terça-feira, 4 de julho de 2017

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - MANOEL CORTIÇOS DE VILLASANTE (1603 – 1650)

Esplendian Nunes é o primeiro que nos aparece com o sobrenome Cortiços possivelmente  por ter vivido  naquela vila medieval , hoje concelho de Macedo Cavaleiros, sendo filho   de Duarte Nunes,   que se dizia cavaleiro e “vivia de sua fazenda”,  natural de Cortiços, e de Leonor Nunes.  Segundo informação colhida no processo de Duarte Nunes Nogueira, o casal foi morador na Galiza. (1) Esplendián era casado com Beatriz Nunes de Castr, que lhe deu vários filhos, nomeadamente um Duarte Nunes Cortiços e um Gaspar Nunes Cortiços que, em data que desconhecemos, terão abalado para a Flandres, o primeiro deles fazendo carreira no exército de Flipe II de Espanha. (2)
Um terceiro filho chamou-se António Lopes Cortiços que, em finais do século de 500, casou com Luísa de Almeida, irmã de Manuel de Almeida Castro. O casal seguiu para Castela, fixando-se em Valhadolid onde Luísa tinha uma tia materna casada com o fidalgo D. Fernando Villasante. Isso permitiu a António Cortiços, por um lado, aproximar-se da Corte e consolidar uma empresa de importação de especiarias e pedras preciosas da Índia, açúcares do Brasil e telas da Flandres e, por outro, ascender à Ordem de Calatrava. (3)
Para ganhar mais consideração e respeito passou a usar o sobrenome Villasante, título que comprara a uma nobre família castelhana, já referida, por uma pensão mensal de 50 ducados, mais um fato de verão e outro de inverno. A condição essencial era que o reconhecessem como membro da família, e dessem público testemunho disso. Este facto seria fundamental para ele ascender à classe da nobreza, como se verá.
Vivendo na dependência da Corte, António Cortiços, com ela se mudou também para Madrid, instalando-se na “Calle  de Preciados”. Prova da sua ascensão no mundo empresarial foi a tomada das rendas da exportação das lãs e dos negócios dos portos secos, então já com a ajuda dos filhos, todos trabalhando em rede. De seus filhos, citamos:
1-Sebastião Lopes Cortiços, nascido em 20.11.1617, que casou com uma sobrinha, filha de seu irmão Manuel e, anos depois, ficou a dirigir as empresas da família.
2-Luísa Cortiços, que casou com seu primo Sebastião Lopes Ferro, futuro marquês de Castro Forte.
3-Manuel Cortiços, o grande construtor da chamada “Casa Cortiços”, uma das maiores casas empresariais naquele tempo. É sobre ele que vamos falar.
Andaria nos 25 anos quando o pai faleceu e Manuel tomou a direção das empresas da família. Era ainda solteiro mas o casamento estaria já apalavrado com sua prima Luísa Ferro, irmã de Sebastião Lopes Ferro.
Por 1634, Manuel Cortiços era tido como “assentista e factor d´el-rey”, significando isto que ele entrara na atividade bancária. Em breve ascenderia à posição de “banqueiro do rei”.
E como banqueiro de confiança, o rei delegou nele a nomeação de 16 capitães comandantes de outras tantas companhias de cavalaria empenhadas na guerra da Catalunha. Obviamente que os fornecimentos de géneros e ordenados, não apenas àquelas tropas, mas também aos destacamentos da Flandres eram assegurados pela Casa Cortiços, daí resultando bons lucros, naturalmente. (4)
Além de banqueiro, Manuel Cortiços Villasante revelou-se um cortesão exemplar, e foi, por Sua Alteza o rei Filipe IV, chamado à gestão do erário público, nomeando-o para o seu Conselho, com o cargo de “secretário da Contaduria Mayor de Cuentas y de las Cortes e Ayuntamientos de Castilla y León, escribano mayor y perpetuo de ellos, secretario de la comision y administración de millones y “factor” general de los servicios del reino”. (5)
A própria inquisição de Espanha fez questão de o contemplar com a nomeação de “Familiar do Santo Ofício”. E, no entanto, havia já denúncias de judaísmo contra ele!
Manuel Cortiços morreu de súbito, em 3 de setembro de 1650. Por sua alma foram dadas muitas esmolas a pessoas da nação hebreia, para que fizessem jejuns judaicos. E isso chegou ao conhecimento da inquisição, que lançou uma vaga de prisões entre familiares e amigos dos Cortiços, grandes mercadores e assentistas. Um verdadeiro terramoto social que abalou a burguesia cristã-nova portuguesa de Madrid. Curioso: sendo decretada a prisão da viúva, D. Luísa Cortiços, acusada por 32 testemunhas, ela acabou por não ser presa! E Sebastião Lopes Cortiços, seu irmão, igualmente acusado, também não foi preso!

Este último,  sucedeu ao irmão na direção da casa e, no que diz respeito a cargos honoríficos, Sebastião ultrapassou o  seu irmão Manuel  Cortiços. E, sem renunciar aos cargos que detinha nas Finanças do Estado, tomou para so o assento da exportação de lãs de Espanha para a Itália.
Segundo Federica Ruspio, os Cortiços Villasante detiveram aquele contrato de exportação da lã no anos 1621-1629 e 1631-1636. Cederam-no a Simão da Fonseca Pina que o administrou de 1637 a 1650. Obtiveram-no de novo entre 1682 e 1692. No decurso da sua carreira destingiram-se como compradores entre 1638 – 1652, e eram dos principais no que dizia respeito à lã de Segóvia. No que toca a Sebastião Cortiços, entre 1662 e 1665, ele foi responsável por 80% da lã exportada pelo porto  de Cartagena .
A mesma autora fala circunstanciadamente sobre a presença oficial de Sebastião Cortiços na cidade de Veneza, onde foi recebido  com toda a pompa e circunstância  pelas autoridades  da República, no ano de 1670, sendo homenageado com a representação de uma peça teatral da autoria do célebre Marco Boschini intitulada “La Regata único cimento  marítimo a l’ uso  venezian, rapresentà il presente ano sul Gran Canal de Venezia in honor  de l´ilustrissima ecelenza del sig.  cavalier don Sebastião  Cortizos de ordem de Calatrava  del  consegio dá azienda  de S. M.  Católica. (6)

De facto, sob a sua gerência e com Agostinho da Fonseca, seu parente e correspondente da Casa Cortiços naquela cidade, foram investidos por conta da empresa cerca de 190 000 ducados em imóveis na cidade lagunar e em Terraferma. Explica-se, assim a homenagem a este grande empresário, investidor estrangeiro.

À morte de Sebastião Lopes Cortiços, sucedeu-lhe, na direção da Casa, o seu sobrinho Manuel José Cortiços, filho do fundador Manuel Cortiços Villasante. Tal como o pai e o tio, também o Manuel José foi elevado à categoria de cavaleiro da Ordem de Calatrava, em 1668, e distinguido com o título de visconde de Valfuentes. Em 1674, ascenderia a marquês de Vila Flores.
Manuel José afirmava-se então como o assentista mais abastado e poderoso da corte de Carlos II. Contudo no ano de 1678, Manuel José foi constrangido a abandonar Madrid e “refugiar-se” em Nápoles  para escapar às disputas com coroa e os credores.
Da situação familiar de Manuel José, diremos que casou duas vezes. Primeiro com Mécia Ferro de Castro, sua prima e sobrinha, filha de Sebastião Ferro de Castro, seu tio, e de Luísa Cortiços, sua irmã. Deste matrimónio houve dois filhos: Sebastião Manuel Cortiços e Luísa Ferro Cortiços. 
Depois do falecimento de sua mulher, Manuel José voltou a casar, desta vez  com uma senhora da família dos condes de Vergheyth, de Bruxelas, da qual teve Giovanna.
No início dos anos 80, Manuel José foi estabelecer-se em Veneza, próximo da residência de Agostinho da Fonseca, falecido em 1681. (7) Ali morreu o seu único herdeiro masculino Sebastião Manuel Cortiços, em 1689,  e ele próprio  em 1691 .
Da família Cortiços Villasante restou Luísa Teresa Cortiços, que, em 1693, casou com Francesco de Galuzi mudando na ocasião a sua residência para Nápoles, e Giovanna Cortiços, que em 1705 , na  cidade lagunar  casou com Bartolomeu Santa Sofia. (8) 

NOTAS e BIBLIOGRAFIA
1- A.N.T.T. Inquisição de Lisboa  processo 10875 de Duarte Nunes Nogueira, solteiro , 50 anos  natural de Bragança,  morador  na vila de S. Paulo de Luanda, Angola, ouvidor  geral daquele reino, primo de Espledián. ANDRADE e GUIMARÃES, Nós transmontanos sefarditas e marranos, Duarte Nunes Nogueira  - Jornal Nordeste - 7 Fevereiro 2017.  

2- Andrade e Guimarães –Nós transmontanos sefarditas e marranos, Manuel de Almeida Castro  - Jornal Nordeste - 27 Dezembro 2016.  

3-ANDRADE e GUIMARÃES - Nas Rotas dos Marranos de Trás-os-Montes, pp. 41-77, Âncora editora, 2014.

4-AYÁN, Carmen Sanz – Consolidación y Destrucción de Patrimonios Financieros en la Edad Moderna. Los Cortiços (1630-1715), p. 2; SCHREIBER, Markus – Marranen in Madrid, 1600-1670, pp. 67-76.
BAROJA, Julio Caro – Los Judíos en la España moderna y Contemporânea, vol 2, p. 115: - …aprestó en varias ocasiones a los tércios de Flandres, adelantando 600 000 escudos en un momento.

5-BAROJA… ob. cit. P.115.

6- RUSPIO, Federica - Da Madrid  a Venezia : L’ ascesa  del mercante  nuovo cristiano  Agostino  Fonseca . Mélanges de L´Ecole  francaise de Rome  - Italie  et Mediterranée  modernes  et  comtemporaines (en ligne).

7- ANDRADE e GUIMARÃES, Agostinho da Fonseca, in: – Nós transmontanos sefarditas e marranos  - Jornal Nordeste, nº 1076, Bragança, 27.6.2017.

8- RUSPIO, Federica, ob. Cit.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnordeste.com

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