sábado, 5 de março de 2016

Cinema Torralta. Uma sala mítica que ardeu - Afonso de Sousa falou com Álvaro Caldeira, o homem do cinema em Bragança

Um incêndio, ao início desta madrugada, em Bragança, destruiu por completo a mítica sala de cinema do edifício Torralta. Faz parte duma estrutura onde existia um hotel, restaurante e, desde há alguns anos uma dependência de um banco.
O cinema Torralta foi dirigido este tempo todo, por uma família. Álvaro Caldeira acordou esta manhã com um telefonema da filha. "Banhada em lágrimas. A minha filha chorava que nem uma criança. Ela vive na Irlanda, acordou-me eram oito da manhã. Morreu hoje parte de mim. Com a morte desta sala morreu um bocadinho de mim, de mim e da minha família toda".

Álvaro Caldeira, conhecido carinhosamente como o "homem do cinema" em Bragança, tomou conta da sala da Torralta, com a família, em 1980. Ali esteve quase trinta anos. "A Torralta era uma sala mítica. Vinha gente de todo o lado, de Vinhais, de Macedo de Cavaleiros, de Vimioso. O domingo era um dia mítico de cinema em Bragança. As pessoas vinham ao cinema e muitas delas nem sabiam que filmes estavam em exibição e quando chegavam é que sabiam o filme que iam ver. Era quase um vício ir ao cinema".

A sala, com balcão e plateia tinha mais de 600 lugares. Álvaro Caldeira recorda as enchentes de dois filmes. "O Titanic seguido, veja bem, do Tentação. Um filme português que muito me orgulha de que tivesse acontecido".

Para o filme rodado em Vila Flor, no distrito de Bragança, vinham excursões ver a produção de Tino Navarro. Foi com ele que Álvaro Caldeira recorda um dos momentos da vida da sala. "O normal que seria entrar para a plateia mas ele entrou para o balcão e caiu do balcão para a plateia (cerca de três metros de altura), caiu. Tinha aquele murozinho e ele galgou o muro e caiu para a plateia. Felizmente ficou tudo bem".

Para lá do cinema, a Torralta era lugar para outros eventos, acrescenta Álvaro Caldeira. "Por ali passaram todos os primeiros-ministros deste país, os presidentes da república, que foram lá fazer os seus comícios em campanha eleitoral, os presidentes de câmara, os eleitos e os não eleitos, tudo. Era uma sala emblemática, não só do distrito mas também do país".

Em 2008 Álvaro Caldeira foi forçado a fechar a sala. O último filme a passar foi "Mar adentro". Um relato sobre a eutanásia. "Foi o 'Mar adentro', nem sei se foi coincidência, já tinha muito poucos espetadores. Para mim foi uma grande tristeza. As pessoas de Bragança abandonaram-me. Trocaram-me pelas pipocas do centro comercial", conclui Álvaro Caldeira.

Com o cinema Torralta, arderam também muitas emoções, tristezas e alegrias mas principalmente os sonhos, ali construídos por várias gerações.

Afonso de Sousa
TSF
Torralta: A Birra do Morto
Torralta: Auto da Barca do Inferno

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