quinta-feira, 24 de maio de 2012

Lira de Bronze de João Alves Calvão


Em tempos de crise aguda e generalizada o comboio intercidades é um meio cómodo para viajar, por exemplo, de Guimarães ao Porto.
E vice-versa. A idade já me aconselha a essa utilização nas muitas vezes que me desloco de Guimarães à Invicta. Assim fiz no penúltimo Sábado. Chegado à estação de S. Bento, espaço nobre e sempre com atractivos diversificados, reparei num longo espaço a fazer de feira do livro a preços de chuva. Uma montra me atraiu: «Tudo ao preço de 1,5 euro». Encontrei aí livros de autores célebres, nacionais e estrangeiros: de Bento da Cruz, João Alves Calvão, Castro Reis. 
Trouxe quatro do primeiro: A Loba, Victor Branco – Escritor Barrosão, Contos de Gostofrio e Lamalonga (todos da Ed. Notícias), O Grito das Fragas (de Castro Reis), Lira de Bronze (Poesia), de João Alves Calvão. Como aqueles que tinha em casa da autoria de escritor de Peirezes, já estão catalogados para seguirem para a Biblioteca Municipal de Montalegre), comecei a refazer a colecção. Do mesmo modo os de Castro Reis, notável autor alto-duriense recentemente falecido. De João Alves Calvão não tinha nada, nem conhecia qualquer obra. Mas bastou abrir para reparar no prólogo e no índice que cheirava a Barrosão. Poemas, como: Montalegre, Cávado, Neve, Larouco... Sobi a pé, carregado com uma dúzia de livros, as ruas de Sá da Bandeira, Santa Catarina, Costa Cabral, até à sede da Casa de Trás-os-Montes. Fui surpreendido, aí, com mais uma pequena feira de livros, de autores Transmontanos e Durienses. 
Os mesmos de Bento da Cruz, mas a custarem 15 euros e tudo daí para cima. Este contraste de preços de venda ao público do mesmo livro, fez-me pensar que alguns alfarrabistas são, sem saberem, receptadores do produto de roubos. Porque vi na Estação de S. Bento milhares de livros a 1,5 euros que nem sequer pagam o papel gasto. No regresso a casa, pensei voltar ao Porto, mas de carro e encher a mala de muitos daqueles títulos que se prestam a muitas interpretações. De facto, não há nenhuma crise que justifique vender por 1,5 euros, obras literárias àquele preço. Nessa viagem de regresso li os 54 poemas da «Lira de Bronze», editado em Lisboa, em 1995. 
No prólogo pude ler que: o autor, aos 24 anos de idade, iniciou a actividade literária com publicações de contos nos jornais de Vila Real e, mais tarde, no Diário de Lisboa, Diário Popular, no Debate e em «Nossa Terra», de Cascais. Ai se fica a saber que ganhou diversos prémios em jogos florais e que viria a publicar novos livros: Sonetos (1980). Meu Canto (1974) e que fora seleccionado para uma antologia poética organizada por Luís Filipe Soares. 
Ao chegar a casa consultei o google que pouco mais adianta. Mas foi um bom pretexto para saber que Barroso tem muitos e bons autores com obra de mérito, que vale a pena reeditar (este ano) o I Volume do Dicionário dos mais ilustres Transmontanos. Já tinha feito o convite noutras alturas. Repito-o aqui. Uma obra destas ficará sempre incompleta e imperfeita, se não houver quem nos forneça a relação daqueles que nas artes, nas letras, na advocacia, na medicina, na vida militar, em todas as profissões e actividades, se distinguem ou distinguiram. Cada terra tem que mostrar a sua contribuição para o progresso. Cada criativo ( arte, letras, ciências, carreira profissional e no empreendedorismo) os Transmontanos têm dados exemplos em todos os campos do saber fazer. Hoje – e bem – toda a gente estuda, uns mais do que outros. Mas - isso sim -, foi, na minha perspectiva, a maior conquista democrática. 
Até à década de setenta do século passado, só as famílias abastadas, podiam custear o prosseguimento de estudos a partir da 4ª classe. Com a expansão social o ensino democratizou-se e só não estudou quem não quis. Temos hoje o país a ser governado por filhos do povo. E esses brilham – ou pelo menos dão que falar – nos centros de decisão. Nas universidades, nos bancos, nas empresas. Não espantará por isso que também nas artes e nas letras os «provincianos» como certos urbanistas chamam aos que nascem no campo, surpreendam pela quantidade e pela qualidade. 
Foi esse um dos motivos por que em 1998, entendi fazer uma amostragem desse universo de filhos do verdadeiro povo, demonstrativa de que os tais «provincianos» eram tão bons ou melhores do que os nascidos na cidade. Esta decisão não incluiu qualquer menosprezo para com os filhos da cidade. Visa, apenas, demonstrar que os aldeões levam consigo para os meios urbanos, um tipo de cultura genuína que em nada prejudica aquela com que se debatem pelos anos fora. Tenho o hábito de falar muitas vezes em apresentações de livros, dos «copinhos de leite». 
E já por duas vezes tal hábito me mereceu amargos de boca. O que sucede é que essa expressão, proferida neste contexto, não tem qualquer carga pejorativa. Pretende apenas dizer que quem vai de fora, teve mais trabalho e mais encargos do que quem já se encontra no cidade. E que, uma vez em igualdade de circunstâncias, os forasteiros são tão bons ou melhores do que aqueles que já aí nasceram. E tal confronto destina-se a lamentar que os meios de informação somente falem dos eventos culturais e de quem os promove, mal sabendo que no interior do país real, também se produzem coisas dignas de serem divulgadas.


Barroso da Fonte, Dr.
in:dodouro.com

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