sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Isabel da Trindade

Freira no convento de Santa Clara de Vinhais, onde faleceu às duas horas da tarde de 1 de Dezembro de 1750, com sessenta anos de idade, «depois de muitas e repetidas doenças... com hûa hydropesia universal... e sendo exposta no choro alto passadas 24 horas, certa religiosa lhe rompeo com hum alfinete, a arteria temporal esquerda, e por ella lançou quantidade de sangue. Por esta causa, no dia seguinte terceiro do dito mez com permissão da M.to Rd.a M.e a Senhora D. Tereza Maria de S. Joseph dignissima Prelada d’aquelle religiosissimo convento na sua presença da mayor parte da communidade do seu capelam, do confessor da mesma defuncta, do medico do partido, e minha, se mandou sangrar em outras partes pelo cirurgião Sebastião Pereira o que primeiro executou em hûa vea do braço esquerdo, de cuja cesura, lançando hûa limitada quantidade de lympha, desatada a ligadura, nem esta continuou, nem saiu sangue: o mesmo succedeo sangrando-a perto do pulso do braço direito, e tambem na arteria temporal do mesmo lado; porem por estas duas ultimas sangrias nada correo.
Passado hum breve tempo, principiou o sangue a sair em tanta quantidade que a pouco espaço encheo a camisa, e habito, e outros lenços que nelle ensoparão varias religiosas, e como estas confessarão, corria athé as costas. Conservou-se assim athé o dia sexta feira, quarto do mesmo mez, e também quarto, depois da sua morte, em que sem signal algum de corrupção, lançou tambem sangue por hûa ferida, que conservava havia muitos annos no peito direito. Em todo o tempo que esteve exposta athé se enterrar, se conservou flexivel, e com a mesma côr do rosto, que tinha no primeiro dia em que expirou; e conforme a opinião de muitas religiosas era a propria de quando viva, ainda antes das suas enfermidades. Varias partes do seu corpo se observarão calidas mais de 24 horas depois que falleceo, e do mesmo modo o sangue que saio com a picada do alfinete».
Sobre este caso escreveu uma dissertação José Ruivo Salgado, datada de Moncorvo a 12 de Janeiro de 1751, que abrange oito fólios de papel branco liso, que termina por lhe parecer o mesmo sobrenatural.
Isabel da Trindade era natural de Vilar Seco de Lomba, filha de Domingos da Silva e de Mécia de Morais; foi baptizada a 1 de Março de 1688 (o respectivo assento não menciona a data do nascimento, mas como aquele acto costumava, segundo as praxes canónicas, celebrar-se dentro de oito dias, é fácil calcular quando teve lugar). Noviciou em 1710 no convento de Santa Clara de Vinhais, bem como sua irmã Francisca das Chagas, mais nova dois anos.
No Museu Regional de Bragança, maço citado, há um manuscrito, em papel liso, de nove fólios não paginados, que tem por título: Vida, virtudes e milagres da Madre Isabel da Trindade, perfeitíssima Religiosa que foi no convento de Santa Clara.
No fim, este manuscrito vem assinado por José António de Morais Sarmento e é datado de Vimioso em 1751.
Contrastando com a vida desta religiosa temos a seguinte: no convento de Santa Clara de Vinhais «houve uma, e não admira entre tantas, que tendo-se dedicado a Christo pelos votos da profissão, se esqueceu totalmente d’esta promessa, entregando seu coração e todos seus pensamentos a uma pessoa que vivia no seculo. O que se seguiu a esta desordem foi achar-se na hora da morte com quem amara na vida. Evidentemente se conheceu que lhe faltavam os favores e assistencia do Divino Esposo, e que antes de entrar com ella em juizo lhe cerrara, como a virgem louca, as portas da sua gloria, proferindo aquelle terrivel Nescio vos para confusão maior da sua fatuidade. Disse-lhe uma religiosa com muita compaixão e ternura que tratasse do bem da sua alma, e lhe ganhou tal odio que apparecendo ella virava o rosto para outra parte. Não foi possivel consentir que a ajudassem a bem morrer, nem quiz pronunciar a Protestação da Fé e com estes desamparos do Ceu acabou miseravelmente, deixando no mesmo assombro que a todos causou, a grande advertencia de que a morte corresponde á vida, e que a Esposa de Christo, que o despresou na vida, será também despresada d’elle na morte».

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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