segunda-feira, 23 de julho de 2012

O que ganha Portugal com o eucalipto?


A proposta do Governo que altera a legislação sobre a arborização e rearborização do país, facilitando a plantação de eucalipto, não é consensual no sector. Relança a discussão em torno das vantagens e desvantagens da floresta de eucalipto. Para Paulo Castro, presidente da Acréscimo - Associação de Promoção ao Investimento Florestal, a proposta «é avulsa e irresponsável» e só irá beneficiar a indústria da celulose. Já Pedro Serra Ramos, da Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente (ANEFA), diz que a nova proposta «é positiva», embora reconheça que pode haver o risco de o Estado falhar na gestão e fiscalização.
O decreto-lei do Governo, que esteve em discussão pública até 25 de Junho, permite a arborização de pequenas parcelas até cinco hectares e a rearborização de parcelas até dez hectares, «com qualquer espécie vegetal», onde está incluído o eucalipto, e mediante uma simples comunicação prévia ao Instituto da Conservação da Natureza e Floresta (ICNF).
A intenção do Executivo, que pretende pôr termo às barreiras legais que limitavam a florestação do eucalipto, está a ser recebida de modo divergente junto do sector. Paulo Castro, presidente da Acréscimo - Associação de Promoção ao Investimento Florestal, considera a proposta do Ministério do Ambiente, Mar, Agricultura e Ordenamento do Território (MAMAOT) «avulsa, extemporânea e irresponsável».
«Avulsa», argumenta, porque se trata de um projecto «isolado» no âmbito do ciclo de produção florestal. «O Ministério evidencia grande preocupação na florestação e descora a ligação com a subsequente gestão dessas novas áreas florestadas. Não assegura igualmente o apoio técnico essencial, nem dá garantia de acesso equilibrado aos mercados por parte da produção florestal», refere, lembrando que «apesar dos nefastos resultados conhecidos, a Campanha do Trigo, de 1929, pelo menos assegurava estes aspectos».
Paulo Castro diz que estando em avaliação a Estratégia Nacional para as Florestas (ENF), a actual proposta do MAMAOT «aparece descontextualizada e desenquadrada de um todo estratégico». 
E acrescenta que a proposta é «irresponsável» já que novas florestações, ou reflorestações, «sem garantia de gestão florestal subsequente, podem perpetuar as consequências negativas de que hoje são vítimas as florestas em Portugal», como a propagação de incêndios e proliferação de pragas e de doenças. «Há que cortar este ciclo vicioso. Do nosso ponto de vista, a actual proposta do MAMAOT não aparece no sentido do corte, mas no de perpetuar», adianta.
Paulo Castro sublinha que com o objectivo «simplista» de aumentar o valor bruto das exportações, o Ministério «facilita o aumento da área florestada com esta espécie, sem assegurar a subsequente gestão desses novos eucaliptais». 
Por outro lado, «desassocia esta iniciativa da fundamental consultoria técnica aos proprietários florestais (extensão florestal): não basta plantar, é necessário saber fazê-lo e depois gerir de uma forma profissional».
E refere que na actual área de eucalipto em Portugal, a quinta a nível mundial, «constatam-se já dezenas de milhares de hectares não geridos ou sujeitos a uma gestão deficiente. O eucalipto, a seguir ao pinheiro bravo, é uma árvore com forte risco de incêndio florestal. Ao não garantir a gestão de novos eucaliptais pode-se estar, indirectamente, a promover a “indústria do fogo” nas próximas décadas».
Por outro lado, lembra que a posterior reconversão dos eucaliptais, «no final do seu ciclo óptimo de exploração, ou seja após o quarto corte, tem custos elevadíssimos, o que porventura justifica a actual existência de muitos eucaliptais abandonados». 
No caso, esclarece o presidente da Acréscimo, «é necessário proceder ao arranque dos cepos, o que pode aportar custos entre os 450 e ou 750 euros por hectare, envolvendo maquinaria pesada, encargo esse que fica nas mãos do proprietário florestal. Ou seja, acena-se com ganhos de rendas ou de produtividades acima da média e oculta-se o custo final de reconversão dos eucaliptais», acusa.
Gestão da floresta:
E quem lucra com a alteração? Para Paulo Castro é claramente «a indústria de pasta celulósica e de papel. Isso não é ilegítimo, discutível é o papel do Ministério».
E o país, lucra? «É uma avaliação que importa fazer, ou seja, ao valor bruto das exportações há que deduzir os custos com a depreciação ou destruição dos recursos naturais associados à produção florestal. Ou seja, há que calcular o valor líquido dessas exportações», responde o responsável.
E reforça que sem garantir a gestão da floresta, a consultoria técnica aos proprietários (extensão florestal) e um justo funcionamento dos mercados, «temos dúvidas que os ganhos dos proprietários florestais estejam assegurados, basta analisar do crescente abandono dos eucaliptais em Portugal, o que parece ser um sinal óbvio da quebra de expectativas neste negócio».
