terça-feira, 4 de julho de 2017

José António de Sá

Compendio de observações, que formam
o plano da viagem política e filosófica
 que se deve fazer dentro da pátria, Lisboa, 1783
Natural de Bragança; doutor em leis pela Universidade de Coimbra a 16 de Maio de 1872, e opositor às cadeiras da mesma faculdade; juiz de fora da vila de Moncorvo, desembargador da Relação do Porto, conselheiro honorário da Fazenda por decreto de 3 de Dezembro de 1811; sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa; cavaleiro professo da ordem de S. Tiago da Espada; superintendente das décimas da corte e reino e depois, com a abolição deste cargo, superintendente geral das décimas de Lisboa. Foi também juiz conservador da Real Companhia do Novo Estabelecimento para a criação e torcidos das sedas, organizada por alvará de 6 de Janeiro de 1802, e também director da Real Fábrica das Sedas e Águas Livres. Só por estes dois últimos cargos percebia de ordenados 1.200$000 réis; faleceu a 14 de Fevereiro de 1815 e foi sepultado na ermida da sua quinta do Pinheiro, a Sete Rios.

Escreveu:
Compêndio de observações que formam o plano da viagem política e filosófica que se deve fazer dentro da pátria. Lisboa, 1783. 8.º de XVIII-248 págs.
Desde a pág. 213 por diante contém a «Adição», que é uma descrição da fábrica de sedas em Trás-os-Montes (Bragança e Chacim) e também uma notícia do Monte do Montesinho no concelho de Bragança. Contém espécies muito interessantes. Esta «Adição» é cópia ipsis verbis dos capítulos VIII, IX, X e XXI de uma Memória Académica da província de Trás-os-Montes, manuscrito do mesmo autor in-4.º, que estava em Bragança em casa do seu neto doutor Joaquim Guilherme Cardoso de Sá.
Tratado sobre a origem e natureza dos testamentos, deduzidos dos princípios mais sólidos dos direitos divino, natural, civil, público e das gentes – Em que se analisa a política dos antigos povos, e se refutam as opiniões dos mais célebres doutores, publicistas e civilistas. Lisboa, 1783. 8.º de XVI-194 págs. É obra muito erudita para a confecção da qual o autor compulsou os documentos existentes nos arquivos do reino. Analisa com muita competência a natureza dos testamentos através de todos os povos: hebreus, egípcios, gregos, romanos e germanos.
Elogio fúnebre do Il.mo e Ex.mo Sr. D. António Rolim de Moura, conde de Azambuja, tenente-general, etc. Lisboa, 1784. 8.º Dissert. bipart. hist. analyt. de Plebiscit et Sconsult. Ulyssipone, 1784. 8.º
Dissertações filosófico-políticas sobre o trato das sedas na comarca de Moncorvo. Lisboa, 1787. 8.º gr. de VII-XIII-I-175 págs., com uma estampa. Obra curiosa para o estudo deste ramo da indústria em Portugal. Este livro constitui um capítulo interessante para a história da indústria da seda no distrito de Bragança e contém as providências que o autor tomou pelos anos de 1787, sendo juiz de fora em Moncorvo. Vê-se quanto ele se desvelou pelo progresso desta indústria, fazendo plantar amoreiras, etc. O notável escritor e professor Ludovico de Meneses começou a publicar em A Voz de 18 de Setembro de 1929 estas interessantes Dissertações, ainda hoje cheias de muito interesse.
Oração congratulatória pela fausta ocasião de ser elevado à alta dignidade de patriarca de Lisboa, o Ex.mo e Rev.mo Sr. D. José Francisco de Mendonça. Lisboa, 1787. 4.º de 22 págs.
Instruções gerais para se formar o cadastro ou mapa aritmético-político do reino, feitas por ordem de S. A. o Príncipe Regente, nosso senhor. Lisboa, 1801. Fólio de 47 págs. Acerca destes trabalhos, e de outros que delineou sobre o mesmo assunto, com o plano feito em 1811 para o alistamento geral do reino, veja-se o Relatório sobre o cadastro, por António José de Ávila, 2.ª edição, pág. 87.
Plano, e Regulamentos de Correição respectivo aos Negócios de Justiça e Fazenda que tem a honra de apresentar a sua Majestade o Doutor... Na conformidade do artigo de 15 de Julho de 1794. Fólio gr. de XIX-402 folhas.
Manuscrito original e inédito, perfeitamente conservado e com óptima caligrafia. Rica e valiosa encadernação inteira de marroquim vermelho, com dourados nas lombadas e nas pastas, tendo estas ao centro, impresso a ouro, o brasão português. Esta obra veio anunciada no catálogo duma importante livraria que seria vendida em leilão, sob a direcção de Manuel dos Santos, pág. 411.

