sábado, 18 de maio de 2019

Entrevista ao meu Amigo, Manuel Bombeiro

O Memórias...e Outras Coisas (MOC) entrevistou Manuel Esteves “Manuel Bombeiro” (MB)


MOC: Manuel Esteves, o que te levou a tornares-te Bombeiro? Foste influenciado por alguém ou foi por iniciativa própria?

MB: Obrigado Henrique pela amizade e consideração que sempre tiveste por mim e também pela honra e prazer que sinto ao ser entrevistado por ti, para o “Memórias…e Outras Coisas”. Passando diretamente à primeira questão. 
A minha meninice e infância, foi vivida na residência em que habitava com a minha mãe e irmãos, nas antigas instalações da Santa Casa da Misericórdia sita na Rua Marquês de Pombal, e onde hoje está instalado o restaurante “Lá em Casa”. Portanto, bem perto do antigo quartel dos Bombeiros que era conhecido como “A Bomba”.
Por esse motivo, e como imaginarás, assistia a toda a atividade dos Bombeiros. Ali passava grande parte dos meus tempos livres. Foi ali que vi televisão pela primeira vez na minha vida e isto nos primórdios da década de 60 do século passado. Ali era acarinhado por todos os Bombeiros que me deixavam colaborar em algumas tarefas como sejam, estender e enrolar as mangueiras que chegavam dos incêndios e que era preciso pô-las a secar para poderem ser enroladas e devidamente acondicionadas nas viaturas.
Penso que toda essa vivência e proximidade com o quartel foram determinantes para que eu viesse a ingressar, quando completei 14 anos, no corpo de cadetes da corporação. Depois fui progredindo até atingir o meu atual posto que é o de Chefe no Quadro de Honra.

MOC: Não andarei muito longe da realidade se afirmar que, atualmente, és um dos Bombeiros mais antigos em atividade. Há quanto tempo és Bombeiro?


MB: Sim, tens razão. Ingressei, com já o referi, em 1970 com 14 anos e como cadete. Passei depois a aspirante e seguidamente, depois de concluída toda a formação necessária e inerente, a Bombeiro de 3ª Classe. Serei por isso mesmo e conjuntamente com o meu camarada e grande amigo Manuel Montes (O Pote), o mais antigo Bombeiro em atividade. Já lá vão 47 anos.
MOC: Conta-nos uma experiência que te tivesse marcado, pela negativa, para sempre.

MB: Infelizmente e ao longo de tantos anos no desempenho destas funções, ocorreram várias experiências negativas. Destacaria, porém, duas que me marcaram especialmente. 
Uma foi o incêndio florestal em Freixedelo no dia 4 de julho de 1987 e onde perderam a vida cinco pessoas todas elas minhas conhecidas e amigas. A outra foi o incêndio nas instalações da Sacor, na Rua Alexandre Herculano, de onde conseguimos retirar com vida um funcionário que estava encurralado pelo fogo. Infelizmente, não conseguiu resistir aos ferimentos e acabou por falecer, no hospital, uns dias depois.


MOC: Conta-nos outra que te tivesse marcado pela positiva?

MB: É claro que também houve muitos e bons momentos. Desde logo, e principalmente, os três nascimentos em que participei tripulando ambulâncias. De notar, no entanto, que eram outros tempos e embora tivéssemos já formação nessa matéria, hoje os meus companheiros encontram-se a um outro nível de formação muito mais adequado e seguro para recebermos os “pimpolhos” que têm mais pressa e que resolvem nascer nas nossas mãos. De realçar também que os meios técnicos existentes atualmente, nos corpos de bombeiros, são em muita maior quantidade e muito mais eficazes na sua qualidade e operacionalidade.
Marcou-me igualmente pela positiva a criação da nossa fanfarra da qual sou co-fundador e a que tenho a honra de atualmente chefiar. 
É um imenso orgulho estar à frente de um grupo composto por crianças, jovens e adultos que representam o nosso corpo de bombeiros, levando o nome da nossa querida Bragança às várias localidades do País onde temos atuado.


MOC: Todos sabemos que os apoios institucionais são imprescindíveis para o funcionamento da nossa, e de todas, as Corporações de Bombeiros. Consideras esses apoios suficientes.

MB: Seguramente que numa corporação de Bombeiros, com a dimensão da nossa, que tem a seu cargo a defesa de pessoas e bens de uma cidade capital de distrito e o seu concelho, os apoios nunca serão demais. Felizmente, temos na nossa câmara municipal o nosso principal parceiro e apoiante que não regateia apoios financeiros e humanos, que nos permitem superar faltas e necessidades que, como é óbvio, sempre vão aparecendo.
São igualmente essenciais os apoios que nos chegam diretamente do Estado e que se têm tornado estruturantes assegurando maior operacionalidade. No entanto e como compreenderás, um corpo de bombeiros que tem uma excelente equipa de comando, tal como uma direção com um empenhamento formidável como é o nosso, procura sempre mais e melhor no sentido de proporcionar com mais eficiência o bem de todos.


