segunda-feira, 31 de julho de 2017

Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda

Coronel de infantaria, comendador da ordem da Torre e Espada e cavaleiro da de S. Bento de Avis. Nasceu em Bragança a 20 de Agosto de 1791 e faleceu em Paris a 9 de Abril de 1833. Era filho do tenente-general Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda e D. Joana Correia de Sá Vasques e Benevides, natural do Rio de Janeiro.
Fez a campanha da guerra peninsular, merecendo ser condecorado pelo rei de Espanha com a Cruz de Distinção na batalha de Albuera a 16 de Maio de 1811 e louvado na «Ordem do dia» de 23 de Julho de 1812 pelo seu comportamento na batalha de Salamanca (782). Fazia parte do estado-maior da repartição do ajudante-general.
Foi deputado às cortes constituintes em 1821 pela província de Trás-os-Montes, nas quais nunca falou; no entanto, «cumpre-nos dizer que o seu voto foi sempre liberal, e como era de esperar de um dos mais firmes apoios do systema constitucional, de um regenerador da patria e de um dos que primeiro fez soar no Douro o grito da liberdade que á causa da patria prestou relevantes serviços».
Em 1823 foi nomeado comandante da força armada na capital, havendo antes sido promovido a brigadeiro.
Depois da queda da Constituição, em 1823, emigrou para França malquistado com todos os partidos e lá faleceu.

Escreveu: Alicerce da Regeneração Portuguesa – Memória das providências e operações a bem da regeneração nacional, que o brigadeiro, etc., então coronel do regimento de infantaria nº 18 praticou em dia 24 de Agosto de 1820, e posteriormente na qualidade de deputado da Junta Suprema Provisória do Governo do Reino, etc., etc. Lisboa, na Tip. Rolandiana, sem data (mas cremos ser de 1821). 4.º de 14 págs. Este opúsculo é de tal qual importância para a história dos acontecimentos políticos daquele tempo.
O retrato deste notável bragançano encontra-se gravado em Lisboa por G. F. de Queirós (desenho de D. A. Sequeira, 1822) na colecção de Francisco António da Silva Oeirense, intitulada «Retratos dos membros da Associação começada no Porto em 22 de Janeiro de 1818 e das mais pessoas que com eles cooperaram para a Revolução Política de 24 de Agosto de 1820». Encontra-se igualmente nesta colecção o retrato de Domingos António Gil de Figueiredo Sarmento, tenente-coronel de infantaria nº 6, também outro bragançano que muito contribuiu para essa revolução.
Na História de Portugal, popular e ilustrada, de Pinheiro Chagas, vol. VIII, pág. 55, vem também o retrato de Sepúlveda acompanhado de algumas notas biográficas.
A 18 de Agosto de 1818 foi recebido no Sinédrio o coronel Bernardo Correia de Castro Sepúlveda, que no dia 16 desse mês entrara no Porto com o regimento de infantaria nº 18. Simão José da Luz Soriano diz que o Sinédrio se organizou sem cooperação maçónica; todavia, esta seita teve, mais tarde, influência sobre ele, sendo mações quase todos os seus membros, como aquele historiador demonstra contra José Maria Xavier de Araújo, que nas suas «Memórias» afirmava o contrário. Sepúlveda ficou sendo o número treze do Sinédrio, o «ultimo d’este notavel corpo e um dos mais dedicados e efficientes membros d’elle até 1823, em que se bandeou miseravelmente com o partido absolutista, que o desprezou».
Por último, deve entender-se na ordem cronológica, relativamente aos que o tinham precedido e também a esses treze membros que eram como que os fundadores, chefes do movimento revolucionário, e nunca julgar-se que depois essa associação não adquirisse mais membros, como efectivamente teve, e entre eles outro bragançano ilustre, que muitos e valiosos serviços prestou a esta causa e foi o bravo Domingos António Gil de Figueiredo Sarmento, tenente-coronel do regimento de infantaria nº 6, aquartelado no Porto.
Sem a cooperação de Bernardo Sepúlveda talvez a revolução tivesse abortado, porque Manuel Fernandes Tomás e António da Silveira Pinto da Fonseca, irmão do conde de Amarante, não concordavam no modo de dirigir a revolução e fins dela; por último, conseguiu harmonizá-los e destinaram o dia 24 de Agosto de 1820 para fazerem estalar o movimento.
Sepúlveda, cônscio da sua força, dirige-se ao quartel-general no dia 22 daquele mês e ano e expõe ao general Canavarro os planos do movimento, a gente com que contava e a inutilidade da resistência. Canavarro, à vista de tanta franqueza e audácia e do tom firme com que estas coisas eram ditas, julga impossível evitar os acontecimentos; não toma resolução alguma relativamente aos mesmos e nada diz aos que o iam consultar sobre o que deviam fazer, como o coronel Grant.
Na manhã do dia 24, Sepúlveda e o coronel Gil de Figueiredo, à frente dos seus respectivos regimentos, infantaria n.os 18 e 6, aos quais se juntou Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira, coronel de artilharia nº 4, com uma força desta unidade, reuniram-se no Campo de Santo Ovídio, onde este fez erigir um altar de campanha e celebrar missa, em seguida à qual ele e Sepúlveda fizeram a proclamação às tropas. A proclamação deste tinha mais serenidade e tom de convicção.

