sexta-feira, 13 de abril de 2012

Pluviosidade e Vegetação Natural na Região Transmontana

...continuação
NAS MEMÓRIAS PAROQUIAIS DE 1758
1.3. Pluviosidade
Um dos principais elementos do clima é a baixa pluviosidade média da região que dá a algumas paisagens um tom de secura e aridez assinaláveis. As montanhas do Alvão e Marão travam a passagem dos ventos marítimos por um lado, por outro, a forte incidência dos ventos vindos de Espanha e continentais (Serra de Sanabria) – Travessias e Nordestes – condicionam fortemente os níveis de precipitação atmosférica da região transmontana, fazendo o território integrar a chamada Ibéria Seca.
O ano em que se escrevem as Memórias sucede-se a dois anos de extraordinária secura, que foram os de 1756 e 1757. Tal facto certamente condiciona algumas passagens das descrições, ao fazer acentuar o tonus geral de secura de que algumas regiões são particularmente sensíveis, mas também descrição de caudais e regime de águas dos rios, aridez dos solos e até referências mais extensivas à vegetação, em especial à dos montes, rios e ribeiras.

A referência à extraordinária seca de 1756 e 1757 vai feita para algumas memórias de Bragança: por virtude dela «chegaram rios caudalosos nestas montanhas (da região
de Bragança) a não moerem nelas os moinhos, como foi o Sabor e o Barreiro, «vinham moer ao Tua de 14 legoas de distância…» (Memória de Bragança, concelho de Bragança). Os efeitos foram bem visíveis: fomes por falta de pão de moendas; subida de preços e carestias, incluindo forte incidência de mortalidade. Para garantir o pão dos soldados da Praça foi necessário colocar sentinelas em alguns moinhos do Barreiro e Tua (Memória de Bragança, concelho de Bragança). A seca foi de tal ordem que em Peredo de Bemposta, concelho de Mogadouro, «secaram as poucas oliveiras que havia, as quais se secaram na era de 1756».
A tradição e prática religiosa de particulares invocações, devoções e preces para «chamamentos» e «rogações» das chuvas, que certamente aquela última seca, avivou e movimentou, leva alguns párocos a fixar as particulares devoções dirigidas à rogação das chuvas em anos críticos.

No concelho de Macedo de Cavaleiros o memorialista de Olmos, refere-se à imagem e milagres de Cristo Crucificado que está numa capela da igreja matriz da freguesia «quando há esterilidade d’água, se muda a santa imagem para a capela da Senhora de Balsemão, termo de Chacim, que dista mais de meia légua, com uma grande concorrência de freguesias e fiéis e passados nove dias, que ali fica em novena, se torna a levar com o mesmo concurso e decência à sua capela». No concelho de Miranda, em Sendim, a imagem de Cristo Crucificado, muito antiga, «é tão milagrosa … que jamais se desceu do altar para fazer água, que não concedesse tudo quanto se lhe pediu». No concelho de Vimioso, em Algoso, recorre-se à imagem de Nossa Senhora da Assunção ou do Castelo «de quem muitos se valem em suas necessidades, assim os moradores desta freguesia como o das vizinhas, principalmente na falta de água».
No concelho de Mogadouro, na freguesia de Azinhoso, a Nossa Senhora da Natividade «ainda hoje nas ocasiões de falta de águas para os temporãos (isto é, para os frutos temporãos) há preces públicas a Deus».
Em Macedo do Peso «a relíquia do Santo Lenho, obrando Deus por ela evidentes milagres como é converter em água carregadas nuvens de pedra e saraiva». Mas também vai referenciado para a protecção às culturas contra pragas com relação directa com certos elementos e situações climáticas: S. Pedro em Sendim na extinção do pulgão do vinho, e em Sendim, S. Brás, em procissão às searas, na extinção do gafanhoto (Memória de Sendim, concelho de Miranda).
1.4. Vegetação natural