Sobre a competitividade económica da espécie, Paulo Castro refere que «existindo uma adequada gestão florestal em eucaliptais instalados em regiões propícias à espécie, com solos e pluviosidade adequados, garantindo para isso um serviço de extensão florestal, que assegure, por um lado, a transmissão dos resultados da investigação aplicada e, por outro, a formação profissional dos agentes envolvidos, técnicos, empreiteiros, proprietários e trabalhadores florestais, estarão criadas as condições fundamentais para o aumento da produtividade dos eucaliptais (que não necessariamente da área), e bem assim para o acréscimo do valor líquido das exportações».
A área de eucalipto tem aumentado e a do pinheiro-bravo tem decrescido em Portugal nos últimos anos. Paulo Castro tem explicações para este cenário: «as variações de áreas entre espécies são consequência das estratégias das diferentes indústrias florestais, das expectativas de negócio dos proprietários florestais e dos riscos associados ao investimento nas diferentes espécies (incêndios, pragas e doenças)».
Mas lembra que esta variação de área entre estas duas espécies, «apesar do esforço dos contribuintes, não parece ter a ver com a existência de apoios financeiros do Estado. Em concreto, o pinheiro bravo recebeu, desde a adesão à União Europeia (UE) e só para novas florestações, 700 milhões de euros de apoios públicos, muito embora, neste mesmo período, a sua área global tenha regredido cerca de 400 mil hectares». E questiona: «será que os contribuintes ao invés de apoiarem o pinheiro bravo, apoiaram, contra sua vontade, a "indústria do fogo"?».
E recorda que o eucalipto, após a adesão à UE, não tem sido objecto de apoio financeiro público aos proprietários florestais. «Gerou até 1995 grandes expectativas de negócio, mas com o mercado cada vez mais concentrado ao nível da indústria (passámos de 4 para 2 empresas de pasta celulósica), a área de eucaliptal sujeita a abandono tem aumentado. O impacto tem sido evidente (fogos, pragas e doenças)», adianta.
Sobre a exportação da floresta portuguesa e seus produtos, o responsável da Acréscimo lembra que Portugal dispõe de excelentes condições para a produção de bens e serviços oriundos das florestas, com a subsequente criação de riqueza, aumento do emprego e do bem-estar das populações, com destaque para o meio rural, bem como do acréscimo do valor líquido nas exportações. O País regista a este nível, no total dos 27 estados membros da UE, o maior Valor Acrescentado Bruto da fileira florestal por hectare de floresta, 310 Euros por hectare».
«Ao nível das exportações, no imediato, o país deverá investir prioritariamente na garantia da gestão activa, profissional e sustentável, dos actuais povoamentos florestais, ou seja, nas áreas florestais instaladas e que, por estarem já em crescimento, podem gerar bens mais rapidamente, como madeira ou cortiça. Deve ainda levar em conta a actual situação económica em Espanha, destino de um quarto das exportações do sector florestal português.
Pedro Serra Ramos, presidente da ANEFA, diz que «já é tempo de deixarmos de “estigmatizar” espécies, pois no futuro, face às alterações climáticas que estão a ocorrer, elas podem ser a resolução de muitos problemas ao nível florestal no nosso país». 
Para o responsável, a presente proposta, na teoria, vem resolver muitos dos problemas com que as empresas projectistas, produtores e outras se debatiam há anos. «Na realidade, a existência de uma “legislação descoordenada”, com a intervenção de inúmeras Instituições no processo de licenciamento, muitas delas sem capacidade técnica para avaliarem o que lhes era pedido, tendo como único objectivo a aplicação de uma taxa cujo valor, dependia da vontade de quem estivesse à frente da Instituição, e não ajudava a termos uma melhor floresta». 
Na opinião deste responsável, o problema poderá residir na aplicação prática da proposta, reconhecida «que é a falta de capacidade do Estado para controlar e fiscalizar. Se o Estado não se imiscuir dessa responsabilidade, apenas terá que verificar anualmente e dar a conhecer ao sector a evolução que ocorrerá da área plantada, referente a cada espécie e, sabendo das necessidades de consumos nacionais, regular a ocupação do território e fazer os ajustamentos necessários», defende Pedro Serra Ramos.
«É urgente plantar e cuidar»:
«É urgente plantar e cuidar, porque temos uma floresta não sustentável, e ao colocar todas as fileiras ao mesmo nível, vai-se obrigar a que a indústria associada às outras espécies, que não o eucalipto, comecem a olhar para montante se quiserem sobreviver. Que é o que a indústria de celulose se preocupou em fazer. É por causa disso que é hoje o primeiro proprietário privado a nível nacional. E isso constitui uma oportunidade para as outras espécies. A indústria que é o motor do desenvolvimento de cada fileira terá de se preocupar com a florestação e com o cuidar da mesma», salienta Serra Ramos.
