terça-feira, 12 de novembro de 2013

A PARÓQUIA ENTRE O ESTADO E A IGREJA NO TEMPO DE POMBAL (1750-1777)

O Regalismo pombalino
A meados do século XVIII, quando se redigem as Memórias Paroquiais, desenvolvia-se sob o signo do Regalismo Josefino ou Pombalino, uma intervenção crescente se não mesmo, uso e abuso do poder e ordem eclesiástica em benefício do poder absoluto da Monarquia. Este é essencialmente um desenvolvimento doutrinário e ideológico associado ao Estado Ilustrado e Despótico que teve profundas consequências ao nível da alteração dos equilíbrios e relações institucionais e jurisdicionais entre a Igreja e a Coroa. 
Tais desenvolvimentos tiveram eco na questão em apreço, a saber, designadamente, a afirmação e disputa de poderes na escala local/paroquial. Vincaria os seguintes aspectos que parecem mais relevantes.
O primeiro tem a ver com a definição «constitucional» do primado do Direito Português Nacional sobre as demais fontes de Direito, definido a partir da «Lei da Boa Razão» de 1769 que tantas consequências terá no desenvolvimento das relações entre a Coroa e a Igreja, designadamente ao nível da concorrência que provocaria aos tribunais eclesiásticos, ao foro canónico e aos «privilégios» ou direitos eclesiásticos, pelos poderes e ordem judicial régia. A avocação de casos aos tribunais civis por um lado – a começar pela avocação de casos da Relação e Auditório Eclesiástico Bracarense para a Relação do Porto, da ouvidoria arcebispal ao corregedor da comarca –, e de casos do direito paroquial aos juízes civis, sobre pessoas, bens, rendimentos, jurisdições, em que se empenhavam os novos Letrados da Universidade Reformada; por outro lado, o envolvimento e concorrência correccional dos corregedores régios aos visitadores eclesiásticos no tratamento dos chamados «pecados públicos» que até aí corriam pelos visitadores eclesiásticos e suas devassas e que agora são avocados aos tribunais e magistrados régios, traduziram-se numa substancial quebra do poder dos eclesiásticos sobre as populações, medida claramente pela diminuição das acções dos tribunais eclesiásticos e pelo progressivo apagamento dos actos visitacionais e crise ou quebra de alguns direitos eclesiásticos e paroquiais.
Impacto muito directo sobre o poder dos párocos e do clero em geral, teve por outro lado, a célebre Lei Testamentária de 1769, que reduzia substancialmente o valor dos Legados Pios permitidos. É que a Lei, como podemos verificar, não só teve efeito sobre estes legados mas também sobre os próprios direitos paroquiais, que por seu impacto se viram também diminuídos, com reflexos nos rendimentos, sobretudo do baixo clero paroquial e sua tutela sobre os paroquianos. 
Esta incursão da ordem régia na ordem eclesiástica teria outros pontos não menos importantes, a saber, o controlo e fiscalização das contas das confrarias, dos provimentos e colações eclesiásticas também, com grande eco e consequências locais.
Tais medidas Regalistas do tempo de D. José e de Pombal fazem-se em nome da Política, da Economia e da Reforma Social e da Igreja, que a Monarquia entende liderar e associar a própria Igreja a estas reformas. É este o caso de grande propaganda e encenação pública do Poder Real e figura do Rei, para a qual a Igreja, voluntária ou forçadamente localmente será continuamente chamada a encenar as circunstâncias e momentos mais importantes, na realização de grandes festas e procissões régias, para que a Igreja, apesar de todos estes envolvimentos e afrontamentos, não deixaria de fazer e colaborar.
É o caso da festividade da Publicação da Bula de Cruzada, da festa do Corpo de Deus e Santíssimo Sacramento, que como é sabido, são festividades e devoções activa e politicamente associadas à deificação da figura do Rei e Poder Monárquico, que vieram juntar-se a outras festas municipais, também elas associadas a momentos da História Monárquica e da Família reinante portuguesa, relativamente às quais se pratica a maior liberalidade na autorização das despesas da conta municipal e sobretudo das sisas. 
Por outro lado a Coroa não deixará de promover uma forte vigilância e controlo sobre as festividades e actos de culto religioso, em especial naquelas que envolvessem grandes multidões ou até intervenções mais profanas, ou naquelas outras (sobretudo nas igrejas e comunidades conventuais) onde certas práticas e tendências religiosas (práticas jacobeias ou outras) poderiam pôr em causa a doutrina mais firmemente estabelecida pelos teólogos do Regalismo e da Real Mesa Censória.
Mas pese tudo isto, a Coroa nesta etapa não avançou por propostas de criação de instituições e órgãos próprios para o governo civil da paróquia. Ficou-se pelo melhor enquadramento das instituições de base eclesiástica e paroquial que tal exerciam. De qualquer modo a partir da 2.ª metade do século XVIII – desde as medidas pombalinas – estão abertos caminhos a uma maior contenção do poder e supremacia da Igreja no quadro paroquial e a uma intervenção civil e política mais activa na paróquia.

Memórias Paroquiais 1758

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