MOC: As populações, na sua generalidade, sentem pelos Bombeiros um carinho e um respeito enormes. Concordas? Como se manifestam esses sentimentos?

MB: Claro que concordo e no caso particular dos Brigantinos, esse carinho é incomparável. A imagem dos seus Bombeiros está ao mais alto nível. Sempre que envergo, orgulhosamente, a minha farda e ando nas nossas ruas, sinto e vejo a admiração que a nossa população tem por nós. Sinto que as pessoas confiam em nós e sinto o respeito com que nos tratam.
Penso que a festa da nossa querida padroeira, e Mãe Protetora, Nossa Senhora da Conceição, no dia 8 de dezembro, é a mais fiel demonstração de carinho da nossa população ao vir para a rua incentivar e aplaudir os seus bombeiros no habitual desfile apeado e motorizado.


MOC: No teu entender o equipamento, aos mais variados níveis, que a Corporação dos Bombeiros Voluntários de Bragança possui é suficiente?

MB: Bragança possui hoje um corpo de Bombeiros dos mais bem equipados, técnica e humanamente, do país, ombreando até com as corporações profissionais das grandes cidades. No serviço de saúde temos unidades de socorro com o material mais sofisticado que existe a nível europeu, e as tripulações com um nível de formação altíssimo para cumprirem a várias vertentes com que somos confrontados todos os dias como sejam os acidentes domésticos, acidentes rodoviários, doenças súbitas, partos etc…
No serviço de incêndios está igualmente, a nossa corporação, excelentemente equipada com bons veículos de combate a incêndios florestais, urbanos, rodoviários e industriais. Falta-nos um veículo para combate a acidentes químicos. Esse veículo viria aumentar substancialmente a nossa eficácia no combate a acidentes nesse domínio. Fica esta chamada de atenção ao cuidado de quem de direito.
De salientar também a existência no nosso corpo de Bombeiros de uma secção de mergulhadores devidamente equipados e uma formidável equipa de salvamento em grande ângulo (situações difíceis como a neve, a montanha de acesso difícil etc…).

MOC: Já alguma vez receaste pela tua vida?

MB: Sim. Lembro-me de duas ou três ocasiões em que tal aconteceu. Mas a nossa Padroeira não deixou que me acontecesse o pior.
Desde logo no incêndio que já referi, o de Freixedelo. Vim para o hospital com intoxicação por inalação de fumos, depois de ter ficado rodeado pelo fogo com mais cinco companheiros. A viatura em que seguíamos e que eu chefiava ficou cercada pelo fogo. Dei ordens para que todos se refugiassem debaixo da viatura. Em seguida abrimos as torneiras de descarga dos tanques. Quis Nossa Senhora da Conceição que nesse momento começasse a chover torrencialmente apagando o fogo à nossa volta.
Também num incêndio urbano, em Fontes Transbaceiro, levei com o telhado da casa em cima. Valeu-me o capacete e a providencial ajuda do meu companheiro Manuel Montes (o Pote) que me retirou, desmaiado, do meio daquela parafernália de madeiras a arder. Felizmente, para além do desmaio e do susto, apenas fiz uns aranhões e fiquei com pequenas queimaduras.
Outras situações aconteceram em que tivemos que bater com os calcanhares no traseiro com as labaredas a lamberem-nos as costas. Mas enfim, são os ossos do ofício.

MOC: Em que situações é que as populações vos pedem, mais frequentemente, ajuda?

MB: Desde logo em situações de extrema gravidade e urgência. Incêndios de vária ordem e magnitude, inundações, doenças, catástrofes provocadas pelas mais diversas situações e também na vertente do resgate de pessoas e animais em situação difícil. Temos outras situações de menor relevância, mas importantes, como o abastecimento de água às populações, abertura de portas etc…

MOC: Parece-me evidente que a juventude adere aos Bombeiros com muita mais facilidade do que o fazia há anos atrás. Que pensas sobre isso?


MB: Julgo que a consciencialização da nossa juventude para a importância do voluntariado será um fator importante para a sua aderência mas seguramente que haverá outros fatores que contribuem de igual modo para o facto, tais como a sensibilização exercida pela comunicação social, redes sociais e meios próprios das instituições de proteção e socorro. Também os incentivos sociais, embora considere que são insuficientes, como a isenção de propinas e taxas moderadoras, serão razões preponderantes. Neste domínio ainda está muito por fazer e que quando for feito, aí sim, haverá uma maior aderência por parte dos nossos jovens.

MOC: A tua faceta mais conhecida dos Bragançanos é a de Bombeiro. No entanto desenvolves a tua atividade Associativa a outros níveis.


