sábado, 1 de abril de 2017

Estudantes do Politécnico abriram portas à aceitação de refugiados em Bragança

Bragança acolheu há oito meses o primeiro e único grupo de refugiados que encontrou trabalho, apoio e aceitação da comunidade local facilitada pela convivência da cidade com os estudantes estrangeiros do Instituto Politécnico.
Este é o balanço feito pelos que chegaram à cidade e pela equipa que os acompanha, criada pela Santa Casa da Misericórdia, a instituição que recebeu em julho de 2016 três refugiadas, uma delas grávida, e dois bebés.

Uma das mulheres foi embora, com o filho, para França, poucos meses depois. Duas ficaram e trabalham na lavandaria da Santa Casa, com contrato de trabalho, enquanto os filhos bebés estão no Centro Infantil Cinderela da mesma instituição.

Melat, de 25 anos, fugiu da Eritreia e chegou grávida do primeiro filho, que vai ser batizado, no sábado de Páscoa, na Catedral de Bragança, com a presença do bispo da Diocese, José Cordeiro.

Maria, jovem com “idade incerta”, deixou dois filhos na República Central Africana. O terceiro nasceu em Itália, num campo de refugiados depois de, como Melat, ter fugido por vários países africanos e entrado num barco para chegar à Europa.

Gostam de Bragança, sentem-se seguras e “não há rejeição por parte da comunidade local”, como garantiu à Lusa Catarina Vaz, técnica responsável pela Casa Abrigo onde estão alojadas por conta da Misericórdia.

“Bragança sabe receber e também já está habituada com os estudantes [estrangeiros] do Politécnico que abriram muitas portas”, apontou a técnica, que já chegou a ir com estas mulheres às compras e a ouvir a perguntar-lhes se são alunas.

As residências construídas na zona histórica, numa parceria entre o Politécnico e a Câmara Municipal, facilitaram a convivência entre os estudantes de várias nacionalidades e a população e culturas diferentes, como observou a técnica.

A equipa destaca os donativos da comunidade de Bragança, desde roupas a carrinhos para os bebés, na fase inicial de receção destas famílias.

Mesmo aquele que é o maior obstáculo, o da língua, tem sido ultrapassado com “um novo dialeto”, como lhe chama Ana Saldanha.

Esta jovem trabalhou como voluntária com os refugiados e portugueses em situação precária durante o programa Erasmus na Dinamarca e, quando regressou a Bragança, ofereceu-se para acompanhar os refugiados.

Maria e Melat estão a aprender português desde que chegaram a Bragança, mas ainda não falam a língua de acolhimento, embora entendam. “Falar português é difícil, compreender é fácil”, dizem.

E, como a Lusa constatou que, entre palavras em várias línguas (árabe, tigrinês, francês) e gestos e afetos, a comunicação resulta.

Maria dobra roupa, passa, limpa, gosta do trabalho na lavandaria e gosta também dos idosos com quem convive habitualmente já que o lar é uma das várias respostas sociais da Misericórdia de Bragança.

Não gosta de estar longe da família e quer voltar depois da guerra, como disse à Lusa, enquanto mostrava, no telemóvel, fotografias da família que ficou em África.

Em Bragança, as refugiadas têm casa, água, luz, tudo pago, mas têm ainda dificuldade em perceber o valor monetário das coisas em Portugal, uma dificuldade que a equipa de acompanhamento está a tentar suprir.

Tanto Maria como Melat ganham o ordenado pago pela Misericórdia e apoios financeiros da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR).

“É muito trabalho e dinheiro pouco”, diz Maria que, tal como Melat, tem de enviar dinheiro para a família.

A maior incógnita vai ser quando o programa de apoio, que dura 18 meses, acabar.

“Como é que estas famílias vão ficar no fim do programa, [altura] em que se acaba o apoio?”, questiona-se a técnica Catarina Vaz, pois sabe que “não é o emprego que garante a permanência.

Todos os refugiados que Portugal recebeu até hoje ainda estão a beneficiar do apoio da PAR. O desafio agora “é tentar programar a fase da autonomia”, já que até aqui são as instituições de acolhimento que suportam a maior parte das necessidades destas famílias.

Mari e Melat contaram à Lusa que estão a tentar “agora poupar, para depois conseguirem viver com menos dinheiro”.

Mas Catarina confessa que o seu maior receio “é um dia chegar à casa e não estarem lá”.

“Falta-lhes a afinidade, os amigos, a família”, observou.

O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Bragança, Eleutério Alves, disse à Lusa que não teve mais nenhum contacto das autoridades nacionais para receber mais refugiados, apesar de haver disponibilidade local de acolhimento.

A Misericórdia mantém em aberto também outro programa destinado a refugiados com perfil diferente, nomeadamente agregados familiares que queiram trabalhar nas zonas rurais. Este programa ainda não teve candidatos.

O provedor garantiu que a instituição tem disponibilidade de habitação e de terras para serem trabalhadas.

Agência Lusa

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