Eis o seu conteúdo:

«Soldados! acabou-se o soffrimento. A patria em ferros, a vossa consideração perdida, nossos sacrificios baldados, um soldado portuguez proximo a mendigar uma esmola!... Soldados! o momento é este; voemos à nossa salvação propria. Camaradas, vinde commigo. Vamos com os nossos irmãos d’armas organizar um governo provisional que chame as côrtes a fazerem uma constituição, cuja falta é a origem de todos os nossos males. É desnecessario o desenvolvel-os, porque cada um de vós os sente. É em nome e conservação do nosso augusto soberano, o Senhor D. João VI, que ha-de governar-se. A nossa santa religião será guardada. Assim como nossos esforços são puros e virtuosos, assim Deus os ha-de abençoar.
Os soldados que compõem o bravo exercito portuguez hão-de correr a abraçar a nossa causa, porque é igualmente a sua.
Soldados! a força é nossa; nós devemos, portanto, não consentir os tumultos. Se a cada um de nós deve a patria a salvação, deve a cada um de nós a nação a sua segurança e tranquilidade. Tende confiança n’um chefe que nunca soube ensinar-vos senão o caminho da honra.
Soldados! não deveis medir a grandeza da causa pela singeleza do meu discurso. Os homens sabios tem de desenvolver um dia este feito, maior que mil victorias.
Santifiquemos este dia; e seja este o grito do nosso coração: Viva el-rei o Senhor D. João VI! Viva o exercito portuguez! Vivam as Côrtes e por ellas a Constituição Nacional!».

Em seguida dirigiram-se os comandantes das tropas à casa da câmara, que fora convocada, e aí se organizou a «Junta Provisional do Governo Supremo do Reino», que ficou composta de quinze representantes do clero, nobreza, províncias, magistratura e Universidade.
Na noite desse dia 24 de Agosto a Companhia de Actores Nacionais preparou um brilhante espectáculo no teatro de S. João. Quando nele entraram os chefes principais do movimento o entusiasmo foi enorme e por entre os espectadores correu este soneto, espalhado em muitos exemplares caídos dos camarotes:

Dias dourados que viu Grécia e Roma
Vão ser teus dias Lísia afortunada!
Tocou nos céus a tua voz magoada,
Desfez-se a treva, nova luz assoma.

Cessou dos males a infinita soma,
Caiu da intriga a máscara dourada,
A prisca liberdade agrilhoada
Das mãos do Porto a Lísia hoje retoma.
Cheio de glória, laureada a frente,
Já não é esta a vez primeira
Que ele os ferros quebrara à lusa gente.
Gostosa aceita... indómita barreira
Que mais viva opressa não consente,
Ei-los aí!.. Sepúlveda e Cabreira.

E os brados de: «Viva Sepúlveda!», «Viva Cabreira!», «Viva o bravo Gil!», «Viva o herói Silveira!», «Viva a liberdade!» eram freneticamente repetidos por milhares de bocas.