Pela lei de 9 de Junho de 1801 foram criados os cosmógrafos para formar o cadastro do reino; levantamento de cartas topográficas de todas as terras com seus limites, servidões, caminhos, logradouros, bens dos concelhos, etc. Os capítulos gerais que constituem o objecto das Instruções Gerais concernentes a este assunto, e são as acima referidas, de cuja confecção foi encarregado o nosso ilustre conterrâneo, compreendem: povoação, estado das terras, demarcação e situação interior e obras públicas.
Estabelecimentos de bem comum, câmaras, cárceres, casas de polícia, montes de piedade, roda de expostos e órfãos. Estabelecimentos literários, escolas públicas, colégios, academias, gabinetes, jardins botânicos e livrarias. Estabelecimentos eclesiásticos, benefícios, comendas, freguesias e igrejas, conventos, recolhimentos, confrarias e irmandades. Estabelecimentos de caridade seculares e eclesiásticos e capelas. Produções naturais, reino animal, bestas, caudelarias, gados, artes pecuárias, reino vegetal, qualidades gerais das terras, baldios e maninhos e artes rústicas. Reino mineral, artes mineralógicas, manufacturas, comércio e tráfico. Navegação, justiça e fazenda, correição, provedoria, em ambos estes juízos vereadores e almotacés e vinteneiros. Donatários. Fazenda, contadorias e almoxarifados, forais e sisas. Décima e outros subsídios. Outras contribuições reais e pessoais.
A ordem régia que o incumbiu deste serviço é a seguinte: «Tendo o Princepe Regente Nosso Senhor encarregado a V. m. por Aviso desta Secretaria d’Estado de 15 de Julho de 1794 de formar o plano e regulamento de Correição; e havendo aprovado e ractificado os que havia posto em prática na comarca de Moncorvo, pelos outros dois Avisos expedidos em 7 de Setembro de 1790 e 11 de Maio de 1793 e sendo-lhe finalmente agora presentes o referido Plano e Regulamentos, que igualmente tem merecido a sua Real aprovação: É servido determinar, que V. m. extraia delles as minutas sobre os objectos que exigem prompta providencia nas comarcas e os faça subir á Real Presença do mesmo Senhor por esta Secretaria d’Estado: e é outro sim servido que das Instrucções Gerais para se formar o Mappa Arithmetico-Político do Reino que agora se mandam imprimir por conta da Real Fazenda por ordem da data d’este extraia V. m. os artigos que lhe parecer serem precisos mandar averiguar nas terras; ordenando aos corregedores das comarcas ou a quaesquer outros magistrados que os examinem e os remetam a V. m. com toda a possivel brevidade; e sobre todos os objectos dos ditos artigos formará V. m. uma conta exacta, que fará subir a esta mesma secretaria d’Estado para se darem á vista d’ella aquellas providencias que mais convierem ao bem commum e ao Real Serviço do Princepe Regente Nosso Senhor… Paço, 15 de Agosto de 1801. Luiz Pinto de Souza. Senhor desembargador José António de Sá».
Este importante ramo de serviço representa as observações e estudos do autor em dez anos de ímprobo trabalho, em que teve de cotejar muitas leis, representações dos povos e documentos extraídos dos capítulos de cortes, dos registos da Torre do Tombo e câmaras do reino. O resultado das laboriosas observações do doutor Sá foi cometido por decreto de 7 de Março de 1803, para as examinar, a uma junta que pouco pode fazer, pois que foi suspensa de suas funções por decreto de 10 de Dezembro do mesmo ano. No decreto da constituição desta junta «reconhecem-se os vastos e importantes objectos em que o dito ministro (José António de Sá), tem trabalhado e trabalha com incansavel e louvavel aplicação, com muito zelo do real serviço e bem commum dos vassalos».

