quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Fronteiras: Constantim/Moveros (Nossa Senhora da Luz)

Fronteira Portuguesa vista do lado Espanhol
É bem sabido que a ligação entre Miranda (do Douro) e Bragança pela EN218 nem sempre resulta a melhor opção para chegar à capital do distrito. Por isso, muitos habitantes da região costumam aproveitar o bom estado da estrada espanhola N-122 que teoricamente deverá ser substituída pela auto-estrada A-11 num futuro que vai depender da duração da crise económica, mas que em parte permite hoje evitar o trânsito pela cidade de Zamora depois de ter aberto a variante norte à cidade que leva a auto-estrada a 5 km. à jusante. 

A saída natural para os habitantes do concelho de Miranda é a fronteira entre Constantim e Moveros, onde fica a capela de Nossa Senhora da Luz, situada mesmo no limite fronteiriço. Isto porque até há pouco tempo a fronteira entre Ifanes e Brandilanes, mais próxima, estava num estado lamentável, sendo que neste ano, antes do Verão, as obras da estrada da fronteira eram objecto de uma beneficiação que pedia a gritos. 

 A fronteira da Luz é uma fronteira muito permeável porque está situada num alto mas de não difícil passagem. Se Moveros e Constantim estão situados a umas altitudes que oscilam entre os 800-810 m., o limite fronteiriço fica a pouco mais de 880 m, sendo mais «íngreme» a subida (ou descida) para Moveros do que para Constantim. Ao lado fica a capela de Nossa Senhora da Luz que atinge os 899 m. o que a converte num miradouro privilegiado do Planalto Mirandês e da região de Aliste, com quem partilha bastantes afinidades. Não devemos esquecer, como já foi dito nalguma ocasião, que esta região pertenceu a Portugal e foi um arcediagado da arquidiocese de Braga que recuperou a região em 1103 pela bula do papa Pascoal II que obrigava à diocese de Astorga a restituir as terras de Ledra, Vergantia e Aliste, que tinham sido objecto de uma usurpação em 969 aproveitando o facto de a diocese bracarense não ter sido restaurada após a invasão muçulmana, tendo ficado em mãos da diocese de Lugo, que não queria largar o privilégio de ser sede metropolitana de Lugo-Braga e que só tardiamente, com o Bispo D. Pedro, finalmente foi restaurada em 1071 por iniciativa do rei da Galiza, Garcia II (se bem alguns historiadores consideram que foi o rei Sancho III de Castela, que pretendia restaurar o reino de seu pai Fernando I o Magno, reconquistador de Lamego e Viseu em 1055 e 1056 e de Coimbra em 1064), rei que acabou cegado pelo seu irmão Sancho e morreu no ano de 1091 completamente cego no castelo de Luna, no norte da actual província de Leão, no caminho para as Astúrias.

Depois destes apontamentos históricos, importa salientar o facto de a Luz ter sido um ponto de encontro entre transmontanos e alistanos sendo que a capela costuma ser objecto de peregrinação o último domingo do mês de Abril, se bem este ano a causa de umas festas da Páscoa tardias foi no segundo domingo de Maio. Após a missa, os visitantes desfrutam de um convívio onde as fronteiras são ultrapassadas pela cordialidade das relações e até a amizade entre os habitantes de um e do outro lado da fronteira. São tempos de alegria em que a Primavera já vai avançando e mostra-se propícia para os clássicos pique-niques ao ar livre.

O alto da Luz constitui um óptimo miradouro entre ambas as duas terras, tendo a sua continuação por serras que, orientadas à Oeste, costumam constituir o limite fronteiriço mas nem sempre, sem que essas elevações possam definir-se como um verdadeiro entrave às comunicações como acontece noutras partes da Raia. Essa relativamente elevada altitude faz que a vegetação, que na região de Aliste está formada por matagais de urze, giestas, tojos e estevas situados entre penedos rochosos de granito e zonas de predomínio de algumas espécies mediterrânicas como a azinheira, o que fez o território ter-se especializado na pecuária de vitela de raça alistana e a ovelha para a produção de queijo, seja substituída aos poucos por uma flora de transição onde não falta o carvalho negral e soutos de castanheiros e fetos, que indiciam um clima mais húmido em que se misturam espécies atlânticas, mediterrânicas e de transição. Como contraste, o Planalto Mirandês caracteriza-se por uns solos mais férteis que permitem a cultura do cereal, os lameiros e a pecuária da vitela de raça mirandesa, onde o destaque vai para a sua famosa posta, o ex-libris da região.

A permeabilidade da fronteira fez com que do lado português, a montante da capela da Luz, fossem situadas uma espécie de guaritas a modo de sentinelas para a vigilância de uma fronteira onde o contrabando era moeda de troca corrente de um e do outro lado. Hoje, abandonadas, são testemunhas mudas de tempos passados e miradouros privilegiados de uma paisagem que se estende até perder-se no horizonte. É, sem dúvida, uma fronteira de passagem obrigatória para quem aprecia a Raia no seu todo.

in:historiasdaraia.blogspot.pt

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