No dia 26 de Agosto de 1820 dirigiu Bernardo Sepúlveda aos portugueses esta proclamação:

«Portugueses! Eis ahi cumpridos os nossos votos: eis ahi franqueada a vereda que irriçaram os crimes atropelladores da nossa liberdade! Foram escutados nossos mormurios, foram segundados vossos desejos, e a mascara que acobertava o despotismo cahiu á mão do esforço, da prudencia e da constancia!
Em vão a hydra da devassidão, do vicio, da tyrannia, multiplicam as gargantas auri sedentas e torpes; debalde a corrupção devastava com seu bafo pestilente os arrancos da honra, que se esforçava em salvar ás bordas do abysmo em que balançava, nada pôde embargar o impeto varonil e virtuoso do amor da patria; a patria é salva! despotas. Traidores das virtudes.
Corruptos adoradores da escravidão. Torcei os olhos á razão, que vae assentar- se na seda inflexivel da justiça e julgar imparcial vossos delictos.
Lá surgira a verdade, tão pura como a luz, atravez da impostura, do vilipendio e da intriga.
Portuguezes! Tomae a balança desenganadora da razão e da justiça, vossas obrigações, vossos deveres, para com a soberania e vassalagem; chamae os legisladores vossos, não os codigos que a cobiça e interesse particular e a malversão enredara, senão os direitos indeleveis que a natureza gravara no coração humano com caracteres que debalde a força, a argucia, ou o sophisma tentará apagar. Vigiae cuidadosos vossos interesses, vossa segurança.
Taes devem ser os vossos e taes os meus sinceros votos.
Eu d’esta gloria só fico contente,
Que a minha patria amei e a minha gente».