O doutor José António de Sá escreveu mais:
Descrição económica da Torre de Moncorvo. Vem nas Memórias Económicas da Academia Real das Ciências, tomo III.
Memória sobre a origem e jurisdição dos corregedores das comarcas. Vem no tomo VII das Memórias da Literatura Portuguesa, pág. 297.
A Deus Todo Poderoso dirige o doutor José António de Sá em nome da comarca de Moncorvo um hino gratulatório, e deprecante pela gravidez e feliz sucesso da Sereníssima Princesa do Brasil, Nossa Senhora. Lisboa, 1793.
Folheto in-4.ºde 14 págs. em prosa. Este opúsculo escapou a Inocêncio.
Demonstração analítica dos bárbaros e inauditos procedimentos adoptados como meios de justiça pelo Imperador dos Franceses para a usurpação do trono da Sereníssima Casa de Bragança e da Real coroa de Portugal, com o exame do Tratado de Fontainebleau, exposição dos direitos nacionais e reais e da infame Junta dos Três Estados para suprir as cortes. Lisboa, 1810. 40 de II-XXXX-312-XI págs.
Esta obra saiu depois mais acrescentada debaixo deste título: Defesa dos direitos nacionais e reais da monarquia portuguesa. Lisboa, 1816. 4.º Dois tomos.
O leitor que desejar dar pasto à hilaridade, consulte, acerca desta obra, a Besta Esfolada, de José Agostinho, nº 21, pág. 2, e não dará por mal empregado o tempo que nisso gastar, diz Inocêncio da Silva no seu Dicionário Bibliográfico.
Na segunda edição da Defesa dos direitos nacionais e reais veio também incorporado o escrito Um português aos portugueses, que abrange umas sete Falas inflamatoriamente patrióticas, excitando os portugueses à vingança, ao sacrifício e à união contra os invasores franceses. São um monumento de patriotismo. Podem ver-se na citada Defesa, pág. 291 do II tomo. Estas Falas correram primeiramente avulsas e anónimas. 

Eis uma carta do conde das Galveias, ministro e secretário de Estado dos negócios da Marinha e do Ultramar, dirigida ao autor a propósito da 3.ª Fala:

«Rio de Janeiro, 1 de Agosto de 1811. Senhor José António de Sá. A sua 3.ª Fala aos portuguezes é obra digna de seus talentos e de seus sentimentos honrados. Eu a li com prazer e devo dizer-lhe que ella lhe faz muito crédito, entre todos os que a tem lido, e entre estes, deve-lhe ser particularmente lisongeiro contar o nosso amado princepe».

Em aviso régio de 20 de Janeiro de 1813 foi ele louvado por ocasião de publicar a sua 2.ª Fala.
Logo que o exército francês comandado por Junot foi expulso de Portugal, como estes deixaram roubado o erário, muitos portugueses se apressaram a concorrer com donativos para as despesas do exército, José António de Sá foi um deles, que ofereceu 600$000 réis anuais pagos às mesadas enquanto durasse a guerra, 500$000 réis pagos logo e também seus filhos para o serviço militar, e mais daria, diz ele, mas os franceses só por uma vez lhe haviam extorquido dez mil cruzados. Por aviso expedido de Santa Cruz do Rio de Janeiro em 13 de Outubro de 1809, louvou el-rei estas generosas ofertas do nosso conterrâneo, como tudo consta da Gazeta de 19 de Novembro e 23 de Dezembro de 1808.
Igualmente ofereceu o produto da sua obra Demonstração analítica dos bárbaros e inauditos procedimentos, etc., fazendo ele próprio as despesas da impressão; e, no intuito de inflamar o povo, publicou à sua custa e fez espalhar gratuitamente as Falas proclamatórias; por isso, os documentos oficiais não podiam deixar de «reconhecer n’elle aquelle zelo, fidelidade e patriotismo, que formam o caracter de bom vassallo e cidadão sempre digno do maior louvor».
A obra Demonstração analítica chegou a render 5.976$360 réis, quantia que reverteu em benefício do Estado.
Duarte Cardoso de Sá, filho de José António de Sá e D. Joaquina Felizarda Cardoso de Sá, em consequência da oferta de seu pai, assentou praça em alferes, tendo ao tempo dezasseis anos de idade, pois havia nascido a 12 de Maio de 1795.
A 11 de Agosto de 1813 foi promovido a tenente por distinção na batalha da Vitória. Mendes Leal Júnior diz que esta promoção teve lugar a 9 de Novembro de 1813, em consequência do investimento de Burgos, onde foi ferido. Em 22 de Junho de 1815 foi promovido a capitão, e neste posto fez a campanha de Montevideu. Em 29 de Novembro de 1824 foi despachado coronel agregado do regimento de milícias a pé de Lisboa oriental, no qual regimento prestou ainda relevantes serviços, fornecendo-o de capotes à sua custa. De 1826 em diante comandou quatro corpos de segunda linha, dois dos quais, depois de 1834, foram por ele organizados à sua custa.
Na guerra peninsular foi condecorado com a medalha laureada da Vitória; com a de Tolosa de 1814; a de Pancorbo, Pirenéus e Nivelle de 1813; e a das quatro batalhas. Recebeu depois a de Montevideu.
Como recompensa dos seus serviços na guerra peninsular e por graves ferimentos na batalha de Salamanca, foi-lhe conferida a comenda da ordem de Avis e em 1815 o título de conselheiro. Faleceu a 28 de Outubro de 1855.