MB: Sim é verdade. Desenvolvo a minha atividade profissional na Câmara Municipal de Bragança para onde vim em 1969, com 13 anos. Por esse motivo, a minha tenra idade, o tempo de serviços só começou a contar um ano mais tarde, em 1970. Na altura só com 14 anos se contava para as estatísticas sabendo todos nós que a construção civil e todos os outros serviços, estavam cheios de crianças a trabalhar com 10 e 11 anos de idade ou seja, mal acabavam a 4ª classe da escolaridade, como foi o meu caso. Completada a 4ª classe em 1967, fui de imediato para as obras apanhar baldes de cimento. Ajudei na construção da casa da Srª Dª Olinda Montanha na Avenida do sabor, na residencial Stª Isabel na Rua Alexandre Herculano, no novo Liceu e no Centro de Educação Especial só para dar alguns exemplos.
Tínhamos que ajudar nas despesas da casa onde os meios de sobrevivência era bem escassos. As ajudas sociais eram poucas ou inexistentes. 
Recordo com saudade os meus tempos de escola e catequese onde o bondoso padre Miguel dava o pequeno-almoço aos mais necessitados. Era na Igreja de São Bento onde “militei” nos “Pardais da Montanha” que era um grupo formado pelo Padre Miguel para a paróquia de Stª Maria.
Começou aqui o meu gosto pela música. Mais tarde, ingressei na Minibanda de Bragança e que acabou por dar origem à que é hoje a Banda Filarmónica de Bragança e que ajudei a formar na sua nova imagem e dimensão.
Recordo com muitas saudades companheiros e amigos que comigo aí tocavam, os já falecidos Srs. Alberto Geraldo, Albino Carneiro, Manuel Mirandela, o António Domingues, o Fernando Baptista. Felizmente estão ainda connosco os mais jovens, por quem nutro uma enorme amizade. O menos jovem Duarte Candeias, os irmãos Alemdouro e o seu pai Amador, o Adérito Fernandes e o seu filho Pedro, os Filipes, Esteves (meu filho) e Turiel e outros cujos nomes seria fastidioso estar aqui a mencionar mas que recordo igualmente.
Outra das minhas facetas musicais foi a minha passagem pelo querido Rancho Folclórico da Mãe d´Água e pelo seu Grupo de Cantares “Terra Firme”, onde toquei e cantei, granjeando, também aí grandes amizades, que ainda hoje perduram, fortalecidas por muitas viagens e atuações que fizemos por este país fora e na vizinha Espanha.
Atualmente, e por que a idade vai avançando inexoravelmente, mantenho-me, só com a chefia e formação, na Fanfarra dos nossos Bombeiros Voluntários de Bragança, onde me é muito grato ver evoluir crianças que começam do zero e vão ganhando gosto pela música, com a preciosa ajuda do nosso formador João Gil, conceituado músico da nossa cidade, e pelos bombeiros. Posteriormente é com enorme gosto que verificamos a passagem destes jovens para os quadros de formação dos vários escalões.
Não quero terminar sem dizer que o cidadão Manuel Joaquim Esteves, nascido em Gimonde, com muito orgulho, Gimondense, Brigantino e Transmontano, conhecido por quase todos e com grande honra minha por “O Manuel Bombeiro”, tem muito orgulho na sua condição profissional e voluntária e nos seus 60 anos que leva de vida ter o privilégio de viver, conviver, aprender e ser formado na vida com pessoas como o meu querido, saudoso e bondoso padre Miguel, a minha professora Srª Dª Gracinda Assunção (da 1ª à 4ª classe da escola da estacada), pelos comandantes dos Bombeiros Sr. João Baptista Martins (Macacão), João Fernandes (Facadas), Fernando Rodrigues e o atual Sr. Ten. Coronel José Fernandes. Sinto orgulho em ter trabalhado e acompanhado com os velhinhos bombeiros, infelizmente já falecidos, Miguel Pinheiro (Ripolã), João Marvão (Catalão), Jasmim da Cunha, Joaquim Pereira (Chamorro), o Dádá (vou lá eu que sou vomveiro), Luís Pires (Fraga) e outros, tantos outros.
Foi este percurso e estas gentes que moldaram a minha essência e definiram o meu caráter enquanto homem, Pai, Avô e Bombeiro que sou e serei até ao meu último suspiro.
Trabalhar para ganhar a vida e ajudar o próximo em tudo quanto puder e me for possível é tudo quanto quero da minha humilde existência.

Obrigado Henrique meu bom e grande amigo e companheiro.
Manuel Joaquim Esteves
(Manuel Bombeiro)


Obrigado estimado Manuel Esteves pela pronta disponibilidade e interesse em me concederes esta entrevista.
Grande abraço.
Henrique Martins
26 de julho de 2017

Ps* Não poderia terminar esta entrevista sem focar dois aspetos referidos pelo Manuel Bombeiro e para os quais peço a atenção das entidades oficiais e das populações.


1 - …Falta-nos um veículo para combate a acidentes químicos. Esse veículo viria aumentar substancialmente a nossa eficácia no combate a acidentes nesse domínio. Fica esta chamada de atenção ao cuidado de quem de direito...
2 - …Também os incentivos sociais, embora considere que são insuficientes, como a isenção de propinas e taxas moderadoras, serão razões preponderantes. Neste domínio ainda está muito por fazer e que quando for feito, aí sim, haverá uma maior aderência por parte dos nossos jovens...

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