quarta-feira, 22 de julho de 2015

A indústria das sedas em Trás-os-Montes durante o Antigo Regime (séculos XV-XVIII)

Um engano de afeição é mais brando que veludo de Bragança.
(Jorge Ferreira de Vasconcelos, Comedia Eufrosina, Évora, 1561)
Quanta foi a desolação das províncias de Trás-os-Montes e da Beira, aonde tantas fábricas de seda, panos, baetas, estamenhas e sola correram a mesma fortuna?
(Ribeiro Sanches, Origem da denominação de christão-velho e christão-novo em Portugal [1734])
Da mesma sorte dissera que V.A. acharia certas boas povoações quase desertas, como por exemplo...em Trás-os-Montes a cidade de Bragança, e destruídas as suas manufacturas. E se V.A. perguntar a causa desta dissolução, não sei se alguma pessoa se atreverá a dizer-lha com a liberdade que eu terei a honra de fazê-lo; e vem a ser que a Inquisição prendendo um por crime de judaísmo, e fazendo fugir outros para fora do Reino com os seus cabedais, por temerem que lhos confiscassem, se fossem presos, foi preciso que as tais manufacturas, caíssem, porque os chamados cristãos novos as sustentavam, e os seus obreiros, que nelas trabalhavam, eram em grande número, foi necessário que se espalhassem, e fossem viver em outras partes, e tomassem outros ofícios para ganharem o seu pão, porque ninguém se quis deixar morrer de fome.
(Testamento político ou carta escrita pelo grande D. Luiz da Cunha
ao senhor rei D. José I, antes do seu Governo [1745-1749]).
A indústria das sedas em Portugal, durante a Idade Média, embora sem a importância assumida pelas indústrias do linho e lanifícios, teve em Trás-os-Montes e muito particularmente em Bragança, o seu principal centro de produção.
Com efeito, a mais antiga referência à criação do bicho da seda diz respeito a Trás-os Montes, no século XIII, e as primeiras indicações quanto ao fabrico da seda, que datam do século XV, referem-se a Bragança.
No foral concedido pelo arcebispo de Braga aos moradores do couto de Ervededo, localizado naquela província, em 1271, determina-se que a folha das amoreiras não fosse vendida para fora do couto e que do sirgo criado lhe pagariam a sua parte em casulo. 
Por outro lado, das cortes de finais do século XV (1472, 1473, 1475, 1481 e 1482), assim como de sentenças da mesma época, pode concluir-se, quanto a Bragança e à sua região:
• que a folha de amoreira constituía um produto valorizado;
• que a criação do bicho da seda se encontrava generalizada;
• que era muito usada “a lavra da seda em Trás-os-Montes; e fazia emulação em Portugal a opulência, que por ela tinham adquirido os mouros de Granada” (Acúrcio das Neves);
• que o duque de Guimarães exigia que o sirgo lhe fosse vendido em exclusivo, isto é, em regime de monopólio, reconhecido, este, por Afonso V (1438-1481), apesar das reclamações apresentadas em Cortes, o qual, em 1475, estabeleceu que, durante dois anos, ninguém pudesse assentar teares para tecer panos de seda, excepto os “tratantes que tinham o trato da seda e fazimento dos ditos panos com o duque de Guimarães na cidade de Bragança”.
Refere-se a esses tratantes um diploma do mesmo ano, que os designa por Rui Gonçalves de Portilho e Gabriel Pinelo, a quem o soberano, a pedido dos mesmos, visto terem feito trato com o duque de Guimarães “sobre certo lavramento de seda que hão-de mandar lavrar na cidade de Bragança”, autoriza que a seda que mandassem vir de fora do Reino para o dito fim, e durante cinco anos, não pagassem direitos de entrada. Os requerentes alegavam que, para este fabrico, precisavam de seda mais fina do que a tecida localmente, bloqueio estrutural da indústria da seda em Trás-os-Montes, que irá acompanhar toda a sua evolução futura.
Capítulo 25.o das Cortes de Coimbra e Évora, relativo à indústria das sedas em Trás-os-Montes (1472-1473)