Chabi diz a propósito deste ilustre militar e doutros que menciona:

«eram exemplo de devoção pela pátria e dos mais primorosos brios militares». Duarte Cardoso de Sá era então alferes e esta apreciação refere-se ao ano de 1813.
O «Catálogo da Biblioteca Pública Municipal do Porto», índice preparatório do catálogo de Manuscritos, Porto, 1886, na pág. 181, aponta mais o seguinte manuscrito de José António de Sá:
Memória dos abusos das Câmaras e provimentos dados pelo autor quando Corregedor de Moncorvo. 1 vol. fol. Passando à sua descrição, diz: «Tem 43 capitulos. Termina – Sobre o Commercio dei providencias para augmento da carne de porco; e estabeleci alguns Mercados, etc. – Seguem 8 documentos – Aos senhores que a presente virem – escriptos e assignados pelo escrivão chanceler da correyção, José Luiz Pimentel; sendo o ultimo um Aviso de S. M. (por intervenção do Visconde de Villa Nova da Cerveira, auctoridade superior da Provincia), Villa Real.... de junho de 1788, no qual a Rainha manda louvar o zelo do Dr. Corregedor no que toca a plantação d’amoreiras e creação do bicho da seda. No fim vem um grande – Mappa dos objectos do bem publico, providos na comarca referida – dividido em zonas horizontaes por Villas; e columnas verticaes cada uma com um dos seguintes dizeres: – Estradas Reaes; Fontes; Pontes;Mattas conservadas; Ditas creadas; Amoreiras; outras arvores. – Vê-se que fez plantar 45:088 d’aquellas e 72:274 d’estas! Foi pois um illustrado e benemerito promotor da arboricultura e da sericicultura. Honra lhe seja».

