sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A construção da Linha do Tua: um comboio do Douro a Bragança (1883 – 1906)

Prefácio
Foi este artigo escrito no ano passado com vista à sua apresentação às VIII Jornadas Culturais de Balsamão, todavia, à última da hora, resolvemos apresentar um outro trabalho mais consentâneo com o tema do referido acontecimento.
Entretanto comemora-se este ano o 100.º aniversário da conclusão da Linha do Tua com a chegada do comboio a Bragança e, como não há notícia de qualquer acontecimento a lembrar a efeméride, aproveitámos o nosso encontro anual de cultura para prestar homenagem a tão importante acontecimento regional, fazendo-o em Mirandela no dia desconcentrado das Jornadas e à cidade do Tua dedicado.
Cronologia sumária da Linha do Tua: Foz-Tua (1884) – Mirandela (1887) – Macedo de Cavaleiros (1905) – Bragança (1906).
Intróito
As vias de comunicação em Portugal eram escassas e de fraca qualidade quando cerca de meados do século XIX se começou a discutir a introdução do caminho-de-ferro, discussão que, diga-se de passagem, foi tudo menos pacífica. E nomes grados da cultura portuguesa há que se opuseram mesmo ao comboio como Alexandre Herculano e outros muito cépticos como Almeida Garrett (MÓNICA 1996; GARRETT 1977).
Mas a construção ferroviária tornou-se num imperativo nacional e em pouco tempo os reacionários converteram-se e não houve povo que não reivindicasse um caminho-de ferro que lhe passasse à porta.
Com a fundação da Companhia das Obras Públicas em 1844, surgiram os primeiros projectos para introduzir o comboio em Portugal. Dispunha essa Companhia de um capital de 20.000 contos destinados a desenvolver os principais meios de comunicação, celebrando com o Governo um contrato em 1845 para a construção duma linha-férrea que partindo de Lisboa pelas margens do Tejo, atingisse a fronteira.
Do corpus legislativo português desta época e relativo a esta matéria destaque-se a publicação em 1845 das Bases... para a construção de caminhos de ferro em Portugal e, em 1852 o Programa para concurso de emprêsas que se proponham construir um caminho de ferro de Lisboa à fronteira de Espanha (GEPB 1976, 609), bem como uma portaria em 1874 impondo à Junta Consultiva das Obras Públicas a elaboração de um plano geral de caminho-de-ferro (CP 2002).
Coube no entanto a Fontes Pereira de Melo concretizar a instalação do caminho-de-ferro em Portugal, assinando para o efeito entre 1851-1856 vários contratos com companhias estrangeiras e portuguesas, sendo o primeiro troço inaugurado nessa última data (SERRÃO 1992, 449), passando precisamente neste ano o 150.º aniversário.
Desde 1856 até finais da centúria a instalação das ferrovias decorreu de forma célere, construindo-se só nas primeiras três décadas desse período cerca de 60% do total dos 3.616km executados até 1956 (MENDES 1993, 375).
O(s) (ante)projecto(s) ferroviário(s) para Trás-os-Montes e Alto Douro
A primeira notícia que (neste momento) dispomos sobre uma proposta concreta acerca da construção de uma linha férrea na nossa província, inserida numa ideia intermodal de desenvolvimento das vias de comunicação, como hoje diríamos, data de 9.III.1861, dia em que na Câmara dos Deputados, um grupo de 4 dos seus membros apresentou uma proposta de lei na qual defendiam que se fizesse um lanço de caminho de ferro pela margem direita do Tua, desde Mirandella á villa de Abreiro e d’aqui uma estrada a macadame por Alijó e Favaios para o caes do Pinhao, continuando depois o transporte das mercadorias pelo rio Douro, visto que a ideia de tornar navegavel o rio Tua, outr’ora julgado essencial para fomentar a riqueza transmontana, era inexequìvel em razao das graves difficuldades e grandes despezas que a sua realizaçao demandava, como os estudos feitos nesse sentido já ha muito tempo haviam demonstado (ALVES 1975-1990, IX, 224). Ideia essa que não teve execução, como sabemos. 
Recorde-se que somente em 02.VI.1867 é o Governo autorizado a construir e a explorar duas linhas ferroviárias que deveriam sair da cidade do Porto, uma em direcção à fronteira galega por Braga e Viana do Castelo e uma outra pelo vale do Douro passando pelas proximidades de Penafiel até ao Pinhão (ABREU 2005, 109).
Mas em 1876 é nomeada no âmbito da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses uma Comissão para estudar a melhor maneira de terminar a discussão sobre a rede geral dos caminhos de ferro (AECP 1879, 43), comissão que discutirá com acuidade o assunto mormente até 1878 (SOUSA 1927, 106), ano em que é cometida pelo Ministro das Obras Públicas através de Portaria de 12 de Junho ao Eng.º Sousa Brandão, a missão de estudar os caminhos de ferro ao norte do Douro, que pozessem em communicação o interior das provincias do Minho e Traz os Montes com os caminhos de ferro principaes do Douro e Minho, através de 5 vias, nomeadamente:
- até Chaves a partir da linha do Minho (por Braga ou Guimarães);
- também a Chaves a partir da linha do Douro, pelo vale do Tâmega;
- a partir da estação da Régua pelo vale do Corgo até Vila Real e Vila Pouca de Aguiar, a entroncar na linha antecedente;
- a partir do Douro pelo vale do Tua até Mirandela e daqui a Vinhais;
- e finalmente a partir do Douro pelo vale do Sabor até Bragança, ou às suas proximidades (BRANDÃO 1880, 145-146).