O governo de Lisboa organizou três corpos de exército para obstar ao progredimento da revolução do Porto; de um destes corpos foi encarregado o conde de Amarante, que estabeleceu o seu quartel-general em Chaves a fim de defender as duas províncias do Douro e Trás-os-Montes. O governo do Porto, em vista disto, encarregou o coronel Sepúlveda de ir levantar o grito por todas as povoações vizinhas e de obstar às manobras dos generais inimigos. Sepúlveda partiu com efeito do Porto no dia 28 de Agosto. No mesmo dia chegou à Vila da Feira, onde o juiz de fora tinha hesitado no procedimento a seguir e se tinha oposto até à convocação da câmara a fim de prestar o juramento. Sepúlveda dirigiu-se àquela autoridade e com as suas maneiras afáveis, sua atitude decidida e palavras insinuantes convenceu-o logo a aderir à causa e providenciou para que todos os dinheiros existentes nos cofres fossem entregues ao «Supremo Governo»; e em nome deste ordenou que se pagassem todos os géneros necessários para o fornecimento das tropas, «a fim – diz ele nas suas Memórias – de os povos não sentirem a menor oppressão possivel e conhecerem logo, pela suavidade dos meios, a justiça do fim a que nos dirigiamos».
Sepúlveda seguiu depois para Oliveira de Azeméis, onde a presença do ilustre e simpático militar animou logo a população, que imediatamente levantou o grito da sua liberdade; depois passou a Albergaria-a-Velha. Nestas excursões providenciava relativamente aos dinheiros públicos, como na Vila da Feira, passava revista às tropas e determinava outras providências atinentes ao bem da causa que defendia.
O conde de Barbacena foi o encarregado de comandar um dos três corpos de exército, de que se fala acima, organizados pelo governo de Lisboa e estabeleceu o seu quartel-general em Rio Maior, pretendendo defender a Estremadura de qualquer tentativa do Porto. O general António Marcelino da Vitória foi encarregado do outro corpo e instalou-se na província da Beira com o fim de se apoderar das margens do Vouga e impedir assim as comunicações do «Supremo Governo» com as províncias do Norte.
O marechal Pamplona foi enviado de Lisboa a fim de auxiliar esta importante operação, apoderando-se de Aveiro e Coimbra.
As excursões de Sepúlveda atrás mencionadas, revolucionando e ganhando para a sua causa Vila da Feira, Oliveira de Azeméis e Albergaria-a-Velha, verdadeiros pontos estratégicos, não deu tempo a que Vitória e Pamplona se apoderassem das posições desejadas, pois que se lhes adiantou levantando as povoações das margens do Vouga, animando-as a aderirem à causa revolucionária e apoderando-se dos dinheiros existentes nos cofres, tirando-lhes assim todos os recursos.
No dia 29 de Agosto Sepúlveda fez o reconhecimento de todas as posições do Vouga e foi pernoitar a Angeja, onde fez reconhecer o governo do Porto e encontrou já o batalhão de caçadores nº 11 que ia em direcção de Aveiro, segundo as ordens por ele dadas. No dia 30 chegou Sepúlveda àquela cidade, onde, pelas dez horas da manhã, a câmara, convocada por ofício dele, prestou juramento ao governo do Porto, sendo remetidos para ali, segundo as suas ordens, os dinheiros dos cofres públicos. Este bravo militar conseguiu, só com a sua presença e influência pessoal, levantar toda a região do Vouga e uni-la ao Porto!...
Sepúlveda chega a Coimbra no dia 1 de Setembro, ponto estratégico importante que Pamplona tinha já ocupado e de onde fugira apavorado na noite de 29 para 30 de Agosto pelas onze horas e um quarto. Para o governo de Lisboa, Coimbra tinha grande importância para obstar à invasão da Beira e conservar esta província em comunicação com a Estremadura e Lisboa.
Logo que Pamplona se retirou, a cidade de Coimbra revolucionou-se e reconheceu o governo do Porto. A entrada ali do bravo e leal militar Sepúlveda no dia seguinte ao desta revolta deu novo alento aos habitantes da cidade e firmou ainda mais a nova ordem de coisas; na qualidade de emissário do «Governo Supremo» ele entende-se com todas as autoridades, anima os mais tímidos, decide os irresolutos e vence os que se opunham ainda e pretendiam excitar na cidade os elementos de resistência.
Ganha a cidade de Coimbra, Sepúlveda dirige as suas vistas para a província da Beira e pretende atacar Vitória mesmo no coração daquela província.
Para esse fim partiu de Coimbra no dia 5 de Setembro e procura cortar as comunicações deste general com as províncias do Sul e Lisboa, as quais se faziam pela ponte da Morcela.
Sepúlveda até à contra-revolução defendeu com lealdade e convicção a causa dos povos escravizados, e pode ser considerado como aquele que, depois do dia 24 de Agosto, mais contribuiu com seus serviços para a vitória da liberdade e da independência da pátria.
Não desconhecemos os serviços que Gaspar Teixeira de Magalhães Lacerda prestou à causa da revolução em Trás-os-Montes; mas Sepúlveda, pela sua dedicação, zelo e sinceridade e, além disso, pela sua inteligência e valor militar, foi o verdadeiro herói desta revolução depois dos acontecimentos ocorridos no Porto.
O «Governo Supremo» enviou logo ao conde de Amarante um dos seus membros, o arcediago da Sé, Luís Teixeira Brederode, mas o caudilho do absolutismo mandou prender em Chaves o emissário do Porto. Brederode, mesmo na prisão, pôs-se em comunicação com o visconde de Ervedosa, major do regimento de infantaria nº 24 aquartelado em Vila Real; este regimento sublevou-se e aderiu à causa do Porto.

