rede interna de comunicações por viação terrestre (maior ou menor presença de pontes e barcos de passagem) ou por navegação e navegabilidade dos rios.
Os Memorialistas de finais do século XVIII fixam o grande número de cursos de água que nascem ou se desenvolvem na Província. José António de Sá seguindo aqui directamente o inventário de J. B. de Castro  refere-se aos principais rios que regam a Província e infinitos regatos. Os mais consideráveis:
Angueira, Alpedrinha, Azibo, Beça, Corgo, Calvo, Douro, Fervença, Frio, Fresno, Lobo, Mação, Mente, Pinhão, Rabaçal, Sabor, Tâmega, Tinhela, Tua, Tuela, Vilariça, Velarva, Zacharias.
As Memórias Paroquiais permitirão, terra a terra, enumerar os diferentes cursos de água do mais robusto rio ao mais pequeno ribeiro ou regato. Mas também o desenho dos seus perfis e desenvolvimentos, regimes e caudais de água ao longo do ano. E deste modo atentar no seu contributo para a construção da rede hidrográfica e para o desenvolvimento e funcionamento da economia local e regional. E também perceber como, apesar dos muitos rios, sempre a Província padeceu de falta de águas, como é testemunho e referência comum.
2.2. As redes hidrográficas concelhias

No território do Concelho de Vinhais o curso de água por excelência que atravessa o concelho, o articula da Espanha ao Douro ou Foztua é o rio Tuela ou Tua. Em contrapartida com o que diz o memorialista de Mirandela, o rio leva o nome de Tuela correndo os concelhos de Vinhais e Torre de D. Chama; em Mirandela chama-se Tua (Memória de Mirandela). Numa extensão que enunciada pelos memorialistas de Vinhais do nascimento à foz dizem percorrer entre 19 e 30 léguas (Memória de Moimenta, Vinhais, Montouto, Cidões). Referindo-se ao seu percurso em território português, no dizer dos memorialistas de Mirandela percorrerá 20 léguas (Memória de Abambres) ou 25 léguas, seguindo as voltas do rio (Memória de Torre D. Chama). Dizem-no originário na Serra do Conde (ou do Conde de Benavente), Serra de Sanabria, Reino de Castela, de uma fonte chamada Golpelhos (Memória de Cidões) e num sítio chamado Tuela (Memória de Ervedosa) ou Senhora de Atuis de que toma o nome (Memória Torre de D. Chama). Desagua no rio Douro, em Foztua, junto a S. João da Pesqueira (Memória de Mirandela). De curso rápido, corre por desfiladeiros e vales profundos. As suas margens praticamente não são aproveitáveis para a agricultura, tirando arvores e matos e urzes silvestres, alguma vinha e oliveira, com excepção no território de Mirandela, onde suas margens «se cultivam e dão bom trigo, hortaliça, azeite e frutas» (Memória de Paçô).

Visto do horizonte dos memorialistas do Concelho de Mirandela o rio toma outra perspectiva, sobretudo nesta parte da sua secção. Aqui em Mirandela como noutras partes, ele é de «curso quieto, em partes capaz de barquear» (Memória de Mirandela). Poderia mesmo ser navegável por embarcações ligeiras desde Entre Ambas as Águas, por baixo de Chelas, onde entra o Rabaçal, até ao Douro, no espaço de nove léguas, isto se não o embaraçassem os muitos açudes, diz o memorialista de Mirandela.
Em Torre de D. Chama, tem uma barca de que se paga renda ao donatario (Memória de Guide).

A força da água é largamente utilizada para a indústria moageira, para azenhas e pisões. Tal é válido tanto para o Tua como para a restante rede hidrográfica do concelho. Os moinhos são «infinitos» refere a Memória de Vinhais, fixando a grande capacidade instalada. Mais objectivo o texto do pároco de Quiraz: «moinhos, cada povo tem para seu uso dois ou três, alguns do comum, e outros do particular». Mas em algumas paróquias por vezes enumeram-se em número bem maior, v.g., em Alvarelhos, para o percurso do rio das Trutas, sendo de compreender que os diferentes perfis possam levar à maior ou menor concentração em função dos sítios mais ou menos favoráveis ao acesso, condução das águas e instalações dos moinhos e também das azenhas. Registam-se também aqui e acolá pisões de panos grossos ou burel (4 em Agrochão). No território de Mirandela em algumas terras registam-se muitas azenhas: cinco rodas de moagem em Abambres, sete em Frechas, muitas em Abreiro e outras partes.
Diz-se também atravessado por múltiplas pontes de pau, pontões e pontilhões que satisfazem, certamente, necessidades e passagens mais circunscritas. E os memorialistas de Vinhais referem-se, sobre o rio Tua, às suas cinco grandes pontes de pedra, de boa arcaria e corta-mares. Três de cantaria: a de Moimenta (ao pé do lugar, o primeiro lugar de Portugal); a de Torre de Dona Chama, perto de D. Chama, também chamada a Ponte de Pedra, «formosa», toda de cantaria (Memória de Soeira); a de Mirandela com seus arcos de cantaria. E duas de alvenaria; uma junto à vila de Vinhais (a ponte da Ranca, feita haverá pouco mais de 20 anos (Memória da Torre D. Chama, Mirandela); a ponte de Soeira, ao pé do lugar de Soeira (Memória Cidões, Nunes, Ousilhão). A ponte de D. Chama vai mais largamente descrita na respectiva Memória e também na de S. Pedro Velho: «de cantaria com seis olhais com bastante grandeza, de largura e altura muito forte e bem feita, larga bastantemente que cabem dois carros carregados, e aparados, por ela francamente, tem guardas de ambas as partes, de uma ponta à outra oitavadas, bem lavradas, e muito fortes. Conta_se e se diz que é das melhores e mais bem feitas do Reino». A ponte de Mirandela, vai também descrita na respectiva Memória: «formosa e nobilissima ponte cujo comprimento consta de 1215 palmos e a largueza 17 e meio, lançada em dezanove arcos de sumptuosa e soberba arquitectura». Encontrava-se então decadente «porque o arco quasi mais principal aonde quasi o rio faz a maior força, está quasi arruinado, de sorte que já não passam carros por ter caído já a maior parte da pedraria e apenas passa uma besta carregada». Isto com grande prejuízo, porque por ela passam «todos os comerciantes que vem de Vila Real, Braga, Viana, Chaves, Bragança, Miranda, Castela, Galiza e outras mais terras porque as que mais tem o rio Tua ficam muito distantes».

