sábado, 14 de novembro de 2015

CULTURAS NOS CAMPOS. PERSPECTIVAS CONCELHIAS - TERRA FRIA

...continuação
1.1. Concelhos da Terra Fria
Vinhais é terra de centeio e trigo e vinho, azeite e castanha. O centeio presente por todo o lado, é a cultura dominante e quase sempre a mais abundante; umas vezes dito «suficiente», outras «proporcionado e mediano», outras «muito pouco» para a alimentação das famílias e comunidades.
O trigo aparece na variedade de temporão (dito simplesmente trigo) e serôdio, também referido tremês (Memória de Vinhais). Dos outros cereais tão só breve referências ao milho, para dizer que a sua produção é pequena, «por se não fazer por ela e poucas vezes se semear» (Memória de Vale de Fontes e Candedo, concelho de Vinhais). As referências indiciam quase sempre pouca produção e nalgumas paróquias diz-se expressamente que não se cultiva. Em Candedo cultivam trigo dois ou três moradores. E a extrapolar o que refere o Memorialista de Quirás, «por ser terra fria e as terras fracas». O vinho, verde e maduro, produz-se também em pequenas quantidades, com uma ou outra excepção, v.g., para Edral e sobretudo Gestosa e Quirás. Aqui refere o pároco, o «vinho em muita abundancia, que não só chega para o gasto da terra, mas saem dela, para Galiza e Castela, muitos mil almudes» e acrescenta a sua vital importância económica: «É do que mais se valem os moradores porque a não ter esta abundancia de vinho seria das mais pobres do Reino».
E explica a razão da saída para Galiza e Castela: «Nem tem aqui saída os vinhos para o Reino, porque as suas vizinhanças tem para si e melhor, e para maior parte dela, e não tem gasto mais que para os dois ditos Reinos, principalmente com a Galiza com que confina» (Memória de Quirás).
O pároco de Gestosa refere também que a «maior abundancia é de vinho e bom e com bom transporte para a Galiza», as margens do rio Rabaçal e todas as suas arribas são cultivadas com vinhas e arvores de fruta. Grande volume de produção e importância tem a castanha. Está presente em todas as paróquias, em algumas delas os párocos assinalaram a sua muita e grande abundancia, ou mesmo a maior entre todas, a saber, em Negreda, Edral, Penhas Juntas, Quirás, Tuizelo e Nozedo de Cima, Vale de Janeiro, Vila Verde, Vilar de Ossos, Cidões, Vilar de Peregrinos, Vinhais. A sua importância como complemento e suplemento alimentar e mesmo alternativa sobretudo para os pobres em ano de má colheita ou carestia de
centeio, foi bem sublinhada pelo pároco de Quirás: «Dá também muitas castanhas de que estes pobres se valem em alguns meses do ano e se esta falta, padecem alguma necessidade, principalmente quando falta o centeio».
As Memórias referem-se nalguns casos à variedade e importância da fruta (v.g. Negreda). E também a alguns tubérculos, em especial os nabos, que fazem uma perfeita articulação com o calendário do serodio, para melhor valorização das terras, serodio que só está na terra desde que o semeiam até que se recolhe quatro meses e não completos: «em cuja terra se tem colhido outro fruto que são nabos e grelos e nos tais nabais se colhem uns compridos, chamados rabas, de que fala o médico Mirandela, na sua Ancora Medicinal, que são de tão excelente gosto que podem subir à mesa dos Príncipes» (Memória de Soeira).
Importante também em algumas terras é a cultura do linho galego. Particular desenvolvimento foi assinalado para Montouto, Moimenta, Quintela, Penhas Juntas, Tuizelo, Santa Cruz, Nozedo de Baixo, Vila Verde, Vinhais.
É clara a expressão da insuficiência da produção cerealífera por parte dos Memorialistas para a maior parte das paróquias do concelho; por isso se exprime também a importância de algum comércio de vinho e sobretudo ao recurso à castanha e ao nabo. Os testemunhos de que o pão não é suficiente e pouco, são frequentes. Em Fresulfe refere o pároco que os frutos «mal chegam ao meio do ano»; em Montouto o pároco refere que neste seu lugar e nos a ele anexos a colheita e os frutos «poucos anos chegam para sustentar os moradores»; em Agrochão, a produção é pouco abundante, mesmo para os mais abonados.