Entrementes o Ministro das Obras Públicas Lourenço António de Carvalho propõe a 7.II.1879 a construção de várias ferrovias, entre elas a de Foz-Tua a Bragança por Mirandela e Macedo de Cavaleiros, considerada como linha de 1.ª ordem; as outras duas para Trás-os-Montes (estas de 2.ª ordem) eram a de Mirandela a Vinhais pela Torre de D. Chama e a outra igualmente de Mirandela a Miranda do Douro através do Pocinho, minas de Torre de Moncorvo e Mogadouro (ALVES 1975-1990, IX, 224-225).
Menos de um mês decorrido desta proposta, na sessão da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses realizada a 1.III.1879, tem Sousa Brandão possibilidade de dar a conhecer aos seus pares os estudos de que fora incumbido e que entretanto realizara (AECP 1879, 372-377; ABREU ET AL 2006b):
- que nas duas províncias em causa (Minho e Trás-os-Montes) se encontravam em execução avançada as duas linhas principais que, partindo da cidade do Porto se dirigiam, uma pela margem do Douro até Barca d’Alva e Salamanca, e outra paralela à costa, para Norte, até Valença para fazer a ligação com o caminho-de-ferro de Vigo a Ourense;
- que o território entre estas duas vias, ou seja a fronteira a Norte com a Galiza e a Este com as províncias de Zamora e Salamanca, era necessário preencher com linhas férreas de 2.ª ordem (ou via estreita);
- partindo da premissa que As grandes linhas que servem á direcção dos caminhos de ferro são os valles e os rios, ou assentam nas suas margens ou nas planuras, relativamente a Trás-os-Montes e depois de ter estudado o território, percebeu que a rede hidrográfica secundária mais importante era constituída pelo Sabor, Tua e Corgo, tirando daí a indicação para as 3 principais linhas ferroviárias que -assim como os afluentes-, teriam o Douro como collector commum;
- Obedecendo a taes principios traçou as linhas, considerando a mais importante a que atravessa a província pelo meio, passando por Mirandella, e assenta pela maior parte no valle do Tua, considerado difícil de Abreiro para jusante mas praticável, apesar das voltas rapidas, encostas abruptas e necessidade de tunneis, não excedendo a sua maior rampa 15 milímetros e os raios mínimos de curva terem 200 metros;
- que fizera o reconhecimento do curso do Tua desde Mirandela a Vinhais, percebendo que as inclinações se elevavam a 25 milímetros;
- que a extensão total do percurso era de 100km, 58 de Foz-Tua a Mirandela e 47 daí a Vinhais;
- considerava que o caminho acima de Mirandela, além das peiores condições, é muito menos importante, sendo todavia necessário saber se se poderia levar com vantagem a linha até Bragança;
- ora, partindo do pressuposto anteriormente exposto que as povoações localizadas num vale devem ser servidas por uma via proxima do seu thalweg, o caminho-de-ferro para esta cidade capital do distrito deveria marginar o rio Sabor;
- estudou-se o curso desse rio e as respectivas margens desde a foz até às cercanias dessa cidade, colocando-se a hipótese de se avançar através do Vale da Vilariça até Macedo de Cavaleiros e daí para Bragança, mas se nos primeiros vinte e tal km se subia com pequena inclinação que não excederia os 25mm, já a Serra de Bornes atrapalhava o perfil desejado e tecnicamente recomendável pois obrigaria à construção de um túnel de 8km de extensão, tendo ainda de descer mais de 60 metros até a origem da ribeira de Carvalhaes, entre Macedo de Cavaleiros e Castellões [Castelãos];
- foi pois este traçado abandonado, preferindo-se uma linha que partindo de Mirandela e com proveniência na foz do Tua, subisse a ribeira de Carvalhais e dali chegasse a Bragança, numa extensão de 67km, ficando assim esta cidade à distância de 260km do Porto, sendo que 140 se contam do Porto à confluência do Tua com o Douro;
- considerava ainda que esta linha por ser central daria em devido tempo lugar a muitas ramificações que podem augmentar o seu proprio trafego e o do Douro;
- a via que considerou em segundo lugar foi a de Peso da Régua a Chaves que até Vila Real seguiria pela margem esquerda do Corgo;
- e a terceira a do Pocinho a Zamora, passando por Torre de Moncorvo e atravessando o seu jazigo de ferro, abandonando assim a ideia de seguir o vale do Sabor;
- o local escolhido para atravessar a fronteira situar-se-ia entre Constantim e a S.rª da Luz, considerando [e agora cito por termos entre nós um mirandês, o nosso amigo P.e Basileu] que Miranda fica a uns 8 kilometros á direita sobre a margem escarpada do Douro, e é uma povoação tão pequena e insusceptível de engrandecimento, que nada se perde em a deixar a essa distancia; vaticínio cumprido, pois para além das dificuldades na construção da ponte do Pocinho (ABREU ET AL 2006a), a linha não chegou a ser concluída, e as últimas obras realizadas em 1938 (quase 60 anos depois), deixaram-na em Duas Igrejas;
- considerava assim aquele reputado técnico que com estas 3 vias principais, ficavam as várias zonas da região transmontano-duriense proporcionalmente servidas.
Recorde-se que os trabalhos de construção da Linha do Douro se iniciaram em 1873 e enquanto essa discussão decorria as obras avançavam para montante, chegando as locomotivas nesse mesmo ano de 1879 à Régua (CP 2002).

Carlos d’Abreu
Comunicação apresentada às IX Jornadas Culturais de Balsamão Balsamão (Chacim, Macedo de Cavaleiros) e Mirandela, 7-10.IX.2006

In: Actas das IX Jornadas Culturais de Balsamão, Centro cultural de Balsamão, 2007, 171-201

CONTINUA...

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