No que diz respeito à distribuição nacional das grandes espécies, a Trás-os-Montes correspondem as mais elevadas concentrações de castanheiro, carvalho negral, algum carvalho português e alguma oliveira. Esta, tal como a amendoeira, tem elevadas taxas de concentração e desenvolvimento nos concelhos com territórios integrados na Terra Quente do Alto Douro.
As Memórias Paroquiais quando respondem ao item sobre as serras e rios, frequentes vezes
referem-se à vegetação mais abundante em cada um destes espaços. A exploração sistemática desses dados permitirá correlacionar a presença e distribuição dos diferentes tipos de vegetação das serras e dos rios com os elementos do clima aí dominantes, bem como com a natureza dos solos. A correlação da distribuição dessas culturas e vegetação, com o regime sócio-comunitario ou administrativo/concelhio de utilização dos solos e montes e das práticas florestais e de aproveitamento de outros recursos, tem que ser procurado noutras fontes, porque em geral as Memórias Paroquiais mal se referem a esses aspectos da «política» florestal e agrária dos montes e florestas. Este é um ponto central pela importância que os montes têm no equilíbrio e sustentabilidade destes eco-sistemas agrários-sociais de Antigo Regime e em particular em Trás-os-Montes. Aqui, de facto, os montes e serras são «campo» de grande extensão de culturas cerealíferas, trigo, centeio, cevada, certamente nalguns casos milhos miúdos. E também de algumas importantes espécies arbustivas produtoras de lenha, mas também de frutos – a castanha, a azeitona, a amêndoa, sobretudo – e de produção de sirgo para a indústria da seda, a amoreira, o cânhamo, o sumagre para a indústria dos curtumes, a urze e a giesta para o carvão. É sabido como nestas culturas constituem as comunidades importantes rendimentos e os concelhos constituem igualmente fontes de receita assentes nos arrendamentos dos campos e prados e nos foros dos baldios e arvoredos.
Uma sondagem geral às informações fornecidas pelas Memórias Paroquiais permite desde logo um primeira aproximação ao mapa das principais espécies e conjuntos de vegetação natural existente nesta parte do território transmontano e duriense. A sua exploração sistemática, técnico-científica, pode revelar-se um instrumento essencial ao estudo das espécies hoje existentes, e por eles um contributo para o trabalho de preservação e conservação das espécies mais correntes e em via de extinção. E fixar os caminhos – com ou sem retorno – da evolução e alteração da paisagem fitogeográfica de meados do século XVIII até à contemporaneidade, sob o impacto da revolução agrícola industrial do século XIX e da moderna revolução técnico-biológica. A multiplicidade de espécies documentadas nestas Memórias permitirá, inclusive, fixar nas principais sub-regiões geográficas a sua identificação e articulação com o mapa da vegetação dominante (domínio fitogeográfico) em termos históricos, designadamente testar as mais recentes propostas de fixação dos mapas destas principais sub-regiões em que se insere a Província transmontana e suas espécies dominantes: a sub-atlântica do Baixo Corgo e Baixo Tâmega; do oroatlântico galaico-minhoto (do Alvão/Marão e Terra Fria Barrosã); do pirenaico-cantábrico ou leonês da Terra Fria Bragançana; do ibero-mediterrânico Bragançano-Mirandês, do meso-mediterrânico da Terra
Quente Transmontana-Duriense.
Na impossibilidade de aqui fazer essa arrumação que a agregação das Memórias Paroquiais permite, elencam-se as principais referências contidas nestes textos que vão particularmente descritos e enumerados na parte dos Inquéritos, correspondentes às serras e aos rios para toda esta região de Trás-os- Montes oriental:
a) Espécies florestais ou arbóreas: álamos (álamos pretos e brancos), amoreira (muitas vezes fixada como moreira), amendoeira, aveleira, carvalho (ou carvalheira), castanheiro, cerejeira (cerdeira, cerdeira brava, ginja, gingeira), figueira, macieira, negrilhas, oliveira (oliveira que se enxerta em zambujas), pereira, pessegueiro, pinheiro (pinheiro bravo), sobreiro/sobereiro, vidoeiro, zambujo.
b) Espécies da floresta arbustiva (ou matos): alecrim ou alegrim, anzinho ou carrasco, carqueja, carrasco, cornalheira, esteva, giesta, mato (mato silvestre, mato que consta de sargaço), piorneiro («mato a que chamam piorneiro»), queiroga. Mas certamente é possível localizar nelas referências a rosmaninho ou rasmerino, sargoaço ou sargaço – «mato que consta de chargaço» –, tojo, torga, urze, retames (associados à urze, esteva e giesta).
c) Espécies das orlas ribeirinhas: amieiro, bucheiro, choupo, freixo ou freixieiro,
lodão/lodoeiro/lodões, salgueiro, ulmeiro.
d) Espécies da flora pratense (prados de montanha): erva, ervanço, esteva, feno.
e) Ervas medicinais: alvasa, baterina, «funcho» ou «piolho», erva («alçar, arçã), lírio, tamargueira, tamariz, violeta, zinho/zimbreira («que dá uma baga de cor vermelha, a qual tem virtude para achaques da pedra»).
E em algumas daquelas sub-regiões e no conjunto do território é ainda possível atentar na
importância específica e das culturas hortícolas, para além da frutícola – com grande relevo na Terra Quente – do figo, da amendoeira, da avelã – e nalguns naceiros de ribeiros, como é o caso de Vilariça, do feijão, do melão, da melancia. E nas serras em geral, do nabo e da batata.


in:repositorium.sdum.uminho.pt
continua...

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