sábado, 7 de abril de 2012

Livro - Do teatro popular, às mouras transmontanas e aos rituais da Semana Santa


Lendas durienses, mitos das mouras mortas em Trás-os-Montes, o teatro popular, a cultura da memória em aldeias transmontanas, os rituais cristãos e pagãos no Natal, no Entrudo e na Semana Santa. «Antropologia da Comunicação - Ritos, Mitos, Mitologias», o novo livro de Alexandre Parafita, docente na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), aborda as manifestações da memória oral no seio das comunidades que a mantêm viva.
Para Alexandre Parafita importa entender «o que vale realmente este património», na convicção de que «sem o aconchego da identidade e da memória, sem um quadro de referências sólidas e respeitáveis», as novas gerações «viverão dramaticamente desamparadas num mundo global complexo e num mundo de errâncias depressivas e angustiantes».
Nesse sentido, o autor caracteriza a obra «Antropologia da Comunicação - Ritos, Mitos, Mitologias» como um trabalho que procura apresentar uma visão antropológica das atitudes e comportamentos rituais com potencial comunicativo na sociedade e nas comunidades. 
Daí que nele se aborde «a obsessão do homem, desde há milénios, pela busca imparável de meios de comunicação até chegar à realidade complexa dos mass media e redes sociais dos dias de hoje». 
«Reflecte-se também sobre as formas e modelos de comunicação entre entidades terrenas e sobrenaturais, bem como sobre a vocacional comunicacional dos mitos e seus ritos, sobre as mensagens simbólicas do mundo lendário, dos romanceiros e de outros textos da tradição oral, incluindo a educação sexual presente no folclore obsceno», explica o docente da UTAD. 
A obra, reforça o também investigador, aborda, de uma maneira geral, o património cultural imaterial no seu contexto de uso no seio das comunidades, «com uma incidência interpretativa num conjunto representativo de exemplos».
E nesses exemplos encontram-se os mitos e lendas da região do Douro, os mitos das mouras mortas em Trás-os-Montes, o teatro popular, a iconologia sexual e diabólica nas paredes das igrejas, a cultura da memória em pequenas aldeias transmontanas, os rituais cristãos e pagãos no Natal, no Entrudo e na Semana Santa, o uso contextualizado dos contos populares, incluindo os contos de fadas.
A intenção do professor universitário, como o próprio sublinha, passou pela necessidade de «apresentar e avaliar, no seu contexto de uso, os esforços de comunicação ao longo da vida do homem, apresentando paralelismos entre o mundo actual, mass-mediático, e o universo comunicacional, intemporal, da arte da memória». 
E dá o exemplo dos velhos romanceiros e de «como neles encontramos a génese de toda a lógica dos media dos dias de hoje». 
«Criados pelos jograis no séc. XIV, através deles fixavam e difundiam na oralidade os sucessos históricos, os escândalos e as especulações de natureza passional da época, pelo que, na sua origem, estilo e formas de narratividade encontramos, claramente, paralelo com algumas das modalidades jornalísticas dos tempos modernos, relembra Alexandre Parafita. 
Para Alexandre Parafita, no mínimo, «é preciso identificar, inventariar, demonstrar e estudar» o património imaterial. «E dar aos museus do território condições humanas e técnicas para intervirem, mas para intervirem cuidando da genuinidade das tradições. Sem contaminações, ou aculturações», defende. 
Porque como vinca, «só assim as novas gerações encontrarão significado nas tradições e poderão sentir-se seduzidas pelo impulso identitário que elas representam». «Sem o aconchego da identidade e da memória, sem um quadro de referências sólidas e respeitáveis, as novas gerações viverão dramaticamente desamparadas num mundo global complexo, sobrevivendo num mundo de errâncias depressivas e angustiantes», argumenta. 
«Há cada vez menos lugar para os guardiões de memória»:
O especialista em literatura tradicional refere que tem encontrado um país dominado pela «celeridade da vida moderna, onde há cada vez menos lugar para os guardiões da memória e para o convívio com eles». 
E confessa: «Inquieta-me também o abandono da vida rural e especialmente o desaparecimento das franjas da população que se têm assumido como guardiões da nossa cultura imaterial profunda. Muitos desses intérpretes, pessoas bastante idosas, vou procurá-los em lares de terceira idade e irão levar com eles, quando partirem de vez, o saber e o conhecimento que trouxeram das gerações precedentes». 
Visivelmente triste por ser esta a realidade do património imaterial no nosso país, Alexandre Parafita confessa que, às vezes, sente-se «recompensado por ver que vou conseguindo atingir alguns dos objectivos que persigo». 
«Outras vezes sinto-me extremamente frustrado por ver essas bibliotecas vivas mas decadentes a desaparecerem irremediavelmente, sem que haja, de quem de direito, uma vontade sistemática, assumida, em salvaguardar os seus testemunhos para memória futura», conclui o autor de “Antropologia da Comunicação – Ritos, Mitos, Mitologias”.


Ana Clara
in:cafeportugal.net

Sem comentários:

Enviar um comentário