Escreveu mais:
Memória Académica da província de Trás-os-Montes.Manuscrito in-4.º, sem paginação constante de 34 capítulos e um mapa das principais produções do concelho de Chaves. Vimos este manuscrito em Bragança, em poder de seu neto doutor Joaquim Guilherme Cardoso de Sá.
Pinheiro Chagas diz que o doutor José António de Sá foi eleito sócio da Academia das Ciências «sem grandes méritos para isso». O mesmo chama «obra verdadeiramente ridicula» ao livro de Sá, intitulado Demonstração analítica, etc.
Que critério seria o de Pinheiro Chagas? Aos escritores portugueses, que durante o domínio castelhano escreveram nesta língua, então geralmente usada, carrega-lhe por falta de patriotismo. A Sá, que escreveu contra os franceses fervente de indignação patriótica, chasqueia-lhe os intuitos!...
Preso por ter e não ter cão! Quando se trata de pregadores, de escritores teólogos, apontados, embora, nos autores como competentes, poucas vezes deixa de lhes jogar uma piada escarninha. Que critério seria o deste homem? voltamos a perguntar. Não leu nem conheceu a obra de José António de Sá e botou-se a fazer espírito sobre ela, guiado pelos informes de Inocêncio F. da Silva, atrás citados, referente à Besta Esfolada de José Agostinho de Macedo. Pelo geral, o seu Dicionário, obra aliás importante pela compilação de notícias que aponta, carece de trabalhos de investigação e limita-se a cópias condimentadas de piadas,muitas vezes descabidas.
Os seguintes documentos assaz mostram as benemerências do doutor José António de Sá:
«Havendo o Principe Regente N. S. mandado ás Provincias de Traz-os-Montes e Beira o Desembargador Superintendente Geral da Decima da Corte e Reino, José António de Sá para a interessante commissão, que faz o objecto da Carta Regia de 22 de Março proximo passado, tendo por fim o restabelecimento das Fiações e Torcido das Sedas, e a erecção de seus tecidos em Bragança, os habitantes daquella cidade deram as demonstrações mais públicas do seu contentamento, e reconhecimento a S. A. pelo grande
beneficio que deve resultar a todas as familias do restabelecimento da dita Fabrica, que se achava na maior decadencia; havendo para este effeito o zeloso e patriotico Tenente General o Excellentissimo Manuel Jorge Gomes de Sepulveda, com o dito Ministro reunido os animos das principaes pessoas em riqueza, e nobreza, para entrarem nos meios do mesmo restabelecimento, que felizmente obtiverão; por cujo motivo todo aquelle povo, principalmente os pertencentes ás familias, que subsistião pela mesma Fabrica, abençoarão reiteradas vezes o seu Augusto Principe pela Regia protecção que lhes liberalizava.
O Governador da Praça e os Magistrados fizerão soltar os prezos de correcção, que se achavam nas circunstancias compativeis com a Justiça, e se demarcou na Praça Grande do Collegio o sitio aonde devia erigir-se hum Padrão ao seu Principe Regente em sinal de reconhecimento eterno, logo que o mesmo Senhor se dignasse approvar os Artigos em que concordarão para o dito restabelecimento. Entrando o referido Dezembargador na villa de Moncorvo no dia 5 de Junho proximo passado, no seguinte se executou hum magnifico festejo, que o Desembargador Corregedor daquella Comarca, Francisco de Assis da Fonseca, os mais Ministros e Camara da dita Villa, celebrarão em obzequio a S. A. R. pelos motivos da Paz e dos bens que resultarião áquella Comarca e Provincia, assim na Restauração das Fabricas de Sedas, e lanificios, que devem ministrar a subsistencia a tantas familias como na Repartição dos baldios, que com tanto applauso dos povos se hia praticando; havendo já hum grande numero de sorteados, esperando só os do povo de Felgar o augmento da colheita em mais de 12 mil alqueires, promettendo geralmente esta benefica Providencia não só o progresso da cultura mas fazendo a consolação dos mais pobres vassallos, que da extrema indigencia, em que se achavão se vem melhorados, e na esperança de serem hum dia felices logo que a sua cultura prosperar.
Começou o dito festejo pela acção de graças ao Omnipotente, celebrando-se Missa, em que orou o M. R. Guardião do Convento de Santo Antonio da mesma Villa, Fr. Agostinho de Santa Rosa, havendo Te Deum, e Procissão com a maior solemnidade. O dito Corregedor deo hum jantar com muita profusão e delicadeza, constando a meza de setenta e tantos talheres, aonde se repetirão altos vivas a S. A. R. como seu Protector e Pai, e fizerão muitas saudes á Real Família, e ao Ministerio: de tarde se corrêrão Touros e á noute se fez na casa do mesmo Corregedor huma Academia Litteraria, em que se recitarão varios papeis em proza, e verso, allusivos ao objecto, abrindo o mesmo Desembargador Superintendente Geral a dita Academia com huma pequena falla gratulatoria, por se ver no meio de hum povo aonde serviu doze annos, recebendo de todos os mais estrondosos cortejos, e que se achavão com elle reunidos para as demonstrações publicas, do seu reconhecimento ao muito Alto e muito Poderoso P. N. S. que nos bens, que lhes tinha liberalizado, e esperavão da sua Regia Benificencia, se tinha patenteado em qualidade de Pai: recitou mais o mesmo Desembargador Superintendente Geral huma Oração, que trazia impressa, sobre o mesmo reconhecimento a S. A. R. e que espalhou por aquella Assembleia; recitando depois outros o sobredito Desembargador Corregedor Francisco d’Assis da Fonseca; o Provedor Joaquim de Noronha e Oliveira; o Juiz de Fora Antonio José de Moraes de Mesquita Pimentel; Lourenço Carneiro de Vasconcelos, Fidalgo da Caza Real; Antonio Xavier Carneiro; o P. M. Fr. José Bernardo de Moraes Sarmento, da Ordem dos Pregadores; o Bacharel Manuel Antonio Ribeiro; e o Bacharel João Joaquim Paes da Costa: concluida a Academia, se encheo o resto da noute com canticos e contradanças, em que entraram os senhores principaes, acabando o festejo pela madrugada».

Segue agora a descrição dos festejos pelo mesmo motivo feitos em Trancoso, a que presidiu igualmente o Doutor Superintendente Geral José Antonio de Sá, que omitimos por não fazerem ao nosso propósito.

«Havendo o Desembargador José Antonio de Sá; Juiz Conservador da Real Companhia do Novo Estabelecimento para as Fiações e Torcido das Sedas, em desempenho da deligencia que lhe foi commettida na Carta Regia de 22 de Março do anno corrente, apresentado a S. A. R. 16 Peças das diversas Manufacturas de Seda, que se fabricão na cidade de Bragança, o mesmo Senhor, dignando-se examinal-as huma por huma muito miudamente, mostrando o maior contentamento de ver, e observar fazendas de excellente qualidade, que não cedem ás estrangeiras, foi servido segurar ao dito Desembargador a sua Real Protecção, como já o tinha feito na sobredita Carta Regia áquelle util Estabelecimento, de que depende o augmento e riqueza da dita Cidade, e Provincia, e a subsistencia de tantas familias, das quais muitas se tinham expatriado pela decadencia da mesma Fabrica, que se seguiu á ausencia do patriotico João Antonio Lopes Fernandes, que a fez florecer; cujo restabelecimento deve trazer em consequencia o progresso da Criação da Seda, que organizada na mesma Provincia, segundo os methodos de Piemonte, suprirá a que até agora se fazia preciso comprar de fora para o consumo das mesmas Manufacturas.
Naquelle acto se dignou o mesmo Augusto Senhor mandar comprar todas as sobreditas Peças, fazendo segurar ao dito Desembargador que dellas se vestiria a Real Familia; declarando-se por esta maneira, assim como sempre o tem feito por tantas outras, o Protector das Artes, e da Industria Nacional em hum ramo, que trará a riqueza solida aos seus ditosos Vassallos, de quem é verdadeiramente Pai. Á vista do que, he de esperar que a todos faça impressão tão respeitavel exemplo no uso das nossas Manufacturas, que ainda o mais delicado gosto, e luxo dever preferir às estrangeiras».

«Agradecimento que a S. A. R. e Princepe Regente N. S. fez o Governador do Bispado de Bragança, e mais moradores da mesma cidade pela restauração das Fabricas de Seda.

Senhor. Prostra-se aos pés de V. A. R. o Clero, a Nobreza e Povo da cidade de Bragança, penetrados dos mais vivos e respeitosos sentimentos de fidelidade, reconhecimento e gratidão. Não he somente pelos geraes effeitos da Real Benevolencia, e Paternal Amor, com que V. A. R. protege, e anime a todos os seus Vassallos, que se excitão nos corações dos moradores de Bragança os suaves sentimentos da mais profunda e fiel gratidão; he, Senhor, pelos particulares beneficios que V. A. R. tem liberalizado a este Povo, dignando-se manifestar nelle a sua Régia Protecção na Restauração das Fábricas de Seda desta Cidade. Ella, Senhor, que floreceu tanto em outro tempo pela cultura, e fabricação das Sedas, agora se achava na ultima decadência: estava desprezado, e quasi a extinguir-se a criação do casulo; bem poucos teares tinhão exercicio; vião-se os Fabricantes miseravelmente mendigando o sustento, opprimidos da indigencia, por lhes faltar o meio de se occuparem.
Digna-se V. A. R. tomar em consideração este Povo, querendo restaurar-lhe o Antigo esplendor das suas Fabricas, o liberalizar-lhe, como consequencias desta restauração, os beneficios que a Sábia Vigilancia de V. A. R. lhe preparava, apparece a Benéfica e Augusta Mão de V. A. R. particularmente empenhada em derramar sobre este Povo as enchentes da sua Real Benevolencia; anima-se a cultura e creação do casulo, põem-se em movimento os teares, occupão-se os braços que a pobreza inhabilitava; e aquelles, que a indigencia opprimia se achão já ganhando o sustento pelo seu trabalho util a si, e aos outros.
Mas que muito que hum principe Amavel, e Benigno, cujas Acções não respirão senão affabilidade para com os seus vassallos, se empenhe em distinguir os Brigantinos, se estes tem a honra de que o seu Duque seja o seu Soberano? Crescem por tudo os motivos de obrigação, e reconhecimento que fazem maiores os seus affectos de lealdade, amor, e respeitosa vassallagem; affectos que respirarão os seus fieis peitos até aos ultimos alentos; fazendo ao Céo os mais ardentes votos pela conservação da preciosissima Vida do Augusto Soberano, debaixo de cujo Sceptro vivem seguros, á sombra das Sábias e Próvidas Leis, com que os Governa. O Omnipotente assista aos seus Conselhos, abençoe os seus projectos, prospére os seus dias, e encha de gloria o seu feliz Governo. De V. A. R. os mais fieis Vassallos. = o Deão Governador do Bispado, Caetano José Saraiva = Manuel de Madureira Feijó de Moraes Sarmento, Thesoureiro-Mór da Sé = Manuel Leite Pereira, Coronel do Regimento de Infantaria de Bragança, Governador Interino da Provincia = Antonio José Baptista de Sá Pereira Carneiro,Vereador mais velho, por impedimento do Doutor Juiz de Fóra».

«Agradecimento a El-Rei por mandar comprar sedas a Bragança para uso da familia real.

De Bragança avisão que no dia da Conceição de Nossa Senhora, Padroeira deste Reino, se celebrarão novas acções de Graças com exposição do Santissimo Sacramento, depois de terem precedido as que se derão a Deos na occasião do Feliz Parto da Princesa N. S. pela noticia, que proximamente havia chegado de ter o Principe Regente N. S. dignado-se examinar, elogiar e mandar comprar para se vestir a Real Familia, as Fazendas fabricadas na mesma Cidade, que havia apresentado a S. A. Real o Desembargador José Antonio de Sá, promettendo a sua Regia Protecção ás Fabricas da mesma Cidade. Officiou sempre o Deão Governador do Bispado, assistiu tambem a Camara, e Officialidade dos Regimentos, a Nobreza de hum, e outro sexo, e povo, transportados todos do mais sensivel prazer, effeito da lealdade, amor, e reconhecimento ao Augusto Principe, que no restabelecimento da Fabrica da Seda (que jazia na maior decadencia) tanto tem favorecido aquela cidade, cujos sentimentos expressam com energia em huma eloquente e erudita Oração o Reverendo Manuel de Madureira Feijó, Thezoureiro Mór da Sé, nomeado conego da Santa Igreja Patriarcal, que, mal convalescido de huma longa molestia, quiz ser o orgão da alegria publica.
Concluio-se esta Festividade com huma devota Procissão, havendo á noite um luzido concurso na casa do Coronel Manoel Leite Pereira, que se acha interinamente governando as Armas da Provincia de Traz-os-Montes, aonde se fez hum grande festejo, brilhando em toda esta funcção a harmonia das tres Authoridades, Ecclesiastica, Civil e Militar; soando ao mesmo tempo muitos vivas a suas Altezas Reais, principalmente pelo Corpo dos Fabricantes.
Por esta occasião o mesmo Deão Governador deo huma avultada esmola, que distribuiu pelo Ministério dos Parocos, e nella forão especialmente attendidos os pobres doentes Fabricantes, mulheres, filhos e viuvas de soldados. Por occasião de annunciar a Gazeta, a referida honra que S. A. R. tinha feito áquella Fabrica, se repetio em outro dia o Te Deum e houve luminarias em algumas casas, e o dito Deão tornou a mandar repartir por cada hum dos Fabricantes pobres a esmola de 480 réis. Os negociantes da mesma Cidade, mostrando-se sensiveis, e reconhecidos á Augusta Protecção do dito Senhor, fizerão levantar muitos teares, e augmentarão o preço da mão d’obra; succedendo que achando-se grande parte dos Fabricantes parados, e mendigando na occasião que foi áquella Cidade o referido Desembargador José Antonio de Sá, agora se achão todos occupados, e satisfeitos, assim como muitas pessoas de hum e outro sexo, que se empregão no preparo das Sedas, abençoando todos ao seu Augusto Principe, a quem devem tão Alta Protecção e Beneficencia.
He certo que de todas as Manufacturas nenhuma occupa mais pessoas que as das Sedas, pelos preparatorios que exigem. Consta que as Fabricas de Leão em outro tempo, que occupavam 18 mil Officiaes fazião viver mais 80 mil pessoas; e nas de Tours 8 mil Fabricantes occupavão 40 mil pessoas, e fazião trabalhar 700 maquinas. Sendo de esperar que por esta maneira se adiante progressivamente a povoacão naquella Cidade, e Provincia de Traz-os-Montes, pelo augmento que cada vez vai tendo mais a industria das Sedas».

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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