terça-feira, 9 de setembro de 2014

O ouro de Trás-os- -Montes chama-se castanha

Vasco Veiga, administrador da Sortegel:
“Se pensarmos numa produção aqui da região
 de 40 mil toneladas e fizermos as contas
a euro e meio por quilo,
estamos a falar de 60 milhões de euros,
que entram diretamente nas aldeias em dois meses.
Isto é muito superior às reformas
 e a muitas outras atividades aqui do Norte do País.
Muito superior ao azeite
 e talvez até superior ao vinho do Porto”
Grande questão sobre o negócio da castanha: como é possível Portugal estar ainda na fase de exportar castanha sem reter o valor acrescentado da sua transformação? A Sortegel, a maior exportadora, já faz algo por ela: conserva-a, descasca-a, congela-a e exporta-a ensacada – um camião TIR diário ao longo de todo o ano – para a Europa. Mas falta fazer tudo o resto. E aqui nasce uma grande oportunidade.
A castanha é o novo ouro de Trás-os-Montes e da Beira Interior. Ainda recentemente, na conferência de abertura das Jornadas de Empreendedorismo JN/DN/Millennium BCP, o líder de uma das mais importantes empresas transformadoras de frutos nacionais, a Frulact, sublinhou a enorme oportunidade que Portugal tem na retenção de valor acrescentado através do melhor aproveitamento dos castanheiros (e não só).

O valor da castanha ronda entre um euro e meio por quilograma quando vendida para a indústria, mas pode chegar, em fresco, a valores entre os três e os cinco euros. Não fosse a concorrência da China, estaria ainda mais alto. Mas o gosto e a qualidade da castanha portuguesa estão ao nível do melhor que há no mundo. As indústrias que precisam dela sabem onde vir comprá-la para elaborar iguarias tão extraordinárias como o marron glacé, que os franceses tanto apreciam, até à cerveja com gosto a castanha produzida no Japão.

Trás-os-Montes, com 85% dos castanheiros nacionais (mas também as Beiras), transformou Portugal num dos maiores produtores do mundo de castanha – só ultrapassados na Europa pela Itália. Mas os italianos têm os soutos dizimados pela mosca-asiática que se encasulou nos castanheiros e os está a amputar a eito. Vasco Veiga, gestor da maior empresa portuguesa de produção e transformação de castanha, diz que 90% dos soutos italianos estão com troncos ao alto e sem ramos, e por isso o valor da castanha portuguesa tem subido nos últimos anos, porque a Europa vem abastecer–se a Portugal.

A Sortegel é a líder nacional deste negócio e está há 25 anos a produzir castanha num souto de 110 hectares de produção biológica, nas faldas de Bragança. Uma quinta que é, toda ela, um ecossistema entre castanheiros, rebanhos e floresta. A empresa detém mais 200 hectares entre Vimioso e Macedo de Cavaleiros. A produção própria garante-lhe 300 toneladas por ano, mas a dimensão ultrapassa em muito estes números, porque compra nove mil toneladas de castanha por ano (aproximadamente 20% de toda a produção nacional que é de 45 mil toneladas). Atinge um volume de negócios de 20 milhões de euros por ano, com resultados líquidos próximos dos quatro milhões. A Sortegel pertence ao grupo Galileu, um conglomerado de atividades industriais, turísticas e agrícolas outrora ligado ao BPN, mas hoje detida por um conjunto de inúmeros pequenos acionistas com sede em Lisboa.

A unidade industrial, a poucos quilómetros de Bragança – situada nas proximidades da autoestrada – emprega cem pessoas e é uma empresa estratégica na região. A empresa não avançou para nenhuma transformação do produto a um nível mais sofisticado, até porque o nível de investimento necessário para criar marca, e se entrar no segmento alimentar, é o grande desafio que se coloca à Sortegel e a toda esta fileira agrícola.

A febre do ouro que cresce nas árvores

O impacto do crescimento do negócio da castanha é tal que, recentemente, o Jornal Nor-deste tinha como manchete “A febre do ouro transmontano”. Os números da Direção Regional de Agricultura do Norte assinalavam 3,3 milhões de euros em 72 projetos aprovados para instalação de jovens agricultores, investimentos de pequena dimensão ou modernização de empresas ligadas à castanha durante a vigência do Programa de Desenvolvimento Regional (Proder) entre 2007-2013. As variedades de castanheiros mais procuradas para novas plantações são a boaventura, longal e judia. Os viveiristas que vendem árvores para novas plantações têm os stocks praticamente esgotados, apesar da subida dos preços.

Pensa-se que a área de castanheiro cresceu 15%, mas está em curso a plantação de mais dez mil hectares em função das novas intenções de investimento. Ainda vão ser precisos talvez cinco anos para se começar a colher castanha com boa qualidade nestes novos povoamentos de souto, mas o crescimento está em curso – apenas contrariado por problemas não totalmente resolvidos, como o cancro do castanheiro e a doença da tinta, duas doenças fitossanitárias que, apesar de estarem espalhadas em Portugal, não têm dizimado totalmente os soutos. A mosca-asiática, que já chegou a Espanha, pode vir a surgir em Portugal, mas isso ainda não aconteceu – e deseja-se que não suceda.

Para a Sortegel, estas são boas notícias, já que todos os dias exportam castanha congelada, sobretudo para França, Bélgica e Alemanha. Num cenário de fogo vivo, as castanhas são submetidas a uma chama intensa que provoca um descasque quase imediato. Depois, o bailado de tapetes e banhos coze-a, leva-a ao controlo humano de qualidade e dirige-a para um embalamento a granel – que a submete posteriormente a frio e a põe pronta a exportar. E doce, porque é tanto melhor quanto mais suave se sentir na boca.

Já o grande Vitorino Nemésio dizia que “um castanheiro de 500 anos é… um castanheiro de 500 anos”. Quem for capaz de pensar para além do seu tempo deixará ficar um negócio para várias gerações.

Daniel Deusdado

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