Mas também referências a barcas de passagem no Tua: a barca no sítio do Soutelinho (Memoria de Ousilhão, Cidões), e também no rio Rabaçal, duas barcas, a de Barreiros e Sonim (Memória de Lordelo).

O Tua ou Tuela recebe por seu lado outros cursos de água, alguns deles importantes: o rio Rabaçal, o rio Baceiro, o rio d’Anta, o rio Nuzelos, a ribeira das Trutas e o ribeiro de Cabreiro. O rio Rabaçal tem também seu nascimento na Galiza, na Portela do Conde (de Benavente), em Vila Nova da Serra (Memória de Lordelo e Espinhoso). Vai desaguar ao Tua, em Vale de Telhas (Mirandela) onde há uma ponte de cantaria, dita de Vale de Telhas. É uma ponte de pedra, bem lavrada, no sítio da Quinta da Barca anexa a Vale de Telhas (Memória de Bouça, Mirandela). Tem de extensão dez ou doze léguas (Memória Vale de Telhas, concelho de Mirandela). Recebe diversos rios e ribeiros: rio Castromil, rio Mente, rio
Fragoso, rio de Ribas e rio Pequeno. No rio Rabaçal contam-se pelo menos mais três pontes de pau.


O rio Mente tem também a sua origem na Galiza, onde nasce cerca do lugar de S. Lourenço. Desenvolve-se por um percurso de sete léguas, incluindo o percurso com o Rabaçal (Memória de Quiraz). De Castela vem também a ribeira d’Anta (do Monte de Rechouso); o rio Pequeno que se lança no Rabaçal (Memória de S. Jomil); o rio Baceiro com origem junto a Teixeira e se lança no Tua, em Soeira depois de um percurso de quatro léguas (Memória de Soeira). O rio ou ribeiro das Trutas, nasce na serra da Coroa, em Travanca, recebe o ribeiro de Salgueiros e lança-se no Tua em Vale da Silva, Quinta da Ribeirinha. Rio a desenvolver-se por três léguas, nele registam-se trinta moinhos, um pisão, cinco pontes de pau (Memória de Alvarelhos). O rio de Nuzelos ou ribeira da Torre que nasce na serra de Sanabria, no fim de um percurso de sete léguas, entra no Tua, por baixo de Guide. Tem uma ponte de pau e a Ponte de Vilares, com três olhais «alta bastantemente, está firme em fragas. O olhal do meio é por onde passa a água toda».
Tem o rio alguns pisões «de pisar panos de picote, para os lavradores de tratos rústicos» (Memória de Torre de D. Chama). A ribeira de Negreda que nasce na Serra da Nogueira, recebe a ribeira da Mós e lança-se no rio Tua. Nele regista-se uma ponte de cantaria: a ponte de Vilares e quatro pontes de pau também com muitos moinhos (Memória de Agrochão). No território do concelho de Mirandela o Tua recebe a ribeira de Vilares, ao pé de Guide, a ribeira de Lobos que nasce na Serra de Bornes, com cerca de três léguas de extensão e com uma ponte de alvenaria de dois arcos; a ribeira de Mercê que nasce junto dos lugares de Vale de Prados e Castelões; a ribeira de Alvites ou rio de Vides que nasce na Serra de Ala e desagua no rio de Cortiços (Memória Alvites); o rio Castrelos que nasce em Bragança.
continua...

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1 comentário:

  1. Como os rios nos podem dar testemunhos importantes para a compreensão da nossa evolução económica e societal.

    Era sabido que as populações se costumavam fixar junto aos rios para aproveitamento de um recurso vital e, claro, para a agricultura. Fiquei mais esclarecido quanto à informação que estes nos podem dar!!!.

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