sexta-feira, 27 de abril de 2012

Os 38 anos do 25 de Abril - A crise da liberdade ou a crise em liberdade


Fomos à procura de “algum povo” para sabermos o que pensa sobre a sua liberdade, sobre a Revolução que faz anos, a crise que oprime as carteiras, ou talvez não só as carteiras
A Revolução do 25 de Abril de 1974, que leva também o nome de uma flor (Revolução dos Cravos), está prestes a entrar na meia idade e, esta altura de crise económica e de depressão que está a atingir muitos indivíduos da sociedade portuguesa (recorde-se uma recente notícia divulgada a nível nacional de que esta se tornou a principal causa de morte “não natural”, ultrapassando a morte causada por acidentes rodoviários, e uma outra que diz que os portugueses são dos maiores consumidores de anti-depressivos da União Europeia, mesmo que os especialistas não apontem a crise como a causa dessa “depressão”, directamente, até porque seria necessário um estudo aprofundado), poderá levar-nos a questionar essa promessa de Abril de que povo seria livre e, consequentemente, mais feliz e de que as diferenças económicas entre ricos e pobres tenderiam a esbater-se, criando uma sociedade com uma classe média cujos filhos iriam estudar, formar-se, ser “melhores”.
Será que o povo se sente livre? Será que é a crise que está a sufocar as “almas”? Apesar de, talvez, só agora, nos lembremos de colocar a questão, o livro "Portugal, Hoje - O Medo de Existir", de José Gil, traça já o diagnóstico de uma sociedade longe de estar liberta, da pena que a marcou, “no próprio corpo”, se, neste humilde texto, pudermos aludir a Kafka ("A Colónia Penal").
Se perguntarmos aos partidos que não estão no poder a resposta é que as promessas de Abril estão a ser gravemente comprometidas ou mesmo erradicadas. Se perguntarmos aos do poder vão dizer-nos, como nos lembra a canção do José Mário Branco, aquando da primeira intervenção do FMI em Portugal, na década de 80, logo após a Revolução, de que é preciso sofrer agora para colher os frutos do esforço colectivo e individual, depois. Ou então emigrar, como, aliás, tem sido a opção de muitos jovens portugueses nos últimos anos. Só as estatísticas dirão o nível e consequências dessa nova vaga de emigração.
Entre o povo há já quem fale na necessidade de uma “nova revolução” e não é nenhum jovem sindicalista. À beira da ponte de Varge, num domingo solarengo, três amigos acedem, com amabilidade, a falar connosco. Domingos Beça, 63 anos, operário e trabalhador da construção civil reformado, revelou-se desconte-te com o corte nos subsídios, queixou-se das dificuldades da vida, revelou-se contra a discriminação “negativa” de que são alvo funcionários públicos, como a sua mulher e... No entanto, confirmou que a vida desde a Revolução mudou “100 por cento”. O problema é que “primeiro mudou para melhor, mas agora estamos a ficar ainda pior. Você já viu o que nos está a fazer o nosso Estado? Estou reformado, com 300 euros, o que faço com 300 euros?” Por isso, não descartou a ideia, entre um sorriso, de uma nova “Revolução”, mas daquelas que fizessem “justiça” a uma vida de trabalho. “Tinha de superior a essa, porque os grandes enchem os bolsos e nós, os desgraçados, continuamos a pagar”.
Na altura em que se deu o 25 de Abril Domingos ficou muito feliz. Era um soldado a combater na Guiné. “No dia seguinte arrancámos logo”, contou, acrescentando que o mesmo não aconteceu, de imediato, com os que estavam na Guerra em Angola e Moçambique.
Francisco Parreiras, 81 anos, guarda-fiscal reformado, não nota grandes diferenças, tirando que agora o “dinheiro não vale”. “Como tenhamos saúde vivemos bem. Eu tanto vivo naquela altura como agora. Naquela altura valia o dinheiro e agora não vale nada”. Além disso disse-nos que agora ainda lhe descontam mais da reforma do que antes e que a Revolução “não valeu a pena”.
