terça-feira, 28 de julho de 2015

“Governos olham para o Nordeste como algo que se poderá transformar numa coutada”

A propósito do lançamento do seu último livro, o Jornal NORDESTE esteve à conversa com Fernando Calado. Natural de Milhão, o escritor, que foi professor e jornalista, falou da sua carreira literária. Calado lamenta a desertificação e o abandono do interior pelas políticas do poder central
Como surgiu a literatura na sua vida?

O meu primeiro livro, de 1973, é “Verdes de sangue”, de poesia, era eu um jovem estudante de filosofia, com pouca informação sobre os perigos da escrita no regime fascista e ainda me trouxe alguns dissabores, mais por ingenuidade. Porque trazia poemas contestatários, de carácter social em defesa dos oprimidos, mas confesso que não era por convicção ideológica, era mais por um sentir social. Mas o regime entendeu que era iminentemente político e, na tropa, fui orientado para determinadas especialidades, que não seria se não fosse o livro e com a indicação de que iria para a Guiné, que era o teatro de guerra mais austero. Contudo, depois deu-se o 25 de Abril e fui um herói à força, mas confesso que nada fiz para ser herói.

Publicou em Maio o seu primeiro romance, depois de outros géneros. Encara os diferentes estilos literários da mesma forma?

O conto é a grande plataforma para outros estilos literários. O meu primeiro livro de contos, “Há homens atrás dos Montes”, vai-me dar oportunidade de partir para outros estilos literários.
Antes deste romance saiu, há dois anos, um pequeno ensaio chamado “E já não havia rosas”. Foi uma espécie de psicanálise que tive necessidade de fazer, de me encontrar comigo próprio.
E foi esse livro que me preparou emocionalmente para este romance, “O milagre de Bragança”, que anda à volta do imaginário da cidade, é um romance urbano. Porquê este nome? Andei muito tempo a pensar por que motivo Bragança teria tido um colégio dos jesuítas, porque vieram para esta cidade, e não ficaram em Braga. Um frade jesuíta de Braga veio a Bragança sugerir que abrissem um colégio de jesuítas, foi depois a Salamanca falar com o responsável dos jesuítas para que se abrisse esse colégio, e acaba por desaparecer, misteriosamente, em Alcanices. Muita gente pensaria que seria um anjo, uma figura celestial, que veio sugerir que se abrisse um colégio em Bragança. Esse seria o milagre e daí parti para outros milagres de Bragança, nomeadamente nos últimos 100 anos, com as suas grandezas, para o papel dos judeus que tão importantes foram para o progresso da cidade, para os maçons, que também estiveram cá e contribuíram para o desenvolvimento, militares e sobretudo para os estudantes, para o liceu de Bragança que se vai instalar mais tarde no célebre colégio dos jesuítas.

Sendo uma ficção histórica, como foi o processo de criação? Envolveu muita pesquisa?

Este romance foi escrito em tempo recorde, em menos de 6 meses, mas antes disso houve um trabalho de investigação de mais de dois anos. Escreveu-se, felizmente, muito sobre Bragança, há muitos trabalhos científicos. Li quase tudo sobre Bragança, nos últimos tempos, fiquei com uma ideia muito distinta de como foi durante 100 anos, que pouco cresceu e evoluiu. No último século, assistiu a dois grandes movimentos de desenvolvimento: a chegada do comboio em 1906 e da luz eléctrica em 1921 e pouco mais aconteceu nesta cidade de província.

Como vê o facto de o comboio ter acabado e de a ligação aérea ter sido interrompida? Considera um retrocesso?

Bragança sempre viveu com as suas contradições, já quando o comboio chegou, os bragançanos viram com muito maus olhos.
Mas quando o comboio saiu foi uma grande perda, toda gente viu com grande nostalgia a sua saída. E podia ser um factor de desenvolvimento importante, nomeadamente no transporte de mercadorias. Hoje em dia ainda faria sentido, com uma linha larga, até para fazer a ligação ao TGV espanhol.

Por Olga Telo Cordeiro

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