PROCLAMAÇÃO DE SEPÚLVEDA AOS POVOS DA BEIRA

«Valorosos habitantes da provincia da Beira. – Socegae pacificos no centro de vossas habitações e na continuação tranquilla de vossos negocios e trabalhos. Não penseis que venho á testa dos bravos que tenho a honra de commandar para vos fazer o mais pequeno mal. Somos vossos irmãos, somos todos portuguezes; e a mesma causa nacional e a utilidade publica da patria deve unir os nossos sentimentos. Venho auxiliar-vos para que francamente possaes declaral-os e livrar-vos da oppressão do barbaro e louco ex-general Victoria, que mal reconhece a noção que o tinha elevado até aquelle logar, e agora pretendia servir-se do engano, fazendo verter o vosso precioso sangue, para conservar o despotismo dos ex-governadores de Lisboa, que queriam despovoar o reino de gente e numerario, mandando tudo para a America, aonde teem retido o nosso amavel rei o Senhor D. João VI. Acabou-se o soffrimento, portuguezes; vamos salvar a patria dos monstros, que para seu particular interesse enganam ao mesmo tempo a nação e o rei. O honrado lavrador, que até agora cuspia sangue nas mãos para pagar excessivos foros e tributos aos inertes e despoticos donatarios, que os roubavam, será desopprimido. As milicias voltarão aos seus lares a tratar de sua colheita e familias.
Todas as pessoas, suas casas e bens serão respeitados. E supposto as circunstancias exijam alguns generos para o indispensavel fornecimento de vossos irmãos, serão pagos o mais breve que for possivel, e eu o protesto em nome do “Supremo Governo”. O regimento de cavallaria nº 10 que se achava em Santarem acaba de unir-se por sua vontade propria ao partido da nação, e concorre commigo a ajudar-vos. Já desde o Minho até Lisboa tem soado a voz da liberdade da nação, não é justo fiqueis escravos, soffrendo o despotismo e a tyrannia.
Jurae, pois, obediencia á “Junta Provisional do Governo Supremo do Reino” que se acaba de instaurar, e que, em nome de el-rei nosso senhor, o Senhor D. João VI, ha-de governar até á instalação das côrtes, que deve convocar para organizar a constituição portugueza. Jurae obediencia a essas côrtes e á constituição que fizerem, mantendo a religião catholica romana e a dynastia da serenissima casa de Bragança. Coimbra, 4 de Setembro de 1820». (Segue-se a assinatura).

Sepúlveda, afável, de sentimentos dóceis e brandos, com o seu carácter benévolo, só tem palavras de amor e de paz para oferecer aos pacíficos habitantes da Beira a fim de os atrair à sua causa.
O valente militar dirige-se para Viseu, onde o general Vitória concentrara as suas forças. À sua aproximação, povos e tropas o acolhem com entusiasmo. Vitória, vendo a deserção de grande parte da sua tropa de linha, foge precipitadamente para a Guarda. Sepúlveda entra em Viseu, onde é recebido com delirante entusiasmo pelo povo, que o saudava como seu libertador. Eis como ele se exprime nas suas já citadas Memórias:

«Entrei finalmente em Vizeu no dia 7 de Setembro de 1820 acompanhado de todas as auctoridades e representantes das diversas classes, que vieram esperar-me na distancia de uma legua d’aquella cidade. A mesma artilharia que o general Victoria para alli tinha mandado vir de Almeida deu salvas de alegria; o povo por toda a parte, em cardumes, attestava não equivoca adhesão á causa da patria, e a camara, reunida por minha ordem, já na vespora esperava anciosamente a minha chegada para a solemne prestação do juramento nacional, acto este que foi deferido para o dia seguinte, para se fazer ainda com mais pompa, como realmente se fez, continuando os habitantes da cidade a mostrar o maior regosijo, em funções religiosas, fogos artificiaes e recitação de versos».

