quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Lenda de Santa Comba de Orelhão

Local: MIRANDELA, BRAGANÇA

Antes de apresentar esta lenda, quero informar o leitor de que há, pelo menos, quatro santas com este mesmo nome. 
 Uma nasceu no século III, em Espanha, donde saiu para a cidade de Sens, em França. Nessa altura, estava de passagem por essa cidade o imperador de Roma, Aureliano, que deu ordens para exterminar todos os cristãos. 
 Tendo-lhe sido apresentada uma jovem chamada Comba, logo se apaixonou por ela, por ser de extraordinária formosura, e não só a poupou ao martírio como até lhe suplicou que casasse com ele. 
 Mas, como ela rejeitou as suas propostas de casamento, por querer preservar a sua virgindade, ele, ofendido no seu orgulho, entregou-a aos verdugos, para lhe darem a morte. 
 Estes, antes de lhe tirarem a vida, tentaram tirar-lhe a inocência, mas foram impedidos por um urso que não os deixou aproximar-se dela. 
 Foi preciso que a jovem Comba mandasse afastar a fera protectora, para poder alcançar as honras do martírio que ambicionava e que vem mencionado nas Actas do século VIII. 

Outra nasceu na região de Coimbra, mas os seus dados biográficos são desconhecidos. 

Outra nasceu no Alentejo. Não aparece nos documentos da Igreja, mas o seu biógrafo, Jorge Cardoso, diz que ela tinha um irmão chamado Jordão que chegou a ser bispo da Diocese de Évora. 
 Ela foi decapitada durante a perseguição do imperador Diocleciano, perto da cidade de Évora, enquanto o irmão conseguiu escapar à sanha assassina dos perseguidores. 
Diz a tradição que, onde ela foi martirizada, brotou uma fonte que operava muitos milagres. 

Outra, finalmente, nasceu em Orelhão, aldeia do Concelho de Mirandela de quem fala a lenda que se segue. 

 A dita aldeia tem como Padroeira Santa Comba, junto de cuja capela, há uma fonte a que atribuem curas milagrosas. 
 Vejamos então como o povo explica o aparecimento desta fonte miraculosa. 
 Em tempos muito remotos, a região era governada por um rei muito cruel e autoritário que governava os súbditos ao sabor dos seus interesses e caprichos. 
 Os habitantes eram pobres: tinham como únicos recursos os rebanhos, que apascentavam nos lameiros de Lamas de Orelhão. 
 Era para lá que iam diariamente dois irmãos órfãos, um rapaz e uma rapariga, que andavam sempre juntos. 
 O rapaz chamava-se Leonardo e era muito esperto e muito travesso. A rapariga chamava-se Comba e era muito formosa e muito delicada. 
 Ora o rei, quando andava à caça, viu-a e apaixonou-se logo por ela. Foi o que se pode chamar amor à primeira vista. 
 Desde esse dia, nunca mais a largou, seguindo-a por toda a parte. Para a cativar, prometia-lhe tirá-la daquela vida de pobreza, levá-la para o palácio, juntamente com o irmão, casar-se com ela, e fazer dela uma rainha.
 A jovem, constrangida com aquele assédio, desculpava-se delicadamente como podia, para não o irritar com um não, pois sabia muito bem do que ele era capaz, quando o contrariavam. 
 Um dia, o rei foi ter com os dois irmãos às Lamas de Orelhão, meteu conversa com eles e pediu à menina que o catasse. 
 A jovem, receosa do castigo que a sua recusa atrairia para si e para o irmão, calou-se, resignada. 
 Então, o rei deitou a cabeça no seu regaço e ela, embora contrariada, pôs-se a catá-lo com os seus dedos finos e macios. E tanto catou que o rei acabou por adormecer-lhe no colo. 
 O irmão, que o observava, a ferver de raiva com aquele atrevimento, disse à irmã que desapertasse o avental, onde o rei tinha a cabeça. Depois, segurando-o pelas pontas, um de cada lado, levantaram a cabeça do rei e colocaram-na no chão, com muito jeitinho, para não o acordar. 
 E, como ele continuou a dormir a sono alto, juntaram as ovelhas e fugiram. Quando já iam no alto do monte, o travesso zagal, julgando-se seguro, pôs-se a gritar com toda a força, para que a gente da aldeia pudesse ouvir: 
 - Ó rei de Orelhão, orelhas de burro, focinho de cão! 
 E, como o rei continuava a dormir, gritou, ainda mais alto: 
 - Ó rei de Orelhão, orelhas de burro, focinho de cão! 
 Então, o rei acordou e, ao ouvir aqueles insultos e ao ver-se deitado no chão, embrulhado no avental, a arder de cólera, levantou-se, montou no cavalo e, galopando a toda a velocidade, depressa os alcançou. 
 Vendo-se apanhada, Comba correu para um penedo que estava próximo e disse: 
 - Abre-te, fragão, e esconde-me a mim e ao meu irmão. 
 O fragão abriu-se e ela entrou, mas o irmão já não conseguiu entrar e foi degolado pelo rei. 
 No lugar em que o seu sangue caiu, nasceu uma fonte milagrosa, onde as pessoas iam lavar-se para serem curadas. 
 E Comba, por morte do rei, saiu do fragão, entregou-se aí à penitência e à oração, e fez muitos milagres, já em vida. 
 Depois da sua morte, o povo de Orelhão canonizou-a e escolheu-a para sua Padroeira e agora faz-lhe uma festa anual, para lhe agradecer os milagres que continua a fazer aos seus devotos.

Fonte:FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.12-14

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