terça-feira, 14 de março de 2017

D. Maria de Jesus (Manuela)

Recolhimento da Mofreita em Vinhais
Foto:velhariasdoluis.blogspot.pt
Natural da Mofreita, concelho de Vinhais, primeira abadessa do recolhimento daquele nome, fundado a 1 de Novembro de 1793 pelo bispo D. António da Veiga, ainda simples abade da mesma povoação; faleceu em Lisboa no paço real, para onde fora chamada por D. Carlota Joaquina, mulher de el-rei D. João VI em 1822, ela e a sua colega D. Domingas de Jesus Vaz, abadessa do recolhimento do Loreto, após a sentença e condenação pelo tribunal inquisitorial (ver o artigo Vaz).
D. Arminda Pinto Coelho de Ataíde, residente em Bragança, possui um manuscrito in-4.º, papel liso, a que faltam os fólios 125 a 128, 148 e seguintes, cujo autor ignoramos, que começa da seguinte forma no fólio 1 (faltam os anteriores):

«Sem o esperar me veio hum Manuscripto á mão, que continha algumas passagens edificantes da vida de Maria de Jesus Primeira Supperiora do Recolhimento das Donzellas do Menino Jesus fundado no lugar da Mofreita pelo Excellentissimo Senhor D. António Luiz da Veiga Cabral de Saudosa memoria, Bispo de Bragança e Miranda, de quem tive a distinta honra de ser capellão e testemunha ocular das suas heroicas virtudes, incomparavel sabedoria (419); e de muitos milagres, que Deos se dignava obrar por elle, por espaço de vinte e cinco annos, acompanhando-o de dia, e de noite por toda a parte, e algumas vezes experimentando em mim mesmo os saudaveis effeitos das suas sobrenaturalidades.
Tive prazer de encontrar alguns testemunhos das virtudes, e das sobrenaturalidades da dita Maria de Jesus (que vulgarmente chamavão Maria Manuella) escritos por pessoas muito sinceras, e muito acreditadas pelas suas bem conhecidas virtudes; de cujo testemunho nada posso duvidar, porque são pessoas de mui rara probidade, de mim bem conhecidas, e escreverão o que por si mesmas presenciarão, e porque tudo combina com o que eu mesmo presenciei, e experimentei da dita Primeira Superiora Maria de Jesus a quem muito familiarmente tratei, e de cuja alma me lembro muitas vezes cada dia sempre saudoso pelo muito, que espiritualmente lhe devia».

Guiou-se na confecção do livro «por huns reborrões, que achei escriptos por huma das ditas Donzelas chamada Martina natural do lugar de Frezulfe que hoje vive, e se conserva no dito recolhimento de idade de mais de sessenta annos, tendo entrado nelle no principio da sua fundação nos mais bellos annos da sua mocidade, e tendo-se conservado sempre com exemplar conduta, como eu mesmo posso afiançar, porque pessoalmente a conheço quasi desde a sua entrada para Religiosa» (fólios 4-5).
Maria de Jesus, também chamada Maria Manuela, primeira superiora do recolhimento da Mofreita, e Domingas de Jesus, primeira superiora do recolhimento do Loreto, em Bragança, foram presas a 20 de Fevereiro de 1797 à ordem da Inquisição, recolhidas aquela noite no aljube em Bragança e remetidas no dia seguinte, «que era dia de feira na cidade», para os cárceres da Inquisição de Coimbra, onde estiveram sete anos reclusas, sendo depois condenadas e vindo a ler a Bragança e a Mofreita as sentenças condenatórias, pelo motivo (dizia a sentença) de fingirem os milagres, êxtases e austeridade que praticavam «para agradar a certa Pessoa» – o bispo D. António (fólio 87).

«No tempo do governo constitucional o conego Araujo foi prêso para Sagres: o Prior d’Obidos por não prestar juramento á Constituição esteve preso vinte e dois mezes, e por fim expatriado: o Prior de S. Nicolao foi suspenso: o Prior apresentado de S. Miguel em Cintra retirou-se pelo mesmo motivo para Roma, e demittio a Appresentação do Priorado: o
Prior de S. Lourenço do Bairro foi suspenso, e mandado sahir desterrado no curto prazo de tres dias. Todos estes tinhão sido discipulos do mencionado Senhor D. António» (fólios 50-51).
O autor do manuscrito louva o mesmo bispo por não aderir ao sistema constitucional e orientar a sua família, tanto a espiritual como a temporal (irmãos, tios e sobrinhos) no mesmo sentido.
No fólio 60 aponta casos de lentes da Universidade de Coimbra e de outras pessoas de categoria mental que visitaram o bispo D. António quando desterrado no Buçaco, em S. Vicente de Fora e em Alcobaça, e ficaram assombradas da sua enorme sabedoria, manifestada na conversa em «dissertações tão eloquentes, e tão eruditas, que qualquer homem, ainda de hum profundo saber, não era capaz de o compor em muitos mezes com tanto acerto, e com tão alta erudição, como o Senhor Bispo as apresentava improvisando».
Pelo que diz no fólio 100, conclui-se que o manuscrito foi feito depois que as recolhidas do Loreto em Bragança se mudaram para Fornos de Ledra. É uma apologia da primeira superiora do recolhimento da Mofreita, chamada Maria Manuela ou Maria de Jesus na clausura, e do bispo D. António da Veiga Cabral e Câmara, seu director espiritual, fundador do mesmo recolhimento, que tanto uma como outro, no conceito do autor do manuscrito referido, eram grandes santos e fizeram muitos milagres, os quais descreve. Ver Vaz (D. Domingas de Jesus) e Lopes (João Rodrigues).

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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