Sepúlveda passou a dar as providências precisas para que todas as povoações seguissem o exemplo de Viseu: mandou ao corregedor da cidade para que dirigisse ofícios a todos os corregedores da província, a fim de se reunirem às respectivas câmaras e mais autoridades e neste acto prestarem o juramento de obediência ao governo do Porto; providenciou acerca dos cofres públicos, que mandou pôr às ordens das novas autoridades e à disposição do governo central, e aos comandantes das milícias da província a fim de apoiarem aqueles magistrados na execução do acto solene do juramento.
Mandou depois adiantar as avançadas sobre Mangualde, as quais estenderam vedetas sobre as margens do Mondego e por esta forma se apoderaram de todas as estradas da ponte de Morcela.
Sepúlveda saiu de Viseu no dia 12 de Setembro e pernoitou com os corpos do seu comando em Santa Comba Dão e dirigiu-se em seguida para a Estremadura, pretendendo ir sobre Lisboa; mas no dia 16 recebendo a notícia de que o «Governo Supremo» se encontrava em Coimbra, mandou em vista disso fazer alto à sua divisão e partiu para aquela cidade a fim de assistir à conferência sobre as medidas a tomar relativamente à marcha sobre Lisboa.
E assim terminou Sepúlveda a sua gloriosa jornada à província da Beira, de onde regressou coberto de louros, tendo realizado em todas as povoações o movimento revolucionário sem derramamento de uma gota de sangue!
A «Junta Provisional do Governo Supremo» no dia 7 de Setembro de 1820 assumiu o comando-em-chefe do exército nacional e no dia 8 publicou uma «Ordem do exército» que mandava formar dois corpos de operações denominados «Exércitos do Sul e do Norte» (a este pertencia cavalaria nº 12 e infantaria nº 24).Mandava mais que cada um destes dois exércitos fosse dividido em duas secções e estas em quatro brigadas. O coronel Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira teria o comando-em-chefe do exército do Sul e comando particular da quarta divisão do mesmo exército; o coronel Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda tomaria o comando do mesmo exército em segundo lugar e o comando particular da segunda divisão do mesmo exército. O marechal-de-campo Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda, encarregado do governo das armas das províncias do Minho e Trás-os-Montes, tomou o comando-em-chefe do exército do Norte.
A «Ordem do exército» de dia 8 sofreu alterações quando a Junta chegou a Coimbra, a qual ficou com o generalíssimo dos exércitos nacionais e reais e com o comando-em-chefe dos exércitos do Norte e Sul o marechal-de-campo Gaspar Teixeira. Sepúlveda ficou então a comandar uma divisão ligeira, composta dos batalhões de caçadores n.os 2, 9, 10 e 11, seis peças de artilharia e um esquadrão de cavalaria. Infantaria nº 24 ficou fazendo parte da segunda divisão do exército do Norte e era comandada pelo coronel Joaquim Teles Jordão. Domingos António Gil comandava a primeira brigada do exército de Sul. Esta modificação teve lugar em 17 de Setembro.
Sepúlveda partiu de Coimbra com a sua divisão ligeira no dia 18; à sua aproximação, as tropas de Tomar sublevaram-se e o regimento de infantaria nº 20 insurreccionou-se em Abrantes. Entrou em Tomar no dia 19 e nesse dia a câmara prestou juramento com grande entusiasmo do povo.
Sepúlveda entregou o comando e governo interino da praça de Abrantes ao coronel do regimento de milícias de Santarém. O pronunciamento e ocupação da praça de Abrantes foi um facto mui importante para a causa revolucionária, porquanto, além de ser um ponto forte adquirido na Estremadura, fechou por aquele lado as portas ao infeliz general Vitória, que se viu encurralado, sem poder fugir nem para o Norte nem para o Sul.
Continuou a marcha no dia 20, entrou em Vila Nova de Ourém, onde oficiou às autoridades para se reunirem na casa da câmara a fim de prestarem o competente juramento e deu as mesmas providências que nas outras terras, para assegurar o novo regime. Sublevadas assim todas as povoações no Norte da Estremadura e firmado nelas o governo revolucionário, o heróico e valente militar dirige-se a Leiria a fim de se unir ao grosso do exército, que marchava já então sobre Lisboa, onde foi aclamada a revolução no dia 15 .
À vista dos acontecimentos do Norte, o povo de Lisboa impõe-se e adere ao movimento do Porto, nomeia um governo provisório, etc., e o do Porto funde-se num só no dia 27 de Setembro de 1820 com o nome de «Junta Provisional do Governo Supremo do Reino». Esta foi dividida em duas secções:
uma que continuou com este nome, a cujo cargo ficou a administração pública em todos os seus ramos, e outra que se denominou «Junta Profissional Preparatória das Cortes», cujo fim era preparar e dispor com a maior brevidade possível tudo o que se julgasse necessário para a mais pronta convocação das cortes e regularidade e boa ordem da sua celebração.
Da primeira secção fazia parte o coronel Bernardo Correia Sepúlveda como adjunto do secretário dos negócios da Guerra e Marinha, que era o tenente-general Matias José Dias Azevedo. Sepúlveda era também membro da segunda. Destas duas juntas faziam igualmente parte alguns padres.
A revolução de Lisboa foi só levada a efeito pelo povo; os grandes só forçadamente aderiram a ela com o intuito reservado de a sufocarem logo que a ocasião se proporcionasse. O conde de Amarante ainda tentou um golpe de Estado, mas não deu resultado; procurava desviar dos seus fins os membros da Junta,mandando-os para diversas partes a exercer altas funções burocráticas. Silva Carvalho, vendo esta resolução, procurou Frei Francisco de S. Luís, também membro da Junta e concordaram ambos que era conveniente participar o ocorrido a Sepúlveda, que estava em Chão de Maçãs com a sua divisão ligeira; este partiu imediatamente e apareceu em Alcobaça na manhã do dia 29 e, dirigindo-se para o mosteiro, convocou a Junta. Disse em tom sisudo que deviam cessar todas as discórdias a fim de chegarem a Lisboa paz e união e que só depois de reunidas as cortes é que entregariam o governo das mãos delas, no que todos concordaram.
Quando foi da junção do governo do Porto com o de Lisboa, que se efectuou dia 1 de Outubro, o entusiasmo no povo foi indescritível. Um popular parou diante de Sepúlveda e foi tão grande a sua comoção ao contemplá-lo que pediu para o abraçar, ao que o valoroso militar acedeu da melhor vontade.
As intrigas em Lisboa continuam. Lacerda, Cabreira e Silveira, abraçados ao absolutismo, prosseguem na trama contra a revolução e pretendem malquistar Sepúlveda com o povo de Lisboa para o inutilizarem. No dia 16 de Novembro de 1820 grande número de cidadãos pretendem desagravar o coronel Sepúlveda das acusações que lhe foram feitas, dando-lhe público testemunho da sua confiança. Eis o manifesto:

