sábado, 14 de outubro de 2017

Autárquicas em Portugal também se jogaram em França para "botar a mão a um amigo"

Numa altura em que decorrem as tomadas de posse dos autarcas eleitos a 1 de outubro, os emigrantes portugueses em França ainda falam das viagens a Portugal para votar e "botar a mão a um amigo".
O "boca a boca" em campos de petanca ou cafés e ações de campanha em salas de espetáculos serviram, este ano ou no passado, para convencer os portugueses que vivem em França a ir votar em Portugal, ainda que para o fazerem precisem de estar recenseados em Portugal e dar como morada de residência a portuguesa.

Oriundo de Vilar de Perdizes, no concelho de Montalegre, João Marques da Silva Araújo vive em França e diz que este ano não juntou emigrantes para irem a Portugal votar, mas nas últimas autárquicas reuniu "25 ou 26 pessoas", tendo "cada uma pago o seu bilhete".

"Este ano, não fui eu porque nem sequer cá estava, estava em Portugal. Agora, nos outros anos, há quatro anos, fui eu que juntei 25 ou 26 pessoas, a minha mulher, o meu filho, o meu genro, mais cinco ou seis amigos, mais 10 amigos, mais 12 amigos da minha aldeia. Juntámo-nos, cada um pagou o seu bilhete, ao mesmo tempo é um fim de semana e vamos ver a nossa família", afirmou.

Quanto à forma como mobilizou os eleitores, "é muito fácil": "No café ao domingo, tenho lá 10 ou 12 amigos e vamos a outro café a Puteaux e temos lá outros dez ou 12 amigos. E nós dizemos: Queres ir votar pelo teu primo, pelo teu amigo?"

Depois, João Marques diz ter juntado o dinheiro de cada um para comprar os bilhetes de avião e que foi alugada uma carrinha da aldeia para os ir buscar ao aeroporto, insistindo que "não há viagens pagas".

"A única coisa que ali pode haver é o presidente da junta pagar-nos um jantar. Um jantar paga-se a qualquer pobre, não é preciso ir lá a eleições. E é isso que paga: um jantar porque fica contente, umas vezes em casa dele, outras vezes no restaurante no sábado à noite [véspera das eleições], mas não vai quase ninguém porque os que vamos temos o gosto de ir comer com as nossas famílias", continuou.

O português precisou que os emigrantes respondem ao apelo para ajudarem "um amigo" em juntas de freguesia onde os seus votos podem ser determinantes.

"O emigrante vai porquê? Há uma junta que está rés-vés Campo de Ourique que se calhar [o candidato] vai ficar empatado com dois ou três votos com outro do PSD ou vice-versa e vem pedir aqui a 10 ou 15 amigos: Oh pa, botai-me aqui uma mão, sou vosso amigo, a ver se consigo ganhar as eleições mais um ano", declarou.

João Marques, que afirmou ter sido eleito, a 1 de outubro, para a composição da assembleia da junta da União das Freguesias de Vilar de Perdizes e de Meixide, também está recenseado em Portugal porque considera que vive em França "emrestado".

"A minha casa é em Portugal. Estas casas são dos franceses. A minha morada é em Portugal. aqui estou emprestado. Nós, os portugueses, temos a mania que a França é nossa e não é. A França é dos franceses. Aqui não tenho casa, estou numa casa alugada. A minha casa, que fiz com o meu suor, é em Vilar de Perdizes", destacou.

Oriundo da aldeia de Meixide, José António Ferreira Atilhó também fez "campanha por amizade" há 16 anos e ajudou a reunir "mais de 2.000 pessoas" na sala Jean Vilar em Argenteuil, nos arredores de Paris, através de telefonemas em que "uns ligam a uns, outros ligam a outros".

"Fiz campanha por amizade. Era um amigo e qualquer amigo que me peça uma ajuda, naquilo que puder auxiliar ajudo. Não está em causa ser o PS ou PSD, para mim não é o caso. Ajudei a organizar a campanha eleitoral, a contactar as pessoas para estarem presentes no local do comício, da reunião eleitoral", contou.

O português, que durante 17 anos foi proprietário de um conhecido café da comunidade em Clichy, na região de Paris, explicou que foi contactado pela equipa do então candidato à Câmara de Montalegre, Fernando Rodrigues, para "dar uma ajuda a arranjar uma sala de reunião para o comício", onde o candidato se deslocou.

"Se a mim me pedissem, fosse PS ou PSD, para organizar aqui autocarros, viagens e tudo, eu faria igualmente. Sem ser pago. Não é com migalhas que se vive, é com amizades", acrescentou, sublinhando que este ano esteve fora da campanha autárquica.

O emigrante de Meixide recordou, ainda, que a feira de Nanterre, nos arredores de Paris, que se costuma realizar anualmente em meados de abril, "é como um comício anual" que reúne diferentes presidentes de câmara e de diferentes cores políticas.

Num terreno de petanca às portas de Paris, onde se juntam diariamente dezenas de portugueses, há quem diga que "o português vende-se por um copo de vinho e uma bifana" e o fervor eleitoral é bastante discreto porque são escassas as pessoas que admitem ter ido votar.

José Oliveira, da freguesia de Argozelo, no distrito de Bragança, não foi votar porque está recenseado em França mas foi contactado e soube que havia "viagens pagas e às vezes até davam de comer" para ir votar à aldeia e todos o sabiam pelo boca a boca".

Sentado a jogar cartas, "Castelito", oriundo da aldeia de Santulhão, no concelho de Vimioso, também no distrito de Bragança, tem um boné com a inscrição "Jorge Fidalgo Presidente Vimioso": "Pagaram-me a viagem, fui de camioneta e fui votar porque sou português, tenho direito e é pelo meu país".

Ao seu lado e da mesma aldeia, Casimiro Gonçalves - que foi votar há quatro anos mas não este ano - sublinhou que o voto dos emigrantes tem peso porque na sua terra "é tudo emigrante" e disse que "não é segredo para ninguém que há autocarros à disposição e só vai quem quer".

CAYB // PJA
Lusa/fim

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