domingo, 22 de abril de 2012

Pablo Neruda


Hoje deitei-me junto a uma jovem pura 
como se na margem de um oceano branco, 
como se no centro de uma ardente estrela 
de lento espaço. 

Do seu olhar largamente verde 
a luz caía como uma água seca, 
em transparentes e profundos círculos 
de fresca força. 

Seu peito como um fogo de duas chamas 
ardía em duas regiões levantado, 
e num duplo rio chegava a seus pés, 
grandes e claros. 

Um clima de ouro madrugava apenas 
as diurnas longitudes do seu corpo 
enchendo-o de frutas extendidas 
e oculto fogo.
--------------------------------------------------------------------------------
Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas, 
do meu cabelo e até da minha sombra. 
Acontece que me canso de ser homem. 

Todavia, seria delicioso 
assustar um notário com um lírio cortado 
ou matar uma freira com um soco na orelha. 
Seria belo 
ir pelas ruas com uma faca verde 
e aos gritos até morrer de frio. 

Passeio calmamente, com olhos, com sapatos, 
com fúria e esquecimento, 
passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas, 
e pátios onde há roupa pendurada num arame: 
cuecas, toalhas e camisas que choram 
lentas lágrimas sórdidas.
--------------------------------------------------------------------------------
É assim que te quero, amor, 
assim, amor, é que eu gosto de ti, 
tal como te vestes 
e como arranjas 
os cabelos e como 
a tua boca sorri, 
ágil como a água 
da fonte sobre as pedras puras, 
é assim que te quero, amada, 
Ao pão não peço que me ensine, 
mas antes que não me falte 
em cada dia que passa. 
Da luz nada sei, nem donde 
vem nem para onde vai, 
apenas quero que a luz alumie, 
e também não peço à noite explicações, 
espero-a e envolve-me, 
e assim tu pão e luz 
e sombra és. 
Chegastes à minha vida 
com o que trazias, 
feita 
de luz e pão e sombra, eu te esperava, 
e é assim que preciso de ti, 
assim que te amo, 
e os que amanhã quiserem ouvir 
o que não lhes direi, que o leiam aqui 
e retrocedam hoje porque é cedo 
para tais argumentos. 
Amanhã dar-lhes-emos apenas 
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha 
que há-de cair sobre a terra 
como se a tivessem produzido os nosso lábios, 
como um beijo caído 
das nossas alturas invencíveis 
para mostrar o fogo e a ternura 
de um amor verdadeiro.
--------------------------------------------------------------------------------
Tu eras também uma pequena folha 
que tremia no meu peito. 
O vento da vida pôs-te ali. 
A princípio não te vi: não soube 
que ias comigo, 
até que as tuas raízes 
atravessaram o meu peito, 
se uniram aos fios do meu sangue, 
falaram pela minha boca, 
floresceram comigo.
--------------------------------------------------------------------------------
Dois amantes felizes não têm fim nem morte, 
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem, 
são eternos como é a natureza.
--------------------------------------------------------------------------------
Não te quero senão porque te quero, 
e de querer-te a não te querer chego, 
e de esperar-te quando não te espero, 
passa o meu coração do frio ao fogo. 
Quero-te só porque a ti te quero, 
Odeio-te sem fim e odiando te rogo, 
e a medida do meu amor viajante, 
é não te ver e amar-te, 
como um cego. 

Tal vez consumirá a luz de Janeiro, 
seu raio cruel meu coração inteiro, 
roubando-me a chave do sossego, 
nesta história só eu me morro, 
e morrerei de amor porque te quero, 
porque te quero amor, 
a sangue e fogo.
--------------------------------------------------------------------------------
Nega-me o pão, o ar, 
a luz, a primavera, 
mas nunca o teu riso, 
porque então morreria.
--------------------------------------------------------------------------------
Quando não posso contemplar teu rosto, 
contemplo os teus pés. 

Teus pés de osso arqueado, 
teus pequenos pés duros. 

Eu sei que te sustentam 
e que teu doce peso 
sobre eles se ergue. 

Tua cintura e teus seios, 
a duplicada purpura 
dos teus mamilos, 
a caixa dos teus olhos 
que há pouo levantaram voo, 
a larga boca de fruta, 
tua rubra cabeleira, 
pequena torre minha. 

Mas se amo os teus pés 
é só porque andaram 
sobre a terra e sobre 
o vento e sobre a água, 
até me encontrarem. 
--------------------------------------------------------------------------------
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada, 
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe". 
O vento da noite gira no céu e canta. 

Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Eu amei-a e por vezes ela também me amou. 
Em noites como esta tive-a em meus braços. 
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito. 

Ela amou-me, por vezes eu também a amava. 
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos. 
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi. 

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. 
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. 
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la. 
A noite está estrelada e ela não está comigo. 

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. 
A minha alma não se contenta com havê-la perdido. 
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a. 
O meu coração procura-a, ela não está comigo. 

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores. 
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos. 
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei. 
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido. 

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. 
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos. 
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda. 
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento. 

Porque em noites como esta tive-a em meus braços, 
a minha alma não se contenta por havê-la perdido. 
Embora seja a última dor que ela me causa, 
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

in:astormentas.com

Sem comentários:

Enviar um comentário