sábado, 20 de junho de 2015

CULTURAS NAS SERRAS de Trás-os-Montes

Em Trás-os-Montes, no território desta região brigantina, as culturas agrícolas desenvolvem-se sem descontinuidades entre os campos e as serras. Terras de dominância das culturas de sequeiro – centeio, trigo e também cevada –, os contrastes entre diferentes níveis de desenvolvimento e expansão das culturas decorrem tão só das diferentes condições climatéricas e agrofísicas presentes em cada um daqueles espaços. À medida que se progride em altitude e em clima mais extremo, os terrenos se tornam particularmente íngremes e declinosos e o solo se torna mais estéril, rareiam ou desaparecem as culturas agrícolas e vão restando tão só as espécies mais resistentes. É por isso que na continuidade das culturas do campo, as serras são locais de cultivo da generalidade das culturas cerealíferas e pelo acentuar daqueles condicionalismos mais gerais, ao espaço serrano vão-se reservando às culturas menos exigentes.
O centeio torna-se sempre a cultura dominante, muitas vezes exclusiva. E a serra pode inclusive acolher, quando o regime de águas o permite, culturas que delas são mais largamente subsidiárias, os linhos (Memória de Ferradoza, Alfândega da Fé) e os pastos, também chamados prados ou regadas (Memórias de Olmos, Macedo de Cavaleiros, Serras de Chacim e Bornes) que produzem erva – ou feno – mas raramente o milho grosso porque este tem outras condições específicas de irrigação.
Em serras como a de Montemel (Memória de Castro Vicente, Mogadouro) colhe-se pão em abundância, cultiva-se «muito e boa seda e castanha» e muito linho «por serem os chãos regados com a água que desce da serra», refere-se.
A continuidade que se verifica entre culturas, não se verifica porém ao nível das técnicas de cultivo, no campo e na serra. Essa ruptura vai expressa pelo memorialista de Romeu (concelho de Mirandela) quando refere que o centeio que se cultiva faz-se com «arado e enxada» para distinguir do tipo das culturas ocasionais de monte, sem recurso àquelas tecnologias próprias de um investimento e cultura mais exigente. E noutra Memória (Memória de Vilares de Vilariça, concelho de Alfândega da Fé) não deixa de se referir que nestas culturas de monte não se utiliza o esterco. Trata-se pois de uma cultura menos intensiva a recorrer naturalmente à utilização de mais terrenos, com descanso ou pousio da terra de 2, 3, 4 e mais anos.
A utilização das serras para cultivo pode pois variar nos limites da serra totalmente incultivada, de outras todas tomadas pelos cultivos de cereais, de vinha, de oliveira, de amoreira, de castanheiro, de linho, das arvores de fruto, como se recolhem muitos testemunhos entre aqueles extremos. De modo que naturalmente em correlação com tal regime de exploração e cultura, a propriedade das serras é também muito variada: os terrenos particulares, os domínios dos povos, os domínios senhoriais e/ou dos concelhos.

Em Macedo de Cavaleiros, na paróquia de Chacim (serra de Montemel) o senhorio negociou e cedeu mesmo o direito foraleiro do oitavo do que nele se lavrasse. Muitos concelhos são proprietários de prados e terras que arrendam e nelas constituem importantes rendimentos próprios camarários. José A. de Sá refere-se largamente ao foro pago pelas arvores ao senhorio/município pela sua plantação em território que é suposto pertencer-lhe. Mas a expressão talvez maior desta continuidade e também contemporaneidade de fixação, valorização e ocupação territorial entre campos e serras é o facto de que as culturas das serras estarem também sujeitas ao pagamento do dízimo à igreja.
Testemunhos coevos referem_se, nalguns territórios, à enorme pressão dos baldios. José António de Sá evoca os levantamentos dos povos pelos anos 1783-1785 contra os assaltos dos particulares na apropriação dos baldios, em prejuízo dos povos e dos concelhos e desrespeitando toda a legalidade e procedimentos no processo de uso e sua apropriação. Em prol do fomento da cultura dos linhos cânhamos, por toda a Província, e em particular nos territórios da Vilariça (Moncorvo), mas também nas ribanceiras dos rios em diversas partes, as baixas do Sabor, as veigas de Chaves e Mirandela, defende o maior aproveitamento e arroteamento dos baldios particulares e concelhios, fazendo cumprir a melhor legislação portuguesa que promove a cultura dos incultos (lei dos aforamentos e das sesmarias), como propondo isenções de rendas, foros e direitos por 10 anos a quem arrotear terras incultas e sorteamento dos terrenos entre os povos para a sua cultura.
Por outro lado poder-se-iam mobilizar as rendas dos arrendamentos dos baldios para a constituição de Depósitos de pão – que ao modo de Celeiro Público – contribuiriam para remediar os lavradores pobres em pão e sementes que na colheita seguinte o tornariam a restituir, escapando assim às usuras e opressões dos rendeiros. Instituição que existia em Urrós (Moncorvo) desde 1625, se constituira também em Freixo de Espada à Cinta e em seu entender se deveria alargar à Província, em proveito da lavoura e dos lavrdores mais pobres ou vítimas dos maus anos. (Parecer de José António de Sá, de 16 de Maio de 1797 a respeito do Plano sobre linhos cânhamos apresentado por Luís António de Medeiros Velho – IAN/TT, Ministério do Reino, mç. 356, cx. 476).
Ao lado da cultura agrícola, arborícola e naturalmente da recolha de lenha, da criação de gado e caça, nestas Memórias e para este território é possível fixar em algumas terras – onde normalmente aquelas culturas são exíguas – referência à existência e exploração de jazidas de pedra. E sobretudo de ferro como vai largamente referido em diversas memórias do concelho de Torre de Moncorvo: em Açoreira, lugar de Felgueiras; em Adeganha, no vale do Ouro; em Carviçais, no Cabeço da Mua e Pena da Carvalhosa; Felgueiras, serra do Roboredo.
Importante é também noutros muitos sítios, a indústria de carvão de urze, como se refere para a paróquia de Avelanoso (concelho de Vimioso), que se vai a gastar na cidade de Miranda.


Memórias Paroquiais 1758

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