E realça que «o perigo só existe se o Estado não funcionar» lembrando que «não nos podemos esquecer que esta proposta de lei prevê um termo de responsabilidade assinado por um técnico florestal». De qualquer forma, sustenta, «o Estado tem a obrigação de controlar anualmente a expansão de cada espécie e as necessidades de consumo e a partir daí regular a situação não deixando que a tal linha seja ultrapassada». 
Pedro Serra Ramos nega, contudo, que seja a indústria da celulose quem lucre mais com esta mudança na lei e refere: «é ao sector do eucalipto que esta medida mais interessa pois até agora era o único que estava sujeito a um regime de licenciamento. Mas a medida é importante para todas as fileiras. As regras devem ser iguais para todas as espécies para obrigar a indústria respectiva a se esforçar para ter matéria-prima. Além de que a aplicação desta proposta de lei permitirá criar uma base de dados sobre todas as fileiras e se manter actualizada, o que é de extrema importância para o sector».
O responsável da ANEFA realça que «o eucalipto não se adapta a todo o território» e que «as celuloses têm essa experiência» tendo sido por esta razão que «já há algum tempo abandonaram determinadas zonas do país». Por outro lado, salienta, «as alterações climáticas podem a vir a limitar ainda mais essa adaptação. Mas essa é também a realidade de todas as outras espécies». 
Sobre o papel do Estado nesta matéria, Pedro Serra Ramos refere que cabe a este «coordenar, controlar e fiscalizar. Só o Estado consegue ter uma visão global da ocupação do território. Deverá ser esse um dos principais papéis do Estado. Embora 87% da floresta portuguesa seja privada é necessário uma visão global da situação, pois há bens que ela produz que são de todos», avisa. E dá um exemplo: «numa bacia hidrográfica a má decisão quanto à ocupação do solo de um pequeno proprietário ou a má execução de uma preparação de terreno para arborizar podem colocar em risco o abastecimento de água às populações situadas a jusante. Cabe ao Estado controlar e fiscalizar essas situações».
Para o responsável da ANEFA, o Estado deve igualmente «regular o equilíbrio entre produção florestal e consumos industriais, pois como já referi o mercado não funciona e importa não criar desequilíbrios que levariam anos a corrigir. Até porque quer do lado da indústria quer do lado da produção normalmente uma parte do investimento é financiado com a ajuda do Estado», salienta.
No campo da exportação, defende, há também um «grande trabalho a fazer do ponto de vista comercial em relação ao exterior». Contudo, Pedro Serra Ramos diz que dado os monopólios existentes ao nível industrial, «as pessoas que fornecem madeira têm medo de avançar com esse tipo de iniciativas, e que as mesmas sejam entendidas como uma afronta à indústria nacional, pois podem vir a precisar de entregar a madeira a nível nacional e nessa altura fecham-lhe as portas».
«É uma mentalidade que tende a alterar-se, até porque dadas as nossas condições começam a aparecer com frequência, empresas estrangeiras à procura dos nossos produtos florestais e com preços competitivos. Existe todavia uma exigência, que é dimensão e essa nem sempre se consegue», vinca. 
Mas esta proposta do Governo não é, como já se percebeu, consensual. Para além da Acréscimo, associações ambientalistas como a Quercus e a Liga para a Protecção da Natureza criticam fortemente a medida. Discordam, entre outras coisas, do facto de a área ardida deixar de ter que ser reflorestada com árvores da mesma espécie, podendo ser replantada com eucaliptos, por exemplo.
Recorde-se que até agora, o regime sobre a arborização com espécies de rápido crescimento em vigor, exigia que a plantação de eucaliptos tivesse de ser autorizada pelos serviços da antiga Autoridade Florestal Nacional ou pelas câmaras municipais, mesmo nas áreas mais reduzidas.
Todavia, isso não tem impedido o aumento do crescimento desta espécie. Segundo dados do Inventário Florestal Nacional, entre 1989 e 2006, a área de eucalipto em Portugal registou um aumento de 91,7% (mais de 354 mil hectares), para um total de cerca de 0,8 milhões de hectares, ocupando já cerca de 23% da área florestal nacional.
O actual projecto de decreto-lei do Governo inclui também a revogação de 19 diplomas publicados desde 1901, condensando assim numa única lei o poder de decidir, no futuro, sobre todo o tipo de arborizações e rearborizações, sendo que a entidade que fica com o poder único de decisão sobre esta matéria será o Instituto da Conservação da Natureza e Floresta.
O Café Portugal contactou igualmente o MAMAOT bem como a Forestis - Associação Florestal de Portugal sobre o assunto, mas até ao momento não obtivemos nenhuma resposta.


Ana Clara; Fotos: Forestis e Wikipédia
in:cafeportugal.net

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