Senhor, houvestes por informação que a principal coisa porque o Reino de Granada era rico assim, era por a seda que se em ele criava, e lavrava, e que acháveis que estes vossos reinos são mais naturais para se em eles criar, e lavrar seda como já cria, em Lamego e Trás-os-Montes, e em outras partes dessa comarca. E porém senhor mandastes para as comarcas cartas para que todos vizinhos e moradores delas pusessem vinte pés de amoreiras, ou as enxertassem em figueiras para se abrir caminho como se pudesse haver em abastança as folhas das ditas amoreiras para criação desses bichos, e assim se fazer, e lavrar muita seda, senhor não se pôs em obra, seja vossa mercê que mandeis geralmente em todos vossos reinos dar bem a execução vosso mandado mandando cartas a todos vossos corregedores, e ouvidores dos fidalgos onde corregedores não entram que o façam logo cumprir com alguma pena porque senhor parece coisa muito proveitosa, e que a estes Reinos trará honra e riqueza. (José Acúrcio das Neves, Variedades..., tomo II ,Lisboa, 1817).
Véu de cálice com texto em latim.
Século XVII. Museu Abade de Baçal.
Ao duque de Guimarães foi concedido outro privilégio, no mesmo ano, para idêntico fim. “Tinha ele feito contrato com certos castelhanos para a venda das terras de seu pai e suas, e como esses castelhanos pagavam com panos que traziam do seu país, pedia para que eles os pudessem retalhar. El-rei, revogando a Ordenação em contrário, concedeu o privilégio”.
Também em sentença dada em Bragança, a 16 de Agosto de 1480, na qual se transcrevem outras duas de 1477, a Vilar do Monte (concelho de Macedo de Cavaleiros), a folha das amoreiras “vem mencionada como coisa de notável valor”.
A criação do sirgo e o trato da seda continuaram a desenvolver-se no século XVI, no Nordeste Trasmontano e particularmente em Bragança, como pode ver-se através dos forais manuelinos concedidos a vilas da região e das numerosas alusões ao sirgo, sirgueiros e teares.
Por carta do duque de Bragança à câmara desta cidade, de 21 de Agosto de 1516, verifica-se que o trato da seda, vindo de finais do século XV, se mantinha, embora mais diminuto, uma vez que dos 40 teares existentes, apenas se encontravam 10 em laboração, “e enobrecia isto tanto esta cidade que não é bem que se deixe perder, por se não executar a lei que ela tem firme em cortes, que diz que nenhuma pessoa possa tratar em sedas sem fazer as duas partes para os teares”.
Em 1531, Bragança pedia às cortes que as sedas criadas e obradas em veludos, tafetás, retroses e outras obras, assim na cidade como na terra, pudessem livremente vender-se no Reino, sem pagarem quaisquer direitos na alfândega, levando certidão do escrivão da câmara.
O duque de Bragança, por carta de 19 de Julho de 1549, manda ao juiz e mais justiças de Bragança que toda a seda, fiada ou em capelos, que na cidade ou seu termo houver, querendo-a os oficiais que teares nela tiverem, pelo tanto que os de fora derem, lha dêem”.
De uma fonte manuscrita datada de 1552, existente na Biblioteca Nacional, comprova-se a importância da produção da seda em Trás-os-Montes, referindo que Lamego, Mesão-Frio, Vila Real, Chaves, Bragança, Vinhais, Quintela de Lampaças, Vila Pouca de Aguiar, Mirandela e Azinhoso produziam anualmente trinta mil onças de barbilho “que gastam os sirgueiros em cores” e mil arráteis de seda branca “para todas as cores que fazem em retrós”, e valiam 4.000 cruzados.
Casula (frente). Século XVI.
Igreja Matriz de Algoso.
A produção da seda manteve-se ao longo do século XVI, como se prova através da petição dos fabricantes da seda de Bragança, solicitando do rei medidas para terem seda em abundância – exigência que vinha já do século XV –, que o rei atende através da provisão de 18 de Fevereiro de 1563, dirigida ao corregedor de Miranda do Douro, ordenando que aquele, com as câmaras, assente posturas para que se cultivem e tratem das amoreiras e para que fiscalize, em correição, as determinações acordadas.


in:historia-da-industria-das-sedas-em-tras-os-montes-volume-1
Publicação da C.M.B.

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