terça-feira, 21 de maio de 2013

Passos Coelho e a receita de Zé do Telhado

Zé do Telhado

Em 1818 nasceu na aldeia de Telhado, concelho de Penafiel, um tal José Teixeira da Silva que, seguindo as práticas do pai, se celebrizou por assaltar os ricos para matar a fome aos pobres. Camilo Castelo Branco caracteriza esse personagem no livro Memórias do Cárcere. O palco dessas cenas, ao gosto do Robin dos Bosques português do século XIX, era a região envolvente do Marão. Quase dois séculos depois voltamos a viver tempos de fome generalizada e de desemprego sistemático, o que gera situações de carência extrema. Só que os Zés do Telhado são ricos, roubam à vista desarmada, toda a gente os conhece e, em vez de roubarem os ricos para dar aos pobres, roubam aos pobres para aburguesar os ricos.
Na última crónica prometi voltar ao diálogo com o Primeiro Ministro para lhe propor uma solução muito mais fecunda, mais facilitada e mais proveitosa. Como todos conhecem os gestores públicos e têm os seus dados bancários à mercê, retrocedem ao ano de 2005 e, em vez de cortarem nas reformas dos funcionários públicos, acertam em cheio se forem aos tais gestores públicos, buscar os milhões que receberam em excesso. Nem será uma medida original, tão drástica e tão polémica, porquanto, já em 6 de Junho de 1960, o Estado Novo, quando houve uma crise semelhante, publicou a Lei 2105 que determinava: «ninguém que ocupe lugares de responsabilidade pública pode ganhar mais do que um ministro ou do que o Presidente da República». Catorze anos depois desta lei ter sido aprovada, o governo de Vasco Gonçalves pegou nessa mesma lei e, com base nela, produziu o Decreto-Lei 446/74, de 13 de Setembro, que limitou os vencimentos dos gestores públicos ao salário máximo de 1,5 vezes o vencimento de um Secretario de Estado. Aquela lei foi publicada no Diário do Governo da República Portuguesa, com a assinatura de Américo Tomaz e de António de Oliveira Salazar, e acabou com o caos em que o país mergulhou. Se tiverem dúvidas devem ler o livro «Salazar e os milionários», da autoria de Pedro Jorge de Castro, da Quetzal, publicado em 2009.
A jornalista Clara Ferreira Alves escreveu no Expresso, de 14 de Abril de 2011, um artigo sobre a Lucidez, no qual afirmou: «a pretexto de uns papéis pessoais cujo valor histórico ou cultural nunca ninguém sindicou, Soares decidiu fazer uma Fundação com o seu nome. Nada de mal se o fizesse com dinheiro seu, como seria normal. Mas não. Acabou por fazê-la com dinheiros públicos. Só o Governo de uma só vez deu-lhe 500 mil contos e a Câmara de Lisboa, presidida pelo seu filho, deu-lhe um prédio no valor de centenas de milhares de contos». Nesse artigo a jornalista foi frontal: «Tudo o que aqui relato é verdade. Se quiserem podem processar-me. Eis parte do enigma. Mário Soares, num dos momentos de lucidez que ainda vai tendo, veio chamar a atenção do Governo, na última semana para a voz da rua. Chamou a esse artigo “este é o maior fracasso da democracia”».
Nesse artigo, que pode ser repescado no Google, lê-se que a Fundação Mário Soares recebeu entre  Fevereiro de 2002 e Julho de 2005: 867 mil euros dos ministérios da Defesa, da Cultura, da Administração Interna, do Governo Civil de Leiria e do IEFP. Só em Fevereiro de 2002 recebeu do Fundo de Fomento Cultural: 498 mil euros, e até o ministro Morais Sarmento lhe atribuiu 198 mil, mais 61 mil e ainda uma terceira verba de 79 mil. Acabem com estas carruagens de dinheiros públicos, com esses escândalos que retiram aos pobres, aos desempregados, aos sem eira nem beira, poupando os ricos, os burgueses e alguns políticos de fachada.
Retirem aos gestores públicos: aos Mexias, aos Amarais, aos Gomes, aos Limas. Ao Presidente dos CTT, da ANA, da GERAP, das Águas de Portugal, das Estradas, da TAP, da NAV, das Águas do Noroeste, da Baía do Tejo. Em média esses vulgares cidadãos auferiam em 2010/11 cerca de 200 mil euros por ano, mais viatura, a renovar de dois em dois anos, mais cartão de crédito, mais motorista. Foi nestes anos dourados do século XXI que se brincou com o dinheiro dos pobres. Como tinha sido nos gordos anos da adesão à CEE, com os Oliveiras Costas, com os Loureiros, com os Rendeiros... Obriguem esses gestores a repor, pelo menos, metade do que receberam. Um quadro superior da Função Pública, mesmo assim, recebe num ano inteiro menos do que esses felizardos gestores auferiam num só mês. Acabem com as regalias dos Presidentes da República pós fins de mandato. Acabem com acumulações monetárias, com a duplicidade em mordomias. Acabem com os carros de serviço e com motoristas em triplicado. Poupem nos telefones, na luz eléctrica, no aquecimento, no ar condicionado, nas fotocópias, nos bens de consumo. Sem essa coragem não mais será possível acalmar o Povo e cumprir a essência da democracia.

Barroso da Fonte
in:jornal.netbila.net

1 comentário:

  1. Poucos sabem que Zé do Telhado, (alcunha de José Teixeira da Silva) tinha uma vasta experiência militar começada no quartel de Cavalaria 2, os Lanceiros da Rainha, e toma parte contra o partido dos setembristas e pela restauração da Carta Constitucional, no mês de julho de 1837.
    Quando se estala a Revolução da Maria da Fonte, a 23 de março de 1846, vê-se envolvido como um dos líderes da insurreição.
    Coloca-se às ordens do General Sá da Bandeira e assume o posto de sargento.
    Distingue-se de tal forma na bravura e qualidades militares que, na expedição a Valpaços, recebe a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, a mais alta condecoração que ainda hoje vigora em Portugal.
    Temos dado pouco valor ao nosso Robin dos Bosques.

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