A pobreza geral da população, naturalmente mais acentuada nas terras de menos variedade e pobreza de frutos – domínio ou exclusivo do centeio, castanha, nabos – também devido à organização e sistema social senhorial, é sublinhada pelo pároco de Rebordelo: «é o povo muito pobre, razão de haver nele muitos foros ou casas de senhorios de fora e não colhem os moradores pão que baste para suas casas e assim são todos muito pobres».
Em Bragança os cereais quase exclusivamente cultivados são o centeio e o trigo. Este referido em geral como trigo e serodio ou (trigo serodio). Aparece também com as designações de barbela ou trigo barbela e tremês ou trigo tremês (Memórias de Gostei e Rabal). Em concreto mal se distinguem as culturas. Relativamente ao serodio refere o Memorialista de Castro de Avelãs que «nestas partes se semeia de Março até princípio de Junho e sega-se em Agosto». Estamos certamente em presença das duas variedades de trigo já referenciadas desde a Idade Média, de «trigo galego» ou «trigo temporão», cultura
de Inverno (semeia-se entre Outubro e Janeiro) e «trigo tremês» ou «tremesinho» e que no século XVI se registava na região de Lamego (trigo galego e trigo tremês». As outras culturas são objecto de pequena referência. Regista-se a cevada e o milho na paróquia de Quintela de Lampaças. As culturas do centeio e trigo são aqui quase exclusivas. Qual a relação e distribuição das duas culturas no território do concelho?
As Memórias só se exprimem em referências qualitativas. Se a incidência das referências é indicador, pode dizer-se que não há paróquia em que não se registe a cultura do centeio, ainda que com variações nas referências qualitativas de produção. O mesmo se verifica também relativamente ao trigo. Neste caso são frequentes as referências à «pouca produção» «quase nenhuma» ou «quase nada», «alguma» «muito pouca», «menos», o que permite afirmar que no seu conjunto as produções de trigo são bem menores.
Nalgumas paróquias é claramente marginal. O número mais elevado de referências ao trigo em comparação com as do serodio pode significar que é maior no seu conjunto a produção de trigo temporão que a do serodio.
O maior número de referências vai de seguida para o vinho e depois para a castanha. O vinho
nalguns casos, mas poucos, é considerado de bastante produção e até qualidade, como é o caso do de Izeda, que o pároco qualifica do «melhor da Província» ou o de Sarracenos, que o pároco considera de «admirável». Trata-se em geral de vinha de parreiras. A castanha, pelo contrário, leva menos referências, mas muitas mais vezes para afirmar a sua elevada abundância e qualidade. Algumas vezes a testemunhar essa importância vai mesmo enumerada à cabeça das produções cerealíferas. Um pouco mais de metade dos párocos memorialistas referem a cultura do vinho e da castanha, a testemunhar pois a sua extensão e
generalização mediana.
Finalmente referências à cultura da oliveira e em especial as elevadas referências ao linho (dito também linho galego). As culturas cerealíferas ocupam as zonas lavradias; o centeio adapta-se melhor às terras mais pobres «terra de guadraçal» (como se lhe refere na Memória de Pombares), mas é assinalável o volume de referências à cultura do centeio nos montes e também do trigo. O castanheiro ocupa os montes e as fraldas ou ribanceiras das serras e ribeiras. Estas são naturalmente reservadas aos linhares.
Que níveis de subsistência conferem estas produções às comunidades paroquiais, aldeias e à cidade de Bragança? Os termos de referência dos párocos permitem aqui e acolá entrever respostas àquela questão. Uma produção dita «bastante» responde em princípio às necessidades anuais que bastam ao conjunto da comunidade. Mas poucas comunidades atingem este nível, que tem de completar com outro recursos. Como se refere para Zeive, «ordinariamente se colhe (…) centeio e castanhas, mas nem ainda estes são em abundância porque ordinariamente falta aos seus moradores para a terça parte do ano por não
trabalharem por ter outros frutos que os ajudassem a sustentar». Esses outro frutos são os gados, as frutas, recursos silvestres…
Em que termos é que a produção, os excedentes e o contributo da produção concelhia serve a Bragança, capital de comarca, núcleo populacional urbano de significativa dimensão? Não recolhe aí o suficiente. Precisa de o procurar fora do termo, nas terras de Miranda e recorre à importação. Nos termos que se lhe refere o Memorialista de S. João Baptista de Bragança que sintetiza a situação para Bragança e seu concelho: «os frutos que nesta terra se costumam colher (…) pão trigo e centeio, vinho mas nunca é tanto que baste para o gasto da cidade. E o pão vem de Castela com muita abundancia e Terra de Miranda, em forma que é a terra mais bem provida desta Província. Também colhe algumas frutas em poucas distâncias» (Memória de S. João Baptista, concelho de Bragança).

continua...

Memórias Paroquiais 1758

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