Abel Almeida, de 80 anos, trabalhador da construção e agricultor a meio-tempo, reformado, dá um toque mais alegre à conversa. Pelo menos, agora, diz-nos, “pode-se falar à vontade”. No entanto, com uma reforma de 240 euros, o IVA a aumentar e os gastos com luz e água “que antes não havia nas casas”, apesar de livre, “ao fim do mês fica agente despido”.
Em outra aldeia, Guadramil, João Matias, de 85 anos, agricultor reformado, apesar da crise de agora, disse-nos que esta “ainda não é tão grande como era antes do 25 de Abril”. Além de não se poder falar, “antes as pessoas viviam pior do que agora. O povo tem liberdade e a não querer o país sempre está um bocadinho melhor, mais modernizado”. Antes, além de haver quem passasse muita fome, não havia televisões, nem rádios e as pessoas viviam isoladas, sem conhecerem nada do que acontecia no mundo, referiu, acrescentando que de política percebe pouco e que não gosta das “politiquices” que vê na televisão. Mais do que isso, falou-nos que, a nível de higiene, nem se pode comparar, o que era antes e é agora, pelo menos por enquanto, apesar do preço da agua e da luz. “Só quem viveu naquela altura e vive agora é que nota a grande diferença”, referiu.
Numa zona de fronteira, por onde passaram muitas pessoas a fugir de qualquer coisa, João Matias conheceu gente que foi presa e gente que frequentou a casa do seu pai, conhecida como anti-regime. “Eram presas porque tinham as suas ideias e eram contra o regime fascista. Não era porque fossem maus homens, ou coisa parecida. Havia gente que era comunista e era boa gente”, explicou. Não sabe se Artur Mirandela era ou não comunista, mas sabe que era contra o regime e lembra-se de o conhecer, em casa do pai, onde tratava de encontrar modos de salvar perseguidos, sobretudo os da Guerra Civil Espanhola.
Na mesma aldeia, Ana Maria, de 73 anos, não tem uma visão tão optimista, porque quem trabalhava sem obter muito proveito, como os agricultores, continua na mesma situação. Tanto que “já não há quem trabalhe” e os campos estão ao abandono. Se “antigamente era pior, porque havia muita gente e pouco que comer”, pelo menos nessa altura os pobres “não roubavam, dormiam debaixo das varandas, mas as portas das casas continuavam abertas. Havia muita pobreza. Agora não há tanta pobreza, mas roubam em todos os sítios e matam as pessoas”, revelou, indignada. Além disso, considera bem que toda a gente agora saiba ler e escrever, mas lamenta as escola que fecham, por não haver crianças nem dinheiro para as criar.
Na cidade, Maria, funcionária pública, 44 anos, disse-nos que não se sente livre, nem de falar. “Não tenho o dinheiro que preciso nem posso dizer tudo aquilo que penso”, afirmou, acrescentando que “só quem tem dinheiro é que pode dizer tudo aquilo que pensa. Quem não tem continua a ser escravo, com liberdade”, ironizou. Apesar disso considera que, de quatro em quatro anos, “é bom mudar, pelo menos temos sempre a ilusão de que vai ser melhor. Continuamos a ter a ilusão, mas depois continua tudo na mesma”.
Tudo na mesma, em relação ao que foi a geração de crianças que cresceu nos anos logo após 1974 não ficou. Disso ninguém dúvida. Ana, de 13 anos, em pleno século XXI, estudante, dá-nos a resposta contundente dos que, amanhã, não querem ser excluídos, porque, afinal, a democracia não basta, e agora, com a crise e tudo o que vê na televisão, sente que “tem mais responsabilidades” e essas responsabilidades são estudar. Perguntamos-lhe se tem de estudar muito e qual a razão e a resposta surge contundente: “Tenho, para conseguir trabalho”. A jovem sabe já que não basta estudar, tem de estudar muito e falar e escrever inglês na perfeição, porque, a vida segue, independentemente dos nomes dos regimes, a inexorável lei da natureza. Ou não?


Por: Ana Preto
in:mdb.pt

Sem comentários:

Enviar um comentário