«Ill.mo e Ex.mo Snr. coronel Bernardo Correia de Castro Sepulveda. Os portuguezes abaixo assignados desejavam juntos ter o prazer de apresentar a V. Ex.a os sentimentos mais puros de reconhecimento e gratidão pelo que elles e a patria é devedora a V. Ex.a na obra augusta da nossa suspirada regeneração.
Receiosos, porém, de que uma semelhante missão, pelo apparatoso d’elIa, podesse offender a medestia e delicadeza de V. Ex.a ou mesmo ser por animos mal intencionados, se os ha, sinistramente interpretada, é por isso que deputaram de entre si algumas pessoas, a quem para este fim coube ir receber esta honra.
Não julgue V. Ex.a, nem julgue todo o brioso e honrado exercito, que nos abaixo assignados respiram só estes sentimentos; elles são geraes n’esta côrte, e hoje o serão em todo o reino, se a Divina Providencia nos soccorrer na crise actual, em que um genio mau parece querer roubar aos portuguezes e ao exercito o maior dos bens e a maior das glorias; então outras maiores e mais publicas serão as demonstrações do nosso contentamento. Se agora, recordando-nos do que V. Ex.a e todo o exercito praticou desde o sempre memoravel dia 24 de Agosto não podemos conter nossos animos agradecidos, a que ponto e grau de prazer não chegaremos nós quando virmos desfazer-se a nuvem que a todos ameaça e faz tremer a todos! Permitta V. Ex.a que, por entre estes mesmos sustos se vão apresentar a V. Ex.a aquelles que nem por um momento duvidam de tributar a V. Ex.a os testemunhos da maior gratidão, de que tambem se fez credor o exercito, esperando que os sagrados direitos que V. Ex.a tem á nossa estima redobrem em preço, pela continuada cooperação que V. Ex.a pode prestar, trazendo-nos a antiga paz, desafrontando a liberdade que se acha opprimida. Deus guarde a V. Ex.a por muitos annos para bem da nossa patria». (Seguem-se as assinaturas).

A este propósito dizia o Patriota:
«Conseguirão os Servis o triumpho completo de seus iniquos tramas?
Alguns regimentos do exercito, já esquecidos da sua honra, se acham comprados por avultadas sommas e divididos da grande causa da nossa regeneração.
A vida do general constitucional, o heroe Sepulveda, em grande risco e entregue á deliberação d’um vil assassino induzido a perpetrar tão horroroso crime por uma bolsa d’ouro (800)! Esse assassino era um creado do proprio Sepulveda.
Entretanto, a côrte ou os seus partidarios não cessavam de lisongear os chefes da Revolução, fascinando-os com o seu prestigio para os arrastarem á sua causa, ao mesmo tempo que á socapa propagavam as mais vis insinuações para os desprestigiar.
No dia 15 de Setembro foi lançada em Lisboa com grande pompa pelo rei a primeira pedra ao monumento do Rocio. Sepulveda no meio d’um brilhante e numeroso corpo de estado-maior passou revista ás tropas que formavam em luzida parada, o rei ao lançar a pedra fundamental apoiou-se ao braço de Sepulveda e para commemorar esta festa offerecia-se ao coronel Gil uma pipa de vinho para os seus soldados, mas em compensação fazia-se correr, para o malquistar com os soldados, que Sepulveda quando coronel roubara o regimento de infantaria nº 18 e que um soldado de artilheria nº 1, que maltratara um official superior, ia ser fuzilado por elle ser tyranno e barbaro, pois elle rei queria perdoar-lhe.
Por ultimo, Sepulveda vende-se á côrte; a compra e corrupção d’este general e homem importante, um dos mais notaveis herões da Revolução de 1820, prova as grandes sommas de dinheiro que os reaccionarios, alliados e protegidos pelas potencias estrangeiras, punham á disposição d’aquelles a quem estava confiada a defeza da liberdade».
A 27 de Maio de 1823 o infante D. Miguel dá o golpe da «Vilafrancada»; Sepúlveda, de acordo com ele, ainda fica em Lisboa para mais facilmente iludir as cortes e dar o golpe de misericórdia nas instituições e levantar aí o grito no dia 23, festa de Corpus Christi, como prometera ao infante, mas não teve coragem para isso em vista da atitude do povo, que sabendo da sua corrupção esteve a ponto de o assassinar quando atravessava o Terreiro do Paço, e tê-lo-ia feito a não interpor-se o general Avilez, mas foi assobiado e apupado aos gritos de «Traidor! traidor!» – «Morra! morra!»
Dirige-se ao Castelo de S. Jorge, proclama às tropas e às 9 horas desse dia sai de Lisboa à frente de todos os corpos de primeira linha, à excepção do regimento de infantaria nº 18, que ficou fiel, e vai unir-se com o infante a Vila Franca, onde esteve em risco de ser igualmente assassinado se não lhe acode o próprio infante e foi tratado de cobarde e traidor miserável por não ter levantado o grito na capital. Por decreto de 23 de Fevereiro de 1822 havia sido demitido do governo das armas da corte e província da Estremadura.
E assim despeitado com uns e outros, retirou-se Sepúlveda para Paris em 1824, onde faleceu.
«O coronel Sepulveda fôra um caracter sincero e homem mais de acção do que de palavras. As suas maneiras não podiam ser mais affaveis e a sua palavra suave insinuava-se facilmente. Era de sentimentos benevolos e filho de bravos militares; pertencia a uma familia de herões, que se destinguiram brilhantemente nas campanhas da independencia. Possuia dons distinctos de homem de guerra, e podiam-se-lhe confiar as mais arriscadas emprezas, sem receio de que elle se acobardasse ou recuasse diante do perigo ou do inimigo. Sepulveda fizera, como seu pae, toda a campanha da Guerra Peninsular».
Vejamos como outros o apreciam: «A traição do estupido e perverso Sepulveda e a consequente defecção da tropa por elle commandada» foi uma das causas da contra-revolução de 1823.
A esta revolução aderiu Sepúlveda ardendo em ambição e tremendo de medo. «Sepulveda é um fraco, um pusilamine, um imbecil, um caracter essencialmente aristocratico e que apenas para se manter na popularidade condescende em passar das toilettes das condessas para os jantares e partidos dos Negociantes... quem poderá soffrer o Sepulveda, cujos humildes avós na freguezia d’Amendoeira, ao pé de Bragança, apenas foram illustrados por seu pae, que de soldado de leva chegou a ser general e nunca se illustrou por outra façanha militar, senão pela de fazer a corte aos capitães- -móres ricos da Provincia».
Não quisemos omitir nenhuma das apreciações pró e contra Sepúlveda porque, descontando-lhe o que a paixão política inspirou, sempre fica margem para Bragança se orgulhar deste seu filho ilustre.

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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