sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Francisco Botelho de Morais e Vasconcelos

...ou só Francisco Botelho de Vasconcelos – Nasceu em Moncorvo; ignora-se o dia, mas foi baptizado a 6 de Agosto de 1670 (os baptizados, como atrás referimos, regulavam então por oito dias após o nascimento) e faleceu em Salamanca, Espanha, em 1747.
Era filho de Francisco Botelho de Morais (ver o respectivo artigo) e de D. Beatriz (outros dizem Brites) Vasconcelos Saraiva; neto paterno de Paulo Botelho de Morais, cavaleiro da ordem de Cristo, e de D. Isabel Coelho; bisneto de Francisco Botelho de Matos, que em África, segundo o uso do tempo, foi armado cavaleiro pelo seu parente Francisco Botelho, capitão-general de Tânger, e de sua prima D. Luísa de Morais, filho de Pedro Botelho de Matos, cavaleiro da ordem de Santiago, e de D. Helena de Morais, filha de Fernando de Morais, secretário de Estado de Filipe II, no conselho de Portugal, e quarto neto de Estêvão Mendes de Távora, senhor do Vimioso.
Pelo lado materno não é menos nobre a sua ascendência, e o irmão primogénito do nosso biografado desfrutava em Moncorvo dois opulentos morgadios.
Desde tenra idade foi para a companhia de um tio em Madrid, onde fez a sua educação literária, regressando depois a Portugal, sendo então agraciado por D. João V com o hábito de Cristo em atenção aos seus méritos literários. Viajou pela Europa; esteve em Roma; voltou a Portugal e desgostos vários passados na corte obrigaram-no a regressar a Moncorvo, onde viveu retirado numa sua quinta, em casa por ele mandada edificar pelos anos de 1730, conforme escreveu Bernardino Pereira de Arosa, cavaleiro da ordem de Cristo, natural de Moncorvo, na Notícia, que anda adjunta em algumas edições de El Alfonso.
Foi secretário do embaixador a Roma, marquês de Abrantes, em 1711.
As suas obras gozaram de grande aceitação no seu tempo, e mesmo hoje não desmerecem totalmente – diz Inocêncio F. da Silva – por sua originalidade e por mostrarem bem claramente o engenho de seu autor.

Escreveu em castelhano:
El nuevo mundo. Poema heroico, con las alegorias de D. Pedro de Castro, caballero andaluz. Barcelona, 1701. 4.º de XXVIII-476 págs. Consta de dez livros ou cantos em oitava rimada. Tem por assunto a descoberta da América por Colombo. Deste fez-se 2.ª edição em Madrid em ano incerto.
El Alfonso del caballero Don Francisco Botelho de Moraes y Vasconcelos.
Dedicado a la Majestade de D. Juan el V, rey de Portugal, etc. Paris, 1712. 12.º grande de 365 págs. A segunda edição deste livro fez-se em 1731 na cidade de Salamanca, em 4.º com este título: El Affonso, o la fundación del reino de Portugal, assegurado y perfecto en la conquista de Lisboa. Poema épico. Dirigele su autor a la presencia de la serenissima Doña Maria, princeza de las Asturias, etc. Com XX-284-VIII págs. Fez-se terceira edição em 1737. 8.º de 386 págs.; tem o título igual ao da segunda e traz no fim uma sátira em latim que não vem nas outras.
Estas três edições diferem notavelmente por causa das modificações que sofreu o poema, que na primeira consta de doze cantos em oitava rimada e nas outras apenas de dez. O autor da Biblioteca Lusitana ainda menciona outra edição feita em 1716 que ficou incompleta.
A propósito desta obra diz o Mapa de Portugal: «O autor teve furor e enthusiasmo poetico de grande elevação e especie maravilhosa. O seu poema epico intitulado El Affonso, feliz imitação de Lucano, enobreceu a lingua castelhana, acreditou o parnasso, a nação e o autor, pois por elle mereceu que D. João V lhe fizesse mercê do habito de Christo com uma pensão na commenda de Folgosinho, valendo-lhe mais esta benignidade do soberano, do que se o mesmo Apollo coroasse o autor de louro. Alguns legisladores da poetica lhe fizeram varios reparos sobre a contextura, maquina e artificio do poema, a que elle talvez respondeu no “Prologo” da ultima impressão. D. Ignacio de Luzan, na sua Poetica, livro IV, nota de impropriedade n’este poema, que os anjos assaltem as muralhas de uma cidade, pois isto era empenho proprio do heroe e de seus soldados.
Maior critica e mais rigorosa é a que lhe faz o autor do Verdadeiro Methodo de Estudar, Luiz Antonio Verney, tomo I, pág. 269, onde diz que este poema não tem artificio algum de epopêa, que as fabulas são affectadas e com bastantes inverosimilidades, que os versos são duros e que em todo o poema reina uma escuridão insofrivel».
Historia de las cuevas de Salamanca. Salamanca, 1734. 8.º É uma espécie de romance; dele diz o Mapa de Portugal: «Esta producção, segundo a intelligencia do autor, era muito do seu agrado, como filho gerado na sua velhice e filho travesso e faceto que muito o fazia rir. A verdade é que similhante obra bem indica o genio e engenho do autor fecundo e erudito».
Um exemplar desta obra em espanhol que vimos tinha este título: Las cuevas de Salamanca registradas, y descritas por el caballero... y dedicadas por el mismo al preclaro y mas que heroico Amadis de Gaula. Salamanca, sem ano de impressão, mas as licenças para se imprimir são de 1732. No fim diz que a segunda parte desta obra já estava composta e que se ia imprimir brevemente.
Joaquim Manuel de Araújo Correia de Morais, professor de filosofia no liceu de Santarém, deixou impressa a seguinte obra: História das covas de Salamanca, do cavaleiro Francisco Botelho de Morais e Vasconcelos, cronista-mor dos estudantes, trasgos e feiticeiros, abreviada e traduzida em português. Coimbra, Imp. da Universidade, 1838. 8.º
Discurso político, histórico e crítico, que em forma de carta escreveu a certo amigo, passando deste reino para o de Espanha, sobre alguns abusos que notou em Portugal. Lisboa, por Francisco Luís Ameno, 1752. 4.º de 22 págs. Pela data da impressão parece ter saído póstumo.
Carta de Francisco Botelho de Vasconcelos a seu primo, acerca do poema «El Alfonso». Compreende nove folhas.
Deixou escritas mais outras obras mencionadas na Biblioteca Lusitana.
Inocêncio refere como deste autor algumas anedotas que bem provam o seu grande espírito; duas para amostra: numa das suas vindas a Lisboa encontrou-se com o conde da Ericeira, D. Francisco Xavier de Meneses, autor da Henriqueida. Este ilustre fidalgo tinha-se em conta de grande poeta e perguntou a Botelho: 

«Que dizem de mim lá em Castela?» «Que sois um grande cá de Portugal» – volveu-lhe Vasconcelos. «Não digo isso – objectou-lhe o conde –; falo a respeito dos meus versos». «Ó! isso é cousa em que ninguém fala!» – tornou-lhe o nosso biografado.
Quando ofereceu El Alfonso a D. João V, o monarca, como fica dito, fez-lhe mercê do hábito de Cristo; porém, como lhe não pagassem a pensão, Botelho não fez caso do hábito, e aparecendo um dia sem ele no Paço perguntou-lhe el-rei por que o não trazia. «Para ser cireneu, volveu-lhe o poeta, é preciso que me paguem».

O Sumário da Biblioteca Lusitana atribui-lhe mais estas obras:
Loa para la comedia, etc. Lisboa, 1709. 4.º
Tres Hymnii in Laudem Beati Joanni a Cruce. Romae, 1715. 4.º
Poema en loor de S. Juan de Sabagun. Gratas expresiones a Clemente XI. Luca, 1716.
Panegírico historial da família de Sousa. Córdova.
Relação de como se ensinam em Salamanca as três línguas.
Vida de um sargento-mor de dragões.
Pinheiro Chagas (no Dicionário Popular, artigo «Vasconcelos») acha que este escritor «disfructou no seu tempo uma reputação, que não nos parece extremamente justificada», e quanto às anedotas, que lhe atribuem, diz que «denunciam antes um malcreado, ou um jogral, ou um pedante, do que um d’esses cortezãos de agudo engenho e de esmerada cortezia, que eram por esses tempos a gloria e o encanto da côrte de Paris, e que tambem
o seriam da de Lisboa».
Satyranom equitis Domini Francisci Botello de Moraes et Vasconcellos, liber unicus. 8.º de 55 págs. seguidas de Notae doctoris Domini Joannis Gonzalez de Dios, in Salmanticensi Academia primarii Humaniorum Literarum Magistre. Estas notas vão de pág. 55 até além da 101, pois ao exemplar que vimos faltavam as restantes.
Do Discurso político, histórico e crítico, atrás mencionado, extraímos as seguintes notas, por conterem espécies interessantes: «Meu amigo. Como Vossa Mercê pela minha mão remeteo ao Lente de Prima de Leys da Universidade de Salamanca huns livros de outro Lente da Universidade de Coimbra, me parece da minha obrigação, e de boa amisade avisar a Vossa Mercê, que determino passar a Salamanca. Poderia ser, que o Lente de Prima Português, amigo de Vossa Mercê, ou Vossa Mercê mesmo quizessem alguma cousa para aquella Cidade, e nenhum portador será mais effectivo, e mais affectuoso do que eu.
Devera ser breve esta carta, por ser expressão de despedida. Porém peccará em dilatada, porque na nossa Provincia, de donde quero sair, estranhey algumas cousas; e como não careceria de culpa insinuallas fóra do Reyno, é melhor dizellas a Vossa Mercê: sendo muito dificultoso, que depois de apprehendidas as tenha em silencio, quem como eu gosta da conversação.
Estando contente e respeitado em Madrid, onde passey a melhor parte da minha vida, voltey a Portugal ao principio da guerra passada. E estando da mesma sorte em Salamanca, onde assisti cinco annos, deixey as minhas commodidades, e o meu gosto, quando pelos actuaes rumores, e prevenções militares, se me representou indecorosa a minha permanencia em Castella.
Em ambas occasiões imitei a meu avô Paulo Botelho, o qual de ordem de Filippe IV marchava a Catalunha, commandando um regimento de Infantaria (então se chamavão Terços); e tendo noticia da Acclamação do nosso grande Rey D. João IV, se restituio a Portugal, e nelle não desajudarão a publica felicidade a sua Pessoa, e o seu Regimento. De sorte que duas vezes o nosso Reyno me causou os prejuizos de me desterrar das Nações estrangeiras para o nosso Reyno. Digo prejuizos, mas não violencias; pois amando
com a mais exacta fidelidade ao meu Rey, e á minha Patria, seguem sem repugnancia aos impulsos da minha obrigação as resignações do meu animo.
Nestas jornadas, e outras, passey pela Torre de Moncorvo, onde nasci, e onde tenho algumas fazendas; e foy o meu primeiro cuidado ser util aos meus Compatriotas em tudo o que me fosse possivel. Achey-os discordes, e desapplicados, e para o remedio os juntava em uma casa de campo, que edifiquey, e onde vivi alguns meses. Alli lhes dava abundantes merendas, em que com muita reiteração nos acompanhou o Senhor de Villa Flor. Fundey também uma Academia dos Unidos, dizendo-lhes, que assim havião de chamar-se, e assim havião de ser. Pelos estatutos da referida Academia deputey dias, em que devião escrever em prosa, e verso papeis eruditos, e discretos; dias em que se exercitassem no manejo dos cavallos; e dias para o exercicio da Musica, e Dança. Estes empregos, como louvaveis, nobres, e convenientes, se aprendem fóra de Portugal, e na mesma Italia em Collegios dirigidos por sujeitos do mayor talento, e das mayores virtudes. Tambem intentey, e não sem difficuldade consegui, que se renovasse a deixada imagem da equestre batalha entre duas oppostas Nações, que vulgarmente chamamos Mourisca, festejo antiquissimo, em que já Virgilio deu adulto louvor á idade não adulta do seu Ascanio. Passando eu a Salamanca, fizeram os meus Patricios se pozesse na gazeta de Portugal, que era de outro a minha Academia; ingratidão de que facilmente me esqueci, pois o mundo me sabe o nome com estimação, sem que para a conseguir me fosse necessaria a gazeta de Portugal, ou o titulo de Fundador da Academia da Torre de Moncorvo.
Esta ultima vez, que vim á minha Patria, estavão os meus Patricios adormecidos de novo em outra desapplicadissima inacção. E desejando eu, que daquelle nada tornassem a sahir à luz, lhes trouxe á memoria, que a Torre de Moncorvo se fez conhecida (entre outras boas qualidades) pelos seus genios festivos. Disse em Lisboa huma das mayores Pessoas do Reyno, que não havia festa comparavel a hum dia de S. João da Torre de Moncorvo, com Mourisca de manhã, e Comedia de tarde. E como hoje, pelos marciaes aprestos, faltão os cavallos, aconselhey á Nobreza da Nossa Villa, que sem deixar a Dança, e a Musica, se não dedignasse das applicações á Comedia.
Tambem me admirou ver na Torre de Moncorvo, povoação de pouco mais de trezentos visinhos, caibão, vivão, e se acommodem sessenta e uma pessoas occupadas no ministerio judicial